domingo, setembro 10, 2006

Há quatro anos...

Tradução da Margarida.

ZNet East Asia

Entrevista com
Dili, Timor-Leste

por Xanana Gusmão e Andre Vltchek; Andre Vltchek; Abril 12, 2002

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P: Mencionou o Marxismo como um erro. Quer dizer que foi um erro filosófico a FRETILIN seguir a ideologia Marxista na primeira independência?

R: Antes de Gorbachev ter anunciado a Perestroika, a nossa antiga liderança da FRETILIN em 1977 anunciou que o Marxismo era a nossa ideologia oficial. Era um membro da liderança. Depois da grande derrota que sofremos em 1978 e 1979 – alguns dos nossos membros de topo morreram ou foram presos – não sabíamos mais como liderar a luta. Tivemos de fazer as perguntas básicas outra vez. E em 1983 reformulámos tudo. Em 1987 abandonamos simplesmente a ideologia.

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P: E contudo Timor-Leste foi uma vítima da guerra fria. De facto foi sacrificado não pela esquerda que esteve sempre contra a ocupação Indonésia, mas pelos Poderes Ocidentais. A Indonésia recebeu a luz verde para ocupar o seu país dos USA, do Reino Unido e da Austrália.

R: Talvez alguma gente que viu o Marxismo como uma arma para liberar o nosso país pense de modo diferente. Mas deixe-me expressar a minha opinião: depois da II Guerra Mundial, houve uma grande luta pela independência em África. Alguns países obtiveram a independência suavemente; outros foram vítimas da guerra fria entre as super potências. As antigas colónias Portuguesas na África estavam a ganhar a independência e foram um exemplo para nós. Temos de ver toda este complexidade.

Posso pensar que a nossa ideologia estava errada, mas admito que houve razões (para a adoptarmos). Angola, Moçambique entravam na luta. Mas não tínhamos capacidade para lutar e de facto não tínhamos de (lutar). Portugal estava apertado em África e de facto éramos livres para escolher a nossa independência. O Governo em Portugal mudou – tornou-se da esquerda e alguns de nós fomos lá: eram influenciados pelos estudantes Portugueses, por intelectuais de esquerda. Portanto nunca direi que a nossa ideologia era de algum modo estúpida. Não, havia um processo complicado no mundo e éramos parte disso.

P: Timor-Leste tem relações muito complexas com Portugal. Ganharam a vossa independência mas Timor-Leste era então a mais pobre parte da Ásia. Os Portugueses administraram de forma totalmente incompetente o seu país. Contudo intelectualmente e economicamente dependem outra vez de Portugal. Estão a fazer do Português a língua oficial, apesar de somente uma fracção de Timorenses o falarem. È por causa de Portugal ter jogado um papel muito positivo durante a luta contra a ocupação da Indonésia? Quão complexa é realmente a sus relação com o antigo poder colonial?

R: Entrámos a nova fase com Portugal depois da segunda guerra mundial – depois da ocupação Japonesa. Era ainda uma colonização, com certeza. Mas um dos aspectos da presença Portuguesa aqui foi que não interferiram com as nossas estruturas tradicionais. Não interferiram com as nossas crenças. De algum modo a nossa gente sente que sim, há Portugueses aqui, ocupando o nosso país, mas nas nossas casas podemos ser nós próprios. Certo que quando as tropas Indonésias chegaram, foi brutalmente e abruptamente diferente. Foi uma guerra.

P: E os Indonésios tentaram imediatamente impor a sua cultura a Timor-Leste?

R: Sim. Agora, quando nos lembramos dos tempos Portugueses, fomos muito negligenciados. Éramos pobres. Mas há uma diferença entre a negligência e a violência.

Depois durante a nossa luta contra a Indonésia, Portugal esteve sempre connosco. Levantaram-se por nós nas Nações Unidas e mais tarde na União Europeia. Se nos negligenciaram durante centenas de anos, temos de admitir que em 24 anos de ocupação Indonésia pagaram as suas dívidas.

P: Como gostava de ver Timor-Leste no futuro? Sobre que ideias se vai fundar?

R: Temos de mostrar ao nosso povo que não sofreu por nada. Precisam de algumas certezas. Têm que acreditar que a nossa independência significa que podem começar a mudar as suas vidas. Será um processo lento e gradual. Têm que saber que a independência significa mais do que uma bandeira, parlamento, governo. Tem de ter um impacto positivo na vida das pessoas. De outro modo alguns lembrarão que em termos de números, a Indonésia gastou muito dinheiro aqui, durante os 24 anos da ocupação. Certo que muito foi gasto em infra-estruturas para que pudessem movimentar as suas tropas. Mas investiram.

Temos sempre que nos lembrar que lutámos pela independência para melhorar a vida do nosso povo.

P: Que tipo de economia deseja para este país – que tipo de sistema politico? Governo forte, Estado social ou como é chamado economia de mercado?

R: Penso que as nossas condições pedem economia mista. O sector privado deve ser forte mas virá mais tarde. Veja, o sector privado não será criado da noite para o dia – pode levar 15 a 20 anos.

Agora as pessoas estão a exigir tudo do governo. E eu estou a tentar explicar-lhes que o governo não pode ser como um patrão, que simplesmente não está numa posição para tudo fornecer. Certo que se tivermos alguns recursos estratégicos, serão divididos pelo povo e canalizados pelo governo.

Também temos de dar ao povo uma sociedade civil. Eles próprios têm de tentar fazer o seu melhor para melhorar este lugar.

P: Do que é que Timor-Leste vai viver? Do petróleo que foi descoberto perto da sua costa? Da pesca, agricultura, turismo?.. Qual é o futuro deste país?

R: O consenso comum neste país é que não podemos depender das reservas do petróleo. Precisamos de recursos sustentáveis. Certo que temos que desenvolver tudo o que mencionou - agricultura, turismo, e pesca. Não podemos depender somente de recursos que desaparecerão dentro de algumas décadas.

No princípio, tudo será muito difícil. O nosso país é frágil. Frágil em termos dos nossos recursos. Frágil em termos das nossas capacidades. Frágil em termos de experiência.

Estamos no princípio de tudo e temos de mobilizar os recursos mais preciosos – a nossa gente. Precisamos da sociedade civil e compreendo que a sociedade civil não são somente ONG’s, igrejas e outras instituições. Não são somente intelectuais.

Mas todos têm de tomar parte na construção de Timor-Leste, incluindo a igreja e os intelectuais. Alguns dos nossos maiores problemas estão nas infra-estruturas e com certeza na educação. Metade da nossa gente não sabe ler ou escrever. Talvez mais de metade. Enfrentamos enormes desafios. Mas se tivermos sucesso, daqui a uns vinte anos haverá uma nova sociedade.

E as pessoas estão disponíveis para esperar, trabalhar e não sonhar. Alguém me disse na reunião: "No ano 2020 gostaríamos de ter um médico em cada distrito." Vê, as pessoas compreendem – não estão a exigir tudo para amanhã. Conhecem as dificuldades.

No fim de 1999, as pessoas sofriam mas sorriam. Têm grandes expectativas para o futuro. Agora compreendem quão vagaroso será este processo. Mas não perderam a esperança ainda.

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Traduções

Todas as traduções de inglês para português (e também de francês para português) são feitas pela Margarida, que conhecemos recentemente, mas que desde sempre nos ajuda.

Obrigado pela solidariedade, Margarida!

Mensagem inicial - 16 de Maio de 2006

"Apesar de frágil, Timor-Leste é uma jovem democracia em que acreditamos. É o país que escolhemos para viver e trabalhar. Desde dia 28 de Abril muito se tem dito sobre a situação em Timor-Leste. Boatos, rumores, alertas, declarações de países estrangeiros, inocentes ou não, têm servido para transmitir um clima de conflito e insegurança que não corresponde ao que vivemos. Vamos tentar transmitir o que se passa aqui. Não o que ouvimos dizer... "
 

Malai Azul. Lives in East Timor/Dili, speaks Portuguese and English.
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