quinta-feira, novembro 23, 2006

Mestiços e Moçambique

(Tradução da Margarida)

No blog Living Timorously:

20 Novembro 2006

Quando tentas desacreditar os teus opositores, tendes a colocar-lhes rótulos para os minar e à sua legitimidade, e quanto mais os repetires quanto mais eles são aceites como evangelhos.

No caso de Timor-Leste, isto não é nenhuma novidade. De volta a 1975, o rótulo aplicado aos líderes da independência era mestiço ou raça misturada, sugerindo que não eram representantes dos Timorenses no seu conjunto. O Primeiro-Ministro Australiano Gough Whitlam fez isso, dizendo que "partidos políticos... eram liderados por mestizos [sic].. que pareciam desesperados por suceder aos Portugueses como governantes do resto da população." Verdade, há líderes como José Ramos Horta (então na Fretilin) e Mário Carrascalão (então na UDT) mas eram uma minoria tanto na política como eram no conjunto da sociedade. Xanana Gusmão não é um mestiço, apesar da sua primeira mulher ser.

O rótulo de mestiço já não é nos dias de hoje usado pelos críticos de Timor-Leste, visto que José Ramos Horta e a sua ex-mulher Ana Pessoa (agora ministra da justiça) são praticamente os dois únicos no governo que o são. Conquanto impopular possa ser o uso do Português como língua oficial, a decisão para a usar não pode ser atribuída somente aos mestiços.

O corrente rótulo de escolha dos críticos dos líderes de Timor-Leste, ou, mais especificamente, de Mari Alkatiri, é "Moçambique" ou "Maputo", geralmente seguido por "clique" ou "mafia". Obviamente, Fretilin soa semelhante a Frelimo, o nome do partido no poder em Moçambique, apesar do último já há muito ter trocado o comando directo da economia e um Estado de partido único pela economia de mercado e a democracia multipartidária, mas o facto de Moçambique ser também uma antiga colónia Portuguesa são grãos para o moinho dos que têm uma atracção pela Lusofobia ou por envergonharem Portugal.

Contudo, há uma muito boa razão para os líderes de Fretilin terem estado no exílio em Moçambique: havia pouquíssimas alternativas. Foi-lhes recusada a entrada na Austrália e na Nova Zelândia, e teriam sido ainda menos bem acolhidos nos países ASEAN como as Filipinas e a Tailândia, que viam a questão de Timor-Leste como um assunto interno da Indonésia, no qual não deviam interferir. Na ONU em Nova Iorque, foi a Missão Permanente de Moçambique quem empregou José Ramos Horta e José Luís Guterres (que desafiou Mari Alkatiri na liderança à Fretilin, e é agora ministro dos estrangeiros). Contudo, não foram sombreados com o pincel de 'Moçambique', como Alkatiri tem sido.

Dado o modo como foram afastados a frio pelos países vizinhos, não admira que, como outros nacionalistas exilados, os líderes da independência de Timor-Leste procurassem refúgio e apoio onde pudessem. Passar largos períodos de tempo no exílio muitas vez faz parte da corrida; os novos líderes do Iraque são um exemplo, para não mencionar os líderes do ANC na África do Sul, como o presidente Thabo Mbeki, que passou períodos na Europa do Leste bem como no Reino Unido. Depois do governo da maioria, houve divisões no ANC entre os que regressaram do exílio e os que estiveram presos pelo regime do apartheid.

Foi dito que alguns líderes do ANC "tinham um mapa do Metropolitano de Londres na sua cabeça ", enquanto que alguns dos seus filhos, que tinham crescido em Londres, ainda soavam impecavelmente a ingleses. E para que não esqueçamos, o ANC é ainda uma aliança com o Partido Comunista da África do Sul, tal como era no exílio, mas isto tem sido esquecido pelos que carimbam a Fretilin ou Alkatiri como "Marxistas". A Austrália apoiou o ANC, tal como apoiou o ZANU de Robert Mugabe no Zimbabwe.

Obviamente, tais fricções e ressentimentos também existiram em Timor-Leste na pós-independência, com acusações de que aqueles que estudaram em universidades na Indonésia perderam para os que foram trabalhadores fabris de Portugal. Contudo, enquanto que a proficiência em Português deva ser de importância secundária para a capacidade de fazer o trabalho, há muita gente educada na Indonésia que pensam que deviam ter empregos no serviço público por causa de quem conhecem e não do que sabem, à la Indonésia de Suharto. Dificilmente uma meritocracia, não é verdade?

O outro rótulo usado por críticos de líderes de Timor-Leste é "idoso", sugerindo que o governo é uma gerontocracia em ruínas. Contudo por estes padrões - China ou Índia, onde muitos octogenários ainda estão em altos postos? De facto, a juventude relativa dos líderes de Timor-Leste em 1975 devia ser um aviso contra ter tal gente jovem e inexperiente em posições de autoridade. Mari Alkatiri e José Ramos Horta têm a mesma idade que o primeiro-ministro da Austrália John Howard tinha quando chegou ao poder em 1996, para não mencionar Gough Whitlam, quando chegou ao poder em 1972. (Whitlam foi, obviamente, reverenciado, ou demonizado, como um radical, apesar da sua idade.)

Muitas das pessoas expressando a sua preocupação pela "desenfranchisação" da gente mais nova em Timor-Leste são os mesmos que, há dez ou quinze anos antes, os enxotavam como criadores de problemas, quando participavam em manifestações contra a governação Indonésia. Contudo agora eles não podem fazer coisas erradas, muito menos se expressarem que não gostam dos seus mais velhos, da língua Portuguesa, ou quaisquer outros papões que os dos comentadoriados Australianos possam ter acerca de Timor-Leste. Isto lembra o modo como Mao na China manipulava os jovens na Guarda Vermelha para atacarem e desacreditarem os seus opositores, mesmo apesar de serem muitas vezes mais jovens do que eles.

Está Mari Alkatiri acima das críticas? Não. Está acima da lei? Enfaticamente não. Mas antes dos comentadores começarem a usar rótulos como "clique de Moçambique ", "Marxista" ou "idoso", é melhor olharem os outros líderes em Timor-Leste, e na verdade, os de outros países que apoiaram enquanto (estiveram) no exílio. Timor-Leste merece mais que uma ‘ditadura do proletariado’ Marxista, mas não merece também estar sujeita a uma ‘ditadura do comentadoriado’ da imprensa de Murdoch.

Obviamente, Dili tem quatro jornais diários, quando uma cidade média Australiana somente tem um. Assim, qual é o Estado de um partido? Um outro caso da Austrália ter mais para aprender de Timor-Leste do que para ensinar, mas isso é para um outro dia.

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Traduções

Todas as traduções de inglês para português (e também de francês para português) são feitas pela Margarida, que conhecemos recentemente, mas que desde sempre nos ajuda.

Obrigado pela solidariedade, Margarida!

Mensagem inicial - 16 de Maio de 2006

"Apesar de frágil, Timor-Leste é uma jovem democracia em que acreditamos. É o país que escolhemos para viver e trabalhar. Desde dia 28 de Abril muito se tem dito sobre a situação em Timor-Leste. Boatos, rumores, alertas, declarações de países estrangeiros, inocentes ou não, têm servido para transmitir um clima de conflito e insegurança que não corresponde ao que vivemos. Vamos tentar transmitir o que se passa aqui. Não o que ouvimos dizer... "
 

Malai Azul. Lives in East Timor/Dili, speaks Portuguese and English.
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