sábado, junho 10, 2006

Expresso - 10.06.2006

Editorial
A ‘pax’ australiana?

A força da GNR está em Timor-Leste a pedido das autoridades legítimas com o objectivo de ajudar a restabelecer a segurança e contribuir, assim, para a resolução de um diferendo entre timorenses. Não percorreu 20 mil quilómetros para ajudar Camberra a impor no território uma espécie de «pax» australiana - e muito menos para ficar sob as ordens das suas forças armadas.

O INCIDENTE com a GNR em Timor é exactamente aquilo que parece: uma humilhação da força portuguesa. Uma humilhação inaceitável e inexplicável, se tivermos em conta todos os cuidados de que o Governo diz ter-se rodeado antes de enviar o contingente.

Primeiro, assegurou-se de que a solicitação de ajuda era assinada por todas as autoridades timorenses competentes para esse efeito e não de uma ou duas partes em conflito. Depois, procurou a chancela da ONU para a deslocação da força portuguesa. Por fim, garantiu - como afirmou aos portugueses - que ela ficaria sob a tutela política do Presidente da República, Xanana Gusmão, enquanto a direcção das operações estaria entregue ao próprio comando da força e a mais ninguém.

Tudo isto, afinal, não foi suficiente para evitar que uma das primeiras acções no terreno tivesse o lamentável desfecho conhecido: uma ostensiva e declarada recusa de cooperação dos militares australianos seguida, de acordo com os relatos, de uma ameaça de desarmamento dos portugueses, os quais ficaram depois confinados ao seu aquartelamento.

É inexplicável que, depois de tantas conversações que terão determinado, inclusive, o adiamento da missão por alguns dias, um incidente com estes contornos possa ainda ter ocorrido. A demarcação das áreas de intervenção de cada um dos contingentes estrangeiros no território e um acordo minucioso para a cooperação activa entre eles eram pressupostos elementares numa missão desta natureza em que não existe comando único. Custa a crer que esses pressupostos não tenham sido previamente estabelecidos com rigor. Se não foram, isso corresponde a um lapso negocial grave pelo qual todas as partes são responsáveis. Se foram, e alguma delas desrespeitou o compromisso, a situação é ainda mais problemática porque põe em causa a boa-fé e o empenho comum que têm de presidir a uma operação como a que está em curso.

Uma terceira hipótese é o Governo português ter negociado as condições para a GNR na convicção de que os poderes instituídos que foram seus interlocutores - Presidente da República, presidente do Parlamento e primeiro-ministro timorenses - estariam em posição de impor o acordo com Portugal às outras partes em presença. E de ter verificado tarde demais, em especial perante o incidente desta semana, que é já outro o poder de facto na antiga colónia portuguesa: precisamente as forças australianas. Se assim é, então mudaram radicalmente as circunstâncias políticas em que Portugal foi solicitado a colaborar para a resolução da crise.

MANDAR regressar a GNR por causa deste incidente seria uma decisão demasiado drástica e prejudicial, quer para o Estado e a população timorenses quer para a imagem de Portugal. Mas o Governo deve preparar-se para tal hipótese porque nada garante que casos como este - já foram relatados outros dois do mesmo tipo com a força malaia - não voltem a acontecer, apesar da boa vontade de Lisboa e da sua confiança no acordo provisório estabelecido na quinta-feira. Conflitos entre forças convocadas para reporem a ordem em Timor não só não resolvem nada como acrescentam instabilidade à instabilidade existente. Tornam, pois, a sua presença dispensável.

Tudo indica que os militares australianos estão tentados a assumir no terreno uma espécie de comando único, enquanto a ONU não se decide a participar directamente na resolução da crise.

Ora, uma situação desse tipo é obviamente inaceitável para Portugal, como o Governo tem dito e repetido. Espera-se que aja em conformidade. A força da GNR está em Timor-Leste a pedido das autoridades legítimas com o objectivo de ajudar a restabelecer a segurança e contribuir, assim, para a resolução de um diferendo entre timorenses.

Não percorreu 20 mil quilómetros para ajudar Camberra a impor no território uma espécie de «pax» australiana - e muito menos para ficar sob as ordens das suas forças armadas.

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Timor: defender a Constituição e a independência
Nuno Antunes

O que separa Xanana Gusmão e Mari Alkatiri é bem menos do que aquilo que os une. Timor-Leste é, para ambos, uma prioridade quase absoluta.

O PRESIDENTE Xanana Gusmão veio afirmar que chegou a hora de defender a Constituição e a independência nacional. Frase feita? Talvez não.

A Constituição Timorense tem traços paralelos aos da Constituição Portuguesa. Mas não no sistema de governo; em Timor, ele é quase parlamentar. Na declaração sobre as medidas de emergência para ultrapassar a crise, o Presidente mostrou saber que havia adoptado uma interpretação muito extensiva do texto constitucional, no que aos seus poderes diz respeito. Foi tão longe quanto provavelmente podia ter ido sem dar lugar a uma ruptura constitucional.
A assunção pelo Presidente de poderes em matéria de defesa e segurança só pode admitir-se numa leitura muito livre da Constituição. Que só pode justificar-se à luz do contexto e da efectiva «liderança do povo» que exerce Xanana Gusmão. Mas a leitura presidencial abre um precedente que tecerá a constituição material. E outros, não tão «politicamente desapegados do poder», podem, no futuro, tentar valer-se dele. O Presidente sabe-o. Daí que proclame a defesa da Constituição.

Doutor em Direito

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Traduções

Todas as traduções de inglês para português (e também de francês para português) são feitas pela Margarida, que conhecemos recentemente, mas que desde sempre nos ajuda.

Obrigado pela solidariedade, Margarida!

Mensagem inicial - 16 de Maio de 2006

"Apesar de frágil, Timor-Leste é uma jovem democracia em que acreditamos. É o país que escolhemos para viver e trabalhar. Desde dia 28 de Abril muito se tem dito sobre a situação em Timor-Leste. Boatos, rumores, alertas, declarações de países estrangeiros, inocentes ou não, têm servido para transmitir um clima de conflito e insegurança que não corresponde ao que vivemos. Vamos tentar transmitir o que se passa aqui. Não o que ouvimos dizer... "
 

Malai Azul. Lives in East Timor/Dili, speaks Portuguese and English.
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