quinta-feira, novembro 23, 2006

Duas eleições fazem 2007 ano de todos os perigos, Paulo C. Seixas

Porto, 23 Nov (Lusa) - As eleições legislativas marcadas para Março e as presidenciais, ainda sem data, tornam 2007 no ano de todos os perigos para Timor- Leste, admitiu hoje à Lusa, no Porto, o antropólogo Paulo Castro Seixas.

Vice-presidente da organização não governamental (ONG) Médicos do Mundo-Portugal, professor associado da Universidade Fernando Pessoa, Mestre em Sociologia e Doutor em Antropologia, Paulo Castro Seixas lança sexta-feira dois livros sobre Timor-Leste, um dos quais em co-autoria, já considerados fundamentais para compreender a situação naquele país.

"Os processos eleitorais poderão vir a aprofundar as divisões existentes em Timor-Leste tanto no plano político (no interior da própria Fretilin) como no cultural, em que é determinante a estrutura segmentada da sociedade timorense baseada em clãs", afirmou aquele especialista.

As divisões culturais têm também uma base geográfica e étnico-linguística entre os timorenses de Loromono (zona ocidental do país, que inclui Díli), também chamados Kaladi, e os de Lorosae (dos três distritos orientais), conhecidos como Firaku.

Na opinião de Paulo Castro Seixas, o relatório apresentado pela Fretilin e m 28 de Outubro sobre os episódios de violência verificados este ano, que aponta para a influência estrangeira, particularmente da Austrália, como um dos factores da violência, "foi um mau contributo para a paz no território".

"Este relatório em nada veio ajudar e está na base da recente morte de um missionário brasileiro às mãos de seis jovens timorenses embriagados, que o confundiram com um australiano", disse aquele especialista que, além de ter feito parte da escola primária em Díli, quando o território era ainda colónia portuguesa , tem passado, desde 1999, longos períodos em Timor-Leste.

Paulo Castro Seixas acredita que a Austrália pretenda manter influência em Timor-Leste, o que considera "perfeitamente natural".

"Não falta quem fale nisso, mas a verdade é que não é apresentada qualquer prova, nem no relatório da Fretilin nem em qualquer outro lado", disse.

Acrescentou que nem sequer é nomeada qualquer pessoa como testa-de-ferro local da Austrália.

"Foi, por isso, que se criou em determinados sectores algum ódio indistinto aos australianos, que já teve como consequência a morte do missionário brasileiro", afirmou.

O maior receio do antropólogo é que a nova intervenção internacional no país se resuma à vertente burocrática, como aconteceu com a primeira, em que não foram tidos em conta os importantes factores étnicos, culturais e linguísticos presentes.

"Se a situação continuar a deteriorar-se, podemos chegar a um tribalismo político, com os partidos a implantarem-se nas diferentes regiões de acordo com os diferentes clãs, o que seria gravíssimo", disse.

Castro Seixas pensa também que a Constituição de Timor-Leste, largamente inspirada na portuguesa (escrita para uma realidade totalmente distinta) deve ser reformulada, uma vez que não tem em consideração a realidade cultural do país, baseada na dualidade de poder, o que deveria conduzir à criação de uma segunda câmara, integrada pelos representantes dos poderes tradicionais.

"Essa segunda câmara permitiria uma gestão mais adequada das representaçõe s sociais da sociedade timorense, recriando a dualidade de poderes que está no cerne da cultura local", defende Paulo Castro Seixas.

O primeiro dos dois livros a apresentar sexta-feira na Universidade Fernan do Pessoa, no Porto, intitulado "Diversidade Cultural na Construção da nação e do estado em Timor-Leste", agrupa 12 trabalhos científicos de especialistas de se te países (Portugal, Holanda, Timor-Leste, Japão, França, Inglaterra e Brasil) sobre a cultura, a sociedade e o estado timorense, coordenado por Paulo Castro Seixas e Aone Engelenhoven (Holanda).

O segundo livro, "Timor-Leste - Viagens, Transições, Mediações" é o resultado de 20 anos de interesse e de cinco anos de trabalho antropológico de Paulo Castro Seixas sobre aquele país.

Este volume reúne textos científicos, notas de campo antropológicas e entrevistas com personalidades timorenses, incluindo ainda um DVD com quatro filmes etnográficos e entrevistas.

Os dois livros serão apresentados às 18:00, após a realização de uma mesa-redonda sobre "Timor-Leste na encruzilhada das globalizações", em que participam Paulo Castro Seixas, Aone Engelenhoven, Daniel Schroeder Simião (Brasil) e Mois és Silva Fernandes.

PF-Lusa/Fim

4 comentários:

Anónimo disse...

Bravo senhor Seixas!

Espero que muita boa gente abra os olhos.Vindo do senhor, talvez aconteca.

Mais uma vez, BRAVOOOOOOOOOOO.

Anónimo disse...

É estranho que este investigador venha afirmar que o assassínio do missionário Edgar teve como causa o "ódio indistinto aos australianos" de pessoas "que o confundiram com um australiano". É que ontem o próprio Eric Tan disse que está em curso uma investigação sobre esse crime. Será que Paulo Seixas sabe mais do que a pópria polícia? Nesse caso, em que se baseou para tirar essa conclusão? Recuso-me a acreditar que a "influência" australiana já tenha chegado tão longe.

Parece-me que o "ódio" é tudo menos indistinto, devido aos conhecidos exemplos de prepotência e deprezo evidenciados pelos australianos em relação a tudo o que é timorense. Que dizer de quem deixa fugir os assassinos da cadeia e se recusa a capturá-los, apesar de saber o seu paradeiro?

E falta comentar o "ódio", esse sim "indistinto", a tudo o que cheira a Fretilin, Portugal ou CPLP, instigado por Howard, Downer & Cia. mais os seus amigos UK-USA.

Isto para não falar de "ódios" que já vêm desde 1975, materializados em intermináveis discursos ou artigos inflamados, completamente abstraídos da trágica realidade que é o dia-a-dia dos refugiados ou das famílias que perderam maridos, pais, irmãos, sobrinhos...

Anónimo disse...

Esta frase chamou-me a atenção: “O segundo livro, "Timor-Leste - Viagens, Transições, Mediações" é o resultado de 20 anos de interesse e de cinco anos de trabalho antropológico de Paulo Castro Seixas sobre aquele país.”
Parti então à descoberta do autor. Descobri que o próprio explicou em entrevista ao Adelino Gomes: “Nasci em Angola e fiz a 1ª classe em Timor, filho de um funcionário da justiça e de uma professora (...). O meu primeiro trabalho em Antropologia (...) foi sobre os refugiados timorenses numa pequena comunidade num prédio do Cacém. Timor em 1999 possibilitava, por outro lado, uma análise da reconstrução de uma capital em situação pós-colonial. O meu projecto foi avaliado positivamente pela FCT, o que me permitiu deslocar cinco vezes lá, entre 2000 e 2004. Este ano, voltei de novo lá, em Fevereiro. Passei entretanto a pertencer aos Médicos do Mundo, sendo responsável, neste momento, pelos projectos de Timor desta ONG.
Sou responsável, neste momento por uma waiting-room – uma casa das mães, que temos em Lospalos, Ponta Leste, aliada a uma intervenção comunitária na área da Saúde, com uma clínica móvel do distrito”.(...)
http://homepage.ufp.pt/pseixas/artigospub/timor/Entrevista%20Publica.pdf

Isto é um português, de 39 anos que caçou um subsídio do governo de António Guterres via Fundação da Ciência e Tecnologia que já lhe possibilitou lá ir CINCO VEZES em quatro anos, e que entretanto agora através de uma ONG continua as passeatas.

Mais uma pesquisazita e descobri que o mano até é co-autor com a inefável Ana Gomes do livro “O Passado do Futuro – Timor Lorosae” (com edição em Português e Inglês) e donde saquei este extracto esclarecedor:
“Os jovens portugueses, professores e voluntários das ONGs, pertencem, na sua grande maioria, a uma geração pós-25 de Abril e pós-descolonização. Para estes jovens, Timor em 1999 tornou-se a primeira grande oportunidade – a última oportunidade do império – de partir com o apoio colectivo do país, tornando-se, assim, a última geração do império.”
Presumo que os portugueses que aí estão, particularmente os professores se sentirão ofendidos com a caracterização do Seixas. Mas não há nada a fazer com os Seixas saudosistas do império. Eles são mesmo assim, só nos resta denunciá-los.
http://homepage.ufp.pt/pseixas/artigospub/timor/Portugueses%20na%20transicao.pdf

E por fim não resisto a este naco da comunicação que apresentou a 20/05/06 na comemoração do 4º Aniversário da independência de Timor-Leste numa mesa onde também esteve D. Ximenes Belo:
“A questão político-institucional que levou à escalada do conflito e ao descontrolo da situação foi, exactamente a resolução face à alegada discriminação de 1/3 do exército por ser uma etnia”. Na mesma comunicação chama a Timor-Leste “um Estado falhado”.
http://homepage.ufp.pt/pseixas/artigospub/timor/uma%20agenda%20para%20a%20reconstrucao%20socio-cultural.pdf

Digam só lá s.f.f. se a Ana Gomes, os Australianos e os do ICG diriam melhor!

Anónimo disse...

Caras senhoras e senhores,

Cabe-me esclarecer alguns aspectos da noticia que saiu, a qual não é da minha responsabilidade, e que tem erros:
1. Nunca disse que as eleições eram em Março. A informação que tenho - ainda que seja precária e sujeita e revisão - é que as eleções são em Maio.
2. A expressão 'odio indistinto aos australianos' não é minha e nem sei o que quer dizer! O que eu disse - em função de uma descrição que recebi por email de fontes que reputo como seguras - é que um grupo de jovens embriagados teria expresso palavras contra os australianos, pensando que os missionários eram dessa nacionalidade.

Quanto aos comentários, gostaria apenas de dizer o seguinte: Convém ler os textos na íntegra e não tresler a partir de uma frase ou outra. simplesmente não é correcto. De qualquer forma, diga-se:

1. Não tenho qualquer tipo de saudosismo colonial.

2. Não considero que um projecto antropológico de investigação que deu origem a diversos artigos e a dois livros seja considerado como um conjunto de 'passeatas'.

3. O trabalho da ONG Médicos do Mundo em Timor está muito bem avaliado. O projecto da Waiting-room foi elaborado por mim em colaboração com colegas da ONG e apoiei a sua implementação sem qualquer retribuição financeira. SOU VOLUNTÁRIO. Mais uma vez é incorrecto avaliar as pessoas dessa maneira. Talvez deva perguntar primeiro ao vice-primeiro ministro Rui Araújo, ex ministro da Saúde, sobre o nosso trabalho.

3. Analisei algumas instituições timorenses (a constituição) como qualquer outra pessoa pode analisar as instituições portuguesas, por exemplo. Não tenho poder para, a esse nível, propor o que quer que seja.

Timor-Leste é dos timorenses. Será que isso deve impedir de todos os de outras nacionaldiades de terem opiniões sobre o vosso país?

Creio que noticias mal dadas e textos lidos por bocados podem criar avaliações pelo menos apressadas.

cumprimentos


Paulo Castro Seixas

Traduções

Todas as traduções de inglês para português (e também de francês para português) são feitas pela Margarida, que conhecemos recentemente, mas que desde sempre nos ajuda.

Obrigado pela solidariedade, Margarida!

Mensagem inicial - 16 de Maio de 2006

"Apesar de frágil, Timor-Leste é uma jovem democracia em que acreditamos. É o país que escolhemos para viver e trabalhar. Desde dia 28 de Abril muito se tem dito sobre a situação em Timor-Leste. Boatos, rumores, alertas, declarações de países estrangeiros, inocentes ou não, têm servido para transmitir um clima de conflito e insegurança que não corresponde ao que vivemos. Vamos tentar transmitir o que se passa aqui. Não o que ouvimos dizer... "
 

Malai Azul. Lives in East Timor/Dili, speaks Portuguese and English.
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