domingo, outubro 15, 2006

RESOLVING TIMOR-LESTE’S CRISIS - CAP V - Tradução da Margarida

Asia Report N°120
10 October 2006

V. A LUTA POLÍTICA

Junho viu uma guerra aberta de vontades políticas entre Xanana Gusmão e Mari Alkatiri, e conquanto tenha acabado com a resignação de Alkatiri em 27 Junho, num sentido, ambos perderam.

A 3 de Junho, José Ramos Horta e Alcino Baris tomaram posse como Ministros da Defesa e do Interior respectivamente (Ramos Horta temporariamente, retendo o ministério dos estrangeiros). No dia a seguir, contudo, num acto desafiador, o comité central da FRETILIN elegeu Rogério Lobato, acabado de ser despedido, como o novo Vice-Presidente do partido.

Emitiu uma declaração louvando “a liderança da Fretilin pela maneira determinada e corajosa com que defendeu valores democráticos e a Constituição da República”, afirmando o seu “apoio total ao governo liderado pelo camarada Secretário-Geral Mari Alkatiri” e congratulando-se a si própria pela “maneira matura pela qual a impressionante maioria das… pessoas, particularmente os militantes da FRETILIN, reagiram a toda a situação”.

Em 6 de Junho, numa manifestação organizada pelo Major Tara, cerca de 1,500 pessoas marcharam para a cidade, passaram pelo Palácio do Governo e pediram para Alkatiri sair.

Continuaram para o Gabinete de Xanana, onde o Major Tara se encontrou com o Presidente, e ele por seu lado dirigiu-se à multidão. O primeiro-ministro acusou que todos os actos contra ele estavam a ser atiçados pelos mesmos partidos que tinham fomentado distúrbios em Dezembro de 2002 que acabaram com a sua casa a ser queimada até às fundações.

Apoiou com força um inquérito internacional para investigar os eventos de Abril e Maio, como fez o resto do governo, e em 8 de Junho, Timor-Leste requeriu formalmente à ONU para organizar uma comissão.

O Major Alfredo, da sua base em Maubisse, continuava a apelar piamente ao diálogo, indicou vontade para trabalhar com as tropas internacionais e urgiu por apoio a Xanana Gusmão – mas disse que não entregaria as suas armas até Alkatiri resignar. Depois de negociações com tropas internacionais, contudo, grupos ligados a ele e ao Major Tara começaram a entregar algumas armas.

Em 19 de Junho, Ramos Horta entregou uma mensagem do Presidente a Railos e aos seus homens que deviam entregar as suas armas. O grupo fez uma declaração pública reiterando o que Railos tinha dito na reportagem do “Four Corners”, que lhe tinham sido dadas armas por ordens de Alkatiri e de Lobato e que as entregariam se Alkatiri fosse preso. O Procurador-Geral de Timor-Leste emitiu uma ordem de prisão para Rogério no dia seguinte, citando a distribuição de armas ao grupo de Railos como um esforço para “alterar a ordem pública e o domínio da lei democrático”. Xanana seguiu isto com uma carta para Alkatiri pedindo-lhe que ou resignasse ou que enfrentasse a demissão por causa do seu alegado envolvimento na questão das armas.

A. O DISCURSO DE 22 DE JUNHO

Então, em 22 de Junho, com tropas internacionais patrulhando as ruas de Dili e muita discussão nos media internacionais sobre se o ONU tinha deixado o novo país entregue a si próprio cedo demais, Xanana fez um outro discurso extraordinário. Numa comunicação televisionada dirigida aos membros da FRETILIN que parecia extraída de poços de azedume e sentimentos de traição pessoal, acusou a liderança deles de destruir o país. O discurso merecia ser todo citado porque demonstra porque é que, mais de três meses depois, é quase impossível juntar membros da elite política na mesma sala, muito menos trabalhar uma estratégia comum para resolver a crise.
Declarou com um ataque violento contra o partido, referindo-se aos delegados do recente congresso como pessoas “que só sabem como levantar a mão porque têm medo de perder os seus empregos e isso é uma maneira de arranjarem comida para as suas mulheres e filhos, e porque receberam dinheiro por debaixo da mesa”.

Disse que o congresso violou a lei dos partidos políticos do país e a constituição mas isso não interessava porque as pessoas que fizeram as leis eram as mesmas que as violavam. “Eles são os que sabem mais do que todos os outros do mundo e todos os outros são como simplórios baratos”.

Depois recontou a história da FRETILIN desde as suas origens em 1974. Anotou que como membro do comité central em 1977, tomou parte na decisão de adoptar o Marxismo-Leninismo, e que isso, se muitos dos presentes estivessem ainda vivos hoje, concluiriam que essa velha ideologia já não era relevante na era da globalização, pós-Guerra Fria.

Agora um grupo pequeno, vindo do exterior, quer repetir o que passámos entre 1975 a 1978.

Em Agosto de 1975 a UDT lançou um golpe para expulsar os comunistas do país num gesto que desencadeou uma guerra civil entre Timorenses. Em 2006 a FRETILIN quer lançar um golpe para matar a democracia que eles próprios inscreveram na constituição.

Em 1978, disse, depois de terem sido destruídas as bases de apoio no leste do país, ele começou a organizar a resistência no oeste – isto é, nas áreas que (são) agora casa dos peticionários. Em 1981, a luta passou de resistência a guerra de guerrilha, e em 1983, durante um cessar fogo de seis meses com o exército Indonésio, “começámos a falar de democracia”. Um ano mais tarde, ele e outros formaram um pacto de unidade nacional (Convergência Nacionalista) que incluía “todos os cantos de Timor, a Igreja e partidos políticos”.

Mas Rogério Lobato, disse, tinha outras ideias:
Histórias chegavam aos nossos amigos Timorenses no estrangeiro sobre como o Gardapaksi [um grupo de jovens pró-integração organizado pelos militares Indonésios] estava a bater barbaramente a nossa gente.…Em Moçambique, Lobato tentou fazer o mesmo ao semear a discórdia, e eventualmente Ramos Horta tornou-se um prisioneiro. O Presidente Chissano, que era então o ministro dos estrangeiros de Moçambique, foi quem conseguiu a libertação de Ramos Horta. Se pensam que estou a mentir, perguntem-lhes porque foram eles que viveram sossegadamente em Moçambique durante vinte anos.

Depois da Convergência Nacionalista ter sido formada em Lisboa, fiquei muito contento porque era um passo para a frente. A 4 de Dezembro de 1986, montei a CNRM [uma frente nacional] e saí da FRETILIN como sendo o comandante de topo da FALINTIL, quis tirá-la da influência do partido político. Deste modo a FALINTIL tornou-se a força armada de libertação de todo o país, para todos os partidos, para toda a gente, para loromonu e lorosae, da costa do norte ao mar do sul.

Lu Olo diz que durante 24 anos, carregou sempre a bandeira da FRETILIN no seu saco. Talvez, mas eu nunca a vi. Quando fui do comité central da FRETILIN e andando á volta do centro de Timor-Leste para reorganizar a resistência, ele estava escondido em Builo. Talvez estivesse a coser o saco que usava para esconder a bandeira ….

Xanana sublinhou que por essa altura, a Amnistia Internacional e outros estavam a relatar que a FRETILIN tinha estado envolvida na morte de opositores ideológicos. Enviou uma mensagem do mato reconhecendo isto e expressando arrependimento. A admissão criou uma tempestade de fogo entre membros da FRETILIN no estrangeiro, alguns dos quais o acusaram publicamente de mentir.

Retornou então á sua história do partido, entrelaçada com comentários amargos sobre os seus oponentes:

Em 1989 estava em Ainaro quando recebi uma carta de Rogério Lobato acusando toda a gente no estrangeiro de não fazer nada e dizendo que quando a guerra acabasse, toda a gente devia ser levada a um tribunal popular. Rogério Lobato disse-me nessa carta que Mari Alkatiri estava ocupado em Maputo a criar coelhos e galinhas.…

Em Maio de 2000 fui convidado a falar no congresso da FRETILIN [e eu] pedi três coisas:

deviam aceitar de volta Xavier do Amaral [um antigo líder, agora político da oposição] porque ele não foi um traidor; ele simplesmente não aceitou a ideologia; que fosse restaurado o bom nome de todos os que a FRETILIN matou por não terem aceite o Marxismo-Leninismo, e que a FRETILIN devia pedir perdão ao povo, especialmente ás famílias das suas vítimas.…

Em Agosto de 2000 num congresso da CNRT, a FRETILIN saiu.…Mari explicou que tinham saído do CNRT porque estavam zangados comigo porque eu tinha deixado que uns tantos [famílias das vítimas] falassem no congresso e porque eu tinha despedaçado a imagem da FRETILIN.

Eu disse, “Não têm nenhuma razão para ter medo, porque podem dizer ao povo, ‘Eu, Mari, não tive nada a ver com o mal cometido no nosso país. Eu, Mari, estava em Maputo, sofrendo durante vinte anos, mas eu lavei as mãos em cada dia com sabão. Por isso Eu, Mari, tenho as mãos limpas. Vão e perguntem a Xanana: ele é quem tem as mãos sujas, com sangue nas suas mãos.”

Xanana depois lançou-se num catálogo dos esforços da liderança da FRETILIN para expandir o seu controlo depois das eleições de 2001:
Toda a gente tem que se juntar, quer estejam na polícia, nas forças armadas, os empregados civis, a gente dos negócios, aldeias, bairros, búfalos, formigas, árvores ou ervas ….

As pessoas estão a sofrer em Dili, mas não vão visitá-las, nem sequer falam com elas. Estão demasiado ocupados a mobilizar as pessoas dos distritos para mostrar como todos os membros da FRETILIN lhes são obedientes e lhes beijam as mãos e os pés. São trazidos de borla para Dili em veículos para que possam gritar “Viva este” e “Viva aquele”, e são alimentados e depois enviados de volta aos seus campos, e continuam sem ter dinheiro para enviar os seus filhos para a escola, e nas suas casas continuam com fome.…

Rogério foi despedido de ministro mas Mari escolheu-o como Vice-Presidente da FRETILIN.

Este tipo de políticas sujas envergonha-nos. Rogério foi ao posto da polícia, pedir gasóleo para o carro oficial que ainda usa. A pessoa de serviço no departamento da logística da PNTL disse: “Vossa Excelência já não é mais o ministro do interior, por isso já nunca mais pode obter gasóleo da PNTL”. Rogério xingou-o “Macaco estúpido, não sabes que agora sou mais do que quando era ministro?”

Muita gente está com medo, disse Xanana, que se Alkatiri resignar, haverá guerra e derramamento de sangue, que o governo deixe de funcionar, que deixem de receber dinheiro.

Pessoas estão a pedir-lhe, como Presidente, para garantir a estabilidade, para restaurar as instituições democráticas. Se ele resignar, o líder do parlamento, o Presidente da FRETILIN, Lu Olo, substitui-lo-á, e o parlamento continuará a funcionar enquanto os seus membros levantarem as suas mãos, a pensar no bem-estar das suas famílias.

Tudo tem a ver com a FRETILIN, disse, não com a liderança ilegal da FRETILIN, mas com os membros comuns:
Peçam ao camarada Mari Alkatiri para assumir a responsabilidade desta crise e para a continuação de um Estado democrático, ou amanhã enviarei uma carta ao parlamento que estou a resignar de Presidente por causa das iniquidades perpetradas por este governo contra o seu povo. Não consigo mais enfrentar o povo.

B. A RESIGNAÇÃO DE ALKATIRI E A PRISÃO DE ALFREDO

Este discurso desencadeou um caudal de apelos para Xanana ficar, incluindo de Kofi Annan, e aumentou a pressão sobre Alkatiri para resignar. Essa pressão intensificou-se quando Rogério Lobato, durante uma sessão de investigação preliminar no Tribunal do distrito de Dili sobre a distribuição das armas, disse que Alkatiri tinha tido conhecimento do projecto. Quando vários ministros do gabinete, incluindo José Ramos Horta, ameaçaram resignar, em 26 de Junho Alkatiri finalmente anunciou que saía para o bem do país e para evitar a resignação do Presidente, ao mesmo tempo que mantinha que era com efeito a vítima de uma tentativa de golpe prolongada. Isto produziu celebrações nas ruas.

A resignação de Alkatiri e a sua substituição como primeiro-ministro duas semanas mais tarde por José Ramos Horta, pode ter sido necessária para resolver a crise mas foi não foi suficiente, e não mudou muito as coisas. O novo Gabinete era muito similar ao velho, a FRETILIN reteve o controlo do parlamento, e Alkatiri continua a fazer parte como um membro activo. Sem uma base de apoio própria, Ramos Horta parecia tornar-se mais e mais dependente do seu antecessor, até que o campo anti-FRETILIN mais raivoso começou a acusá-lo de ser uma marioneta de Alkatiri.

Dili mantém-se altamente polarizada e fisicamente segregada, com campos improvisados para os deslocados, a maioria deles lorosae, semeados à volta da cidade. Um dos mercados principais está dividido em dois, um para loromonu, um para lorosae. Mais grupos entregaram armas, mas centenas mantém-se em circulação, a maioria delas saída da polícia. No primeiro dia de Ramos Horta no cargo, Railos devolveu-lhe onze armas na cidade de Liquica; em 25 de Julho, na data limite estabelecida pelas forças internacionais para a devolução das armas, algumas 1,000 tinham sido reunidas.

Entretanto o Major Alfredo continuou a manter-se em Maubisse; em 24 de Julho Xanana ordenou-lhe que viesse para Dili. No dia seguinte, respondendo à notificação, encontrou-se lá com o Presidente e renovou o apelo ao diálogo. Em 26 de Julho, foi preso por forças internacionais numa casa na área Bairo Pite da capital.

Segundo relatos fora-lhe dado o uso duma casa para si próprio e para os seus homens directamente por Xanana, e subsequentemente ocupou duas outras. Quando Alfredo e os seus homens armados chegaram, alguém alertou elementos da polícia Portuguesa da força internacional, a GNR (Guarda Nacional Republicana). Quando chegaram, encontraram armas e munições que deviam ter sido devolvidas no dia anterior. As forças Australianas chegaram pouco depois à cena também, e depois de um finca-pé que durou um dia inteiro, Alfredo e vinte dos seus homens foram levados para a prisão (sete foram mais tarde libertados).

Muitos em Dili viram isto como uma violação do entendimento tácito de serem mantidos em suspensão todas as prisões e processos até a Comissão Especial Independente de Inquérito, nomeada em 29 de Junho, acabar de “estabelecer os factos e circunstâncias relevantes para os incidentes violentos que ocorreram no país em 28 e 29 de Abril, e em 23, 24 e 25 de Maio”. A comissão deve determinar as responsabilidades e recomendar medidas “para garantir a responsabilização de crimes e violações sérias de direitos humanos alegadamente cometidos neste período”. A acusação formal contra Alfredo, dois dias depois da sua detenção, incluiu tentativa de homicídio para os “emboscados” das tropas das F-FDTL em 23 de Maio, um incidente coberto pelo mandato da comissão.

Para muitos loromonu em Dili, a questão real era mais básica: Alkatiri e Lobato não estavam na prisão, assim porque é que Alfredo devia estar? A prisão também afectou a percepção pública das forças internacionais. Os Portugueses foram vistos por alguns loromonu como tendo revelado uma parcialidade pró-Alkatiri. Um apoiante de Alfredo disse aos media: “Pedimos à polícia Australiana e Malaia para ficar nos seus quartéis e deixarem a GNR patrulhar Dili, para que os possamos confrontar”. Protestos esporádicos contra a GNR tiveram lugar durante o resto da semana. Em 30 de Agosto quando Alfredo caminhou calmamente para fora da prisão com catorze dos seus seguidores e mais de 40 criminosos condenados, sem ninguém o tentar travar, o Primeiro-Ministro Ramos Horta acusou as forças internacionais por não darem segurança suficiente. O campo pró-Alkatiri viu a fuga como um outro exemplo da ajuda da Austrália aos seus opositores.

Durante Agosto e Setembro violência esporádica, a maioria menor, continuou em Dili. O Conselho de Segurança da ONU votou o estabelecimento de uma nova missão, a Missão Integrada da ONU em Timor-Leste (UNMIT), e uma força internacional de polícia com 1,600 elementos começou a substituir a força militar liderada pelos Australianos. O governo de Timor-Leste e vários conselheiros internacionais concordaram num programa para reconstruir a polícia local, que tinha colapsado em Dili mas ainda continua a funcionar mais ou menos normalmente no resto do país. Mas líderes políticos de topo mantém-se desavindos, e todos parecem estar à espera que a comissão internacional acabe o seu trabalho e pronuncie o julgamento – mesmo apesar de ter sublinhado que não era um corpo judicial.

Como para enfatizar os problemas que a comissão enfrentará para recomendar que os indivíduos seja responsabilizados, o Tribunal de Recurso de Dili em 11 de Agosto decidiu que não violou a lei dos partidos políticos, a votação por braço no ar no congresso de Maio – apesar do facto do texto estipular claramente o voto secreto. A competência e a independência do responsável desse tribunal o Timorense-Português Claudio Ximenes, que dirigiu um painel de três juízes que decidiram do caso, já tinha sido posta em questão depois duma série de decisões extraordinárias em 2004 e 2005, e os maridos de duas juízes Timorenses têm posições na FRETILIN, um deles no comité central. Ao mesmo tempo que as duas juízas são bem vistas, o sentimento é que deviam ter recusado (o caso) por elas próprias.

São profundos os problemas no sistema judicial de Timor-Leste, e garantir a justiça por crimes em 2006 pode demonstrar-se tão difícil quanto para a violência que destruiu o país em 1999.

67 Declaração, Frente Revolucionária Do Timor-Leste Independente Comité Central Da FRETILIN, 4 Junho 2006.

68 “Violência atiçada para derrubar gov, evitar eleições, acusa PM Alkatiri”, Lusa, 7 Junho 2006.
69 “Relatório do Secretário-Geral sobre Timor-Leste que levou à Resolução do Conselho de Segurança 1609 (2006)”, 8 Agosto 2006, S/2006/628, p. 4.

70 “Ordem de prisão emitida contra antigo ministro Lobato”, UNOTIL Revista dos Media Diários, 20 Junho 2006.

71 Relatório do Secretário-Geral sobre Timor-Leste, op. cit.

72 Ele mencionou todos os mártires da resistência: Nicolau Lobato, Sahe, Cavarino, Hamis Basarewan, Cesar Mau Laka, Helio Pina e Inacio Fonseca.

73 O discurso foi feito em Tétum. O Gabinete do Presidente publicou uma tradução oficial em Inglês, “Mensagem de H.E. Presidente Kay Rala Xanana Gusmão para a FRETILIN e o Povo de Timor-Leste”, Presidência da Republica, 22 Junho 2006. O Crisis Group usou uma tradução não oficial que dá um melhor sentido do original.

74 UN Revista dos Media Diários, 24 Junho 2006
75 “Alkatiri resigna como Primeiro-Ministro”, ABC 7:30 Reportagem, 26 Junho 2006. As suas alegações de um golpe foram detalhadas numa longa entrevista com John Martinkus, “Alkatiri fala”, http://www.newmatilda.com/, 28 Junho 2006.

76 “PNTL devolve armas”, UN Revista dos Media Diários, 24 Julho 2006.

77 Entrevistas do Crisis Group, Dili, 11 Setembro 2006
78 “Comissão de Inquérito para for Timor-Leste”, Departamento da Informação Pública, SG/A/1011, 29 Junho 2006.

79 “Alfredo’s detention orchestrated”, UN Daily Media Review, 28 July 2006.

80 “PM de Timor-Leste critica fuga de prisão”, BBC, 1 Setembro 2006, http://news.bbc.co.uk/1/hi/world/asia-pacific/ 5304852.stm
81 David Cohen, “Indiferença e Responsabilidade: A ONU e as políticas da justiça internacional em Timor-Leste”, East-West Centre Special Reports, no. 9, Junho 2006. Há múltiplas referências ás operações nos tribunais sob o juiz Ximenes, mas ver especialmente pp. 95-99.

.

Emanuel ainda não sabe que entrou para lista dos pobres de Timor-Leste

Eduardo Lobão, da Agência Lusa Díli, 15 Out (Lusa) - A chegada de Emanuel foi uma alegria para Carlit os e Diana, mas além de ser o primeiro filho do casal passou também a ser o 15º elemento de uma família que sobrevive mensalmente em Timor-Leste com cerca de 120 euros.

Prematuro com mais de dois quilos, Emanuel é desde quinta-feira mais um nas estatísticas que situam Timor-Leste como o país mais pobre da Ásia, em que o rendimento anual 'per capita' tem vindo a decrescer - passando de 410 dólares em 2001 para 370 dólares em 2004 -, o que leva o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) a considerar o país como estando cada vez mais empobrecido, de acordo com um relatório divulgado em Março passado, intitulado "O Caminho para sair da pobreza".

As dificuldades de Carlitos, 27 anos, e Diana, 25 anos, são à escala familiar o retrato do país, a braços desde Abril com uma crise político-militar e que precisa de voltar a ganhar a confiança dos investidores externos.

Com os pais desempregados, apesar de se terem formado em Economia e Gestão na Universidade Nacional de Timor LoroSae, o Emanuel é um dos rostos da pobreza crónica timorense, conceito que, segundo o PNUD, traduz o facto de metade da população de Timor-Leste, cerca de um milhão de pessoas, não ter acesso a água potável, 60 em cada mil recém-nascidos morrerem antes de completarem um ano e a esperança de vida, de 55,5 anos em 2004, continuar sem dar sinais de melhoria.

Nascido no distrito de Baucau, Leste do país, Carlitos veio em 2000 par a Díli para frequentar a Faculdade de Economia e Gestão. Aí conheceu Diana, nascida em Díli, e do namoro ao casamento foi um passo curto.

Em Fevereiro passado compraram uma casa por 600 dólares, amealhados e alimentados com a venda de búfalos - uma riqueza em Timor-Leste e imprescindível nos dotes pagos pela família do noivo à da noiva.

A crise de Abril teve, mais uma vez à escala familiar, efeitos devastadores: a casa foi queimada, ao mesmo tempo que Díli era pasto fácil para actos de violência, com propriedades privadas e bens públicos destruídos, dezenas de milhar de deslocados internos e cerca de 100 mortos registados, segundo o ministro dos Negócios Estrangeiros timorense, José Luís Guterres, no discurso que leu a 2 7 de Setembro perante a Assembleia Geral da ONU.

Forçados a viver em casa dos pais de Diana, em Díli, Carlitos e Diana, e agora o Emanuel, juntam-se aos 12 elementos que constituem o agregado familiar, em que o único dinheiro que entra em casa é o salário do patriarca da família, José Alves, que embora vença 300 dólares mensalmente, tem de reservar cerca de 60 por cento daquele valor para pagar um crédito bancário.

As ajudas que pontualmente recebem, que passam pelo pagamento da inscrição dos filhos na escola até à assistência alimentar das Irmãs Carmelitas, ajudam a minorar as dificuldades, mas não contribuem para criar riqueza e o endividamento mantém-se.

Terminado com aproveitamento o curso de Economia e Gestão, Carlitos e Diana juntaram-se aos cerca de 16 mil jovens adultos timorense que anualmente disputam o mercado de trabalho.

Diana já passou por duas empresas. A última fechou a portas em Março e desde então deixou de receber os 85 dólares mensais que vencia.

Carlitos teve pior sorte. Não arranjou emprego e inscreveu-se no Centro Nacional de Emprego e Formação Profissional (CNEFP), em Tibar, a cerca de dez quilómetros de Díli.

O CNEFP é um projecto apoiado desde o início, em 2003, por Portugal e que depende do Ministério do Trabalho e Reinserção Comunitária.

Escolhido o curso de canalizador, Carlitos foi o melhor, mas o diploma obtido e a arte aprendida não o ajudaram a encontrar trabalho regular, pelo que continua a depender de biscates, cada vez mais irregulares.

O retrato desta família reproduz Timor-Leste à escala.

Sociedade complexa, em que as relações sociais se estabelecem com base em solidariedades de base regional e de proximidade, Carlitos já passou pela intolerância dos moradores de outros bairros onde é chamado para fazer uso do que aprendeu em Tibar, por não lhe ser permitido exercer o ofício fora do espaço em que vive, neste caso em Audian.

Estas situações são recorrentes e aplicam-se a todo o tipo de actividades.

País fortemente dependente das importações, que totalizam 203 milhões d e dólares (162 milhões de euros), e com a exportações a representarem apenas sete milhões de dólares (5,6 milhões de euros) - sobretudo café -, Timor-Leste espera que as receitas geradas pelo petróleo e gás natural do Mar de Timor possam contribuir decisivamente para cumprir as metas fixadas pelas Nações Unidas nos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio: a redução da pobreza em um terço até 2015 .

No seu relatório, o PNUD salientou que cerca de quatro anos depois de ver reconhecida a independência pela comunidade internacional, Timor-Leste conta com a progressiva redução da ajuda externa, o que leva aquela agência das Nações Unidas a observar que, se os timorenses vivem hoje, reconhecidamente, num país "politicamente livre, continuam escravizados pela pobreza".

Emanuel ainda não sabe que acabou de entrar para a estatística dos que são considerados pobres em Timor-Leste.

Quando o começar a entender, esse será também o tempo de começar a fintar o destino e desmentir o futuro que hoje lhe está reservado.

Lusa/Fim

.

"NÃO SEI SE TIMOR É UM ESTADO VIÁVEL"

Público - Domingo, 15 de Outubro de 2006

por António Marujo

O bispo de Baucau confessa a sua perplexidade perante o actual momento que se vive no país.

Tem mais dúvidas agora, acerca da situação do país, do que antes da demissão de Mari Alkatiri.

E admite que há sectores da Igreja que ainda convivem mal com a democracia. Mas, se não há mais violência, isso deve-se à Igreja.

D. Basílio do Nascimento, bispo de Baucau, esteve em Fátima na reunião dos bispos lusófonos, que ontem terminou. Deu esta entrevista ao PÚBLICO nas vésperas de a ONU apresentar um relatório, previsto para segunda-feira, sobre a situação no país.

PÚBLICO - Afinal, Timor é um estado viável?

D. BASÍLIO DO NASCIMENTO - Não sei responder. Estes percursos são próprios de quem começa. Como a esperança é a última coisa a morrer, [espero] que Timor possa ser um país viável.

PÚBLICO - Onde vê a solução para os problemas actuais?

D. BASÍLIO DO NASCIMENTO - Um dos problemas básicos que devem ser solucionados é o da segurança. Timor estava em crise e por isso se apelou à comunidade internacional, que veio e trouxe também algumas dores de cabeça. Espero que a situação evolua no sentido da estabilidade, tentando encontrar meios de assegurar a paz, garantindo a segurança dos refugiados para que eles possam regressar a suas casas e ter um clima tranquilo para organizar as eleições. O país tem que se habituar a viver em democracia.

No início da crise, houve sectores da Igreja que pediam a demissão do primeiro-ministro Mari Alkatiri. Afinal a crise continua...

Até Junho, tive a veleidade de julgar entender alguma coisa. Antes da demissão do primeiro-ministro, havia uma orientação que não agradava ao país. É natural que as pessoas se manifestassem. Vendo a arrogância - deixe passar a palavra - que o ex-primeiro-ministro tinha, eu ainda entendia as manifestações. O único ponto positivo alcançado foi a [sua] demissão. Outros resultados, não os vejo.

PÚBLICO - Quer dizer que não era ele o responsável pela crise?

D. BASÍLIO DO NASCIMENTO - Não deve ser o único. O que resultou da crise militar? Até hoje não há resposta. Depois, vieram as acusações ao primeiro-ministro e ao ministro do Interior - não há nada apurado. Pensou-se, com a alteração do Governo, que as coisas iriam mudar - a inércia parece continuar. O mal não estava somente no antigo primeiro-ministro...

PÚBLICO - Estava também no Presidente [Xanana] e na rivalidade entre os dois?

D. BASÍLIO DO NASCIMENTO - Se calhar, um dos factores da instabilidade é o não entendimento entre a Fretilin e o Presidente.

PÚBLICO - Mas a Fretilin ganhou eleições...

D. BASÍLIO DO NASCIMENTO - Só que o exercício democrático ainda não faz parte do nosso quotidiano, deixamo-nos guiar mais por sentimentos, desejos e aspirações do que pelo respeito das regras democráticas. A Igreja tem tentado contribuir para a educação da população. Nem sempre o tem conseguido, mas o facto de não haver mais violência deve-se também a [isso], apesar de alguns sectores da Igreja que ainda não compreendem o exercício democrático.

PÚBLICO - A Igreja, depois do papel importante que teve, não aparece com uma função tão estabilizadora quanto poderia.

D. BASÍLIO DO NASCIMENTO - A Igreja foi chamada a exercer um papel que não era o dela, dada a falta de estruturas. Hoje, temos órgãos de soberania, temos instituições democráticas, [Timor] já não é um país ocupado mas independente, as coisas têm que funcionar - bem ou mal. Muitas vezes digo a [alguns] parlamentares: vocês também são católicos, também é vossa responsabilidade pensar e contribuir para a pacificação do país.

O que está no espírito das pessoas é que, no passado, a Igreja falava e resolvia as coisas. Hoje, há esta nostalgia de olhar para a Igreja como no passado. Esta tentação vem também de membros do Governo. Nós dizemos: há campos que são da nossa competência, mas não podemos resolver problemas políticos, criminais ou judiciais com soluções morais.

PÚBLICO - Mas essa tentação não esteve presente nesses sectores da Igreja que levantaram a questão das aulas de religião na escola, do preservativo?

D. BASÍLIO DO NASCIMENTO - Essas duas questões tinham a ver com a sociedade timorense idealizada pela Igreja, do princípio da vida e da utilização do corpo na perspectiva cristã. [Nas] aulas de moral, o que estava em causa era [entre outras coisas] que uma nota do Ministério dizia que cabia ao director da escola decidir se há ou não aula de religião. Mas [esta] era a ponta de um icebergue que emergiu, [por causa] de uma orientação que o Governo queria dar à sociedade e não tinha nada a ver com a maneira de ser e de pensar do povo timorense.

PÚBLICO - O relatório do International Crisis Group (ver PÚBLICO de dia 11), aponta oito nomes, entre os quais os do Presidente Xanana e do ex-primeiro-ministro, como responsáveis pela crise. Eles deveriam sair e dar lugar a uma nova geração de políticos?

D. BASÍLIO DO NASCIMENTO - Desde o momento em que um líder faz jogos que não são transparentes ou contribuem para alterar a vida do seu país, [perde] a imagem, a consideração, a seriedade e deixa de ter autoridade moral.

PÚBLICO - Está a referir-se ao ex-primeiro-ministro Mari Alkatiri?

D. BASÍLIO DO NASCIMENTO - A todos, no caso de se provarem os actos de que são acusados. Até [lá], são inocentes. Se se provar que são culpados, [deixam de] ter autoridade moral para serem reconhecidos pelo povo.

PÚBLICO - Não é prematuro pensar Timor, neste momento, sem o Presidente Xanana, [mesmo concluindo] que ele também deveria assumir responsabilidades?

D. BASÍLIO DO NASCIMENTO - Se se provar que ele é culpado, o próprio Presidente Xanana vai sentir-se mal - embora tenha a aura toda que tinha ou tem.

PÚBLICO - Quem manda neste momento no país?

D. BASÍLIO DO NASCIMENTO - Boa pergunta. Eu também a faço para mim, mas não tenho respostas.

PÚBLICO - Bandos armados continuam à solta...

D. BASÍLIO DO NASCIMENTO - Houve membros do Governo que me disseram que sabiam quem eram os chefes dos gangs, o que faziam, onde estavam. Perguntei-lhes porque não os prendiam, disseram que não tinham força para isso. O que dirá a população civil?

PÚBLICO - Mari Alkatiri acusou elementos estrangeiros, alguns padres, aliados a mais algumas pessoas, de terem combinado um golpe de estado. Isso tem fundamento?

D. BASÍLIO DO NASCIMENTO - Vindo da boca de quem tem responsabilidades, no mínimo era necessário apresentar provas. Afirmações deste género não podem ser feitas de ânimo leve. O [antigo] ministro do Interior, Rogério Lobato, disse isso e eu publicamente [pedi] que ele apresentasse os nomes. Até aqui, ele não o fez.

Incendiar uma casa "dá" 50 dólares, matar "dá" 150

PÚBLICO - São necessárias mais forças internacionais?

D. BASÍLIO DO NASCIMENTO - Não sei se serão necessárias mais forças estrangeiras ou se elas se bloqueiam mutuamente.

PÚBLICO - O ex-primeiro-ministro [Mari Alkatiri] dizia ao PÚBLICO (ver edição de dia 12) que há elementos internos e externos interessados nesta desestabilização.

D. BASÍLIO DO NASCIMENTO - Ele terá [elementos] para comprovar o que diz. Eu conheço o que me dizem membros do clero e o bispo de Díli. Em frente ao Hotel Timor, em Díli, há um campo de refugiados, que tem sofrido muitos ataques. Há tempos, foram apanhados dois ou três [atacantes], que foram interrogados. Um disse assim: trabalhando todo o dia, ganhamos dois dólares; se apedrejarmos uma casa, ganhamos 20; se incendiarmos uma casa, ganhamos 50; se ferirmos alguém ganhamos 100 e se matarmos alguém ganhamos 120 a 150. Quem dá dinheiro?

PÚBLICO - Há quem diga que a Austrália está interessada em desestabilizar Timor, pelo petróleo. Isto pode ser verdade ou é uma leitura simplista?

D. BASÍLIO DO NASCIMENTO - Todas as hipóteses são admissíveis e todas as hipóteses podem ser negadas. Não quero fazer processos de intenção nem acusar infundadamente as pessoas, "mas que há bruxas, há".

.

Violência em Díli provocou mais um morto

Díli, 15 Out (Lusa) - Um homem foi hoje mortalmente esfaqueado em Díli por desconhecidos junto ao campo de deslocados em que vivia, em mais um episódio de violência em Díli, disse à Lusa fonte militar.

O ataque ocorreu cerca das 10:00 horas (02:00 horas em Lisboa) quando a vítima, natural do distrito de Viqueque (leste do país) e com cerca de 50 anos, se preparava para entrar no campo, localizado defronte da Missão Integrada da ONU em Timor-Leste (UNMIT).

Residentes no campo de deslocados, que solicitaram o anonimato, disseram à Lusa que a vítima tinha deixado horas antes o local para participar na missa dominical.

Fonte militar australiana confirmou o ataque e disse que o cadáver tinha sido enviado para o Hospital Nacional, mas escusou-se a dar mais informações sobre o caso, designadamente se foram feitas detenções, por estar a decorrer uma investigação.

Os actos de violência na capital timorense diminuíram de intensidade nas últimas semanas, mas persistem ainda casos pontuais de ataques, como o ocorrido no passado dia 09, quando um jovem de 17 anos morreu em consequência de múltiplas facadas.

Este homicídio ocorrido dia 09, teve como consequência a vingança dos familiares da vítima, que no dia seguinte ripostaram com o esfaqueamento de um irmão do alegado agressor.

Fonte militar disse à Lusa que um grupo de cinco pessoas entrou no dia 10 nas instalações do Secretariado Técnico de Administração Eleitoral, um departamento do Ministério da Administração Estatal encarregue da organização de eleições localizado ao lado da casa em que decorria o velório do jovem morto no dia anterior, de onde retiraram à força o irmão do alegado agressor, arrastando-o para a rua e esfaqueando-o em seguida.

Desde Julho já se verificaram pelo menos 12 mortos em actos de violência na capital timorense, tendo desde aquele período sido registados mais de 250 casos, entre mortos e feridos, resultantes de ajustes de contas ou confrontos netre grupos rivais.

A crise político-militar em Timor-Leste, desencadeada em Abril passado, já provocou pelo menos 100 mortos, segundo a intervenção que o ministro dos Negócios Estrangeiros timorense, José Luís Guterres, fez no passado dia 27 de Setembro, perante a Assembleia Geral da ONU, em Nova Iorque.

Os efeitos da divulgação de um relatório produzido por uma Comissão Especial de Inquérito Independente da ONU, prevista para o início da próxima semana, está a ser seguida com muita atenção pela UNMIT e pelo Hospital Nacional, que elaboraram planos de contingência para enfrentar uma eventual escalada da violência.

A Comissão de Inquérito foi criada pela ONU a 12 de Junho, na sequência de um pedido nesse sentido enviado quatro dias antes pelo então ministro dos Negócios Estrangeiros, hoje primeiro-ministro de Timor-Leste, José Ramos Horta.

Presidida pelo brasileiro Paulo Sérgio Pinheiro, a Comissão integra ainda a sul-africana Zelda Holtzman e o britânico Ralph Zacklin.

O relatório vai identificar os responsáveis pela violência registada em Abril e Maio, no âmbito do mandato para estabelecer os factos e circunstâncias relevantes da crise político-militar timorense.

O documento chegou a ter data marcada para divulgação, no passado dia 07, mas a necessidade de garantir traduções para tétum, português e bahasa indonésio estão a atrasar essa intenção.

EL-Lusa/Fim

.

PSP: Contingente de 17 elementos parte hoje para Timor-Leste

Lisboa, 15 Out (Lusa) - Um contingente de 17 elementos da Polícia de Se gurança Pública (PSP) parte hoje para Timor-Leste, no âmbito da participação de Portugal na força de segurança da ONU no território, disse uma fonte da Direcção Nacional.

Os 17 polícias, que partem do aeroporto da Portela, em Lisboa, são os p rimeiros de um total de 58 elementos da PSP que vão iniciar uma missão em Timor- Leste nos próximos dias.

A viagem de um segundo grupo, composto por 20 elementos, está marcada p ara quarta-feira, às 08:10 como hoje e também do Aeroporto da Portela.

Ainda de acordo com a Direcção Nacional da PSP, a partida dos restantes 23 polícias ainda não tem data marcada.

A ida dos elementos da PSP ocorre no dia em que a violência em Timor-Le ste voltou a causar mais uma vítima mortal, um homem que foi esfaqueado por desc onhecidos em Díli.

Desde Julho já se verificaram pelo menos 12 mortos em actos de violênci a na capital timorense, tendo desde aquele período sido registados mais de 250 c asos, entre mortos e feridos, resultantes de ajustes de contas ou confrontos ent re grupos rivais.

O contingente da PSP destacado para o país é formado por elementos de v árias especializações e mais de metade já tem experiência policial em Timor-Lest e.

De acordo com a fonte, os polícias irão dar formação e apoio em diversa s áreas, nomeadamente comando e planeamento, informações policiais, apoio à víti ma, ordem pública, investigação criminal e protecção e segurança pessoal.

A força de segurança da ONU estacionada em Timor-Leste é composta por e lementos de vários países, entre os quais Portugal, Austrália e Malásia, sendo c omandada pelo sub-intendente Antero Lopes, da PSP.

CC/AMN-Lusa/Fim

.

De um leitor

Mas afinal qual é a surpresa?

Espanta-me que alguém procure razoabilidade e isenção nestes "relatorios-cozinhados ao gosto do chief kangurik", palavra.

Estão-se a criar grandes perspectivas com o relatório da UN e que nele se perceba isenção, rigor e objectividade... Mas pelo caminho que as coisas estão a tomar, pelo tempo que está a levar a chegar ao conhecimento da opinião pública mundial, pelas constantes investidas da Austrália, pelas "lavagens" que José Ramos Horta teve o cuidado de inserir em tudo que disse na Austrália... já sabemos o resultado: as responsabilizações e verdades mais importantes não vão chegar ao domínio da opinião pública mundial.

Só se isso fosse do interesse dos USA ou da Austrália.
Não é o caso.

Aquilo de que vamos tomar conhecimento sobre o relatório da UN será uma infima parte da verdade e Anan nada pode contra os USA apoiados pela Austrália e a Grã-Bretanha de mr. Blair e vice-versa.

"Os bandidos unidos jamais serão vencidos".

Desculpem estar a ser profeta da desgraça mas não vou acreditar naquele relatório.
Terá algumas verdades porque ás mentiras têm de se lhe aplicar um pouco de verdades para credibiliza-las.

Tudo isto não passa de uma grande vergonha!

Mário Motta.
.

De um leitor

“… não é função do General tomar decisões políticas"

Esta frase diz tudo: Este problema não é político, como alguns disseram aqui, mas exclusivamente disciplinar.

O general TMR desfaz também o mito repetido mil vezes na imprensa, de que tudo não passou de um "despedimento" dos peticionários por Alkatiri, "facto" que teria dado origem a todos os incidentes posteriores.

TMR confirma que os peticionários recusaram todas as tentativas de resolução pacífica do conflito dentro da instituição militar e não respeitaram o seu comandante. Foram recebidos por Xanana Gusmão, que concordou em tratar pessoalmente do caso e criticou publicamente a decisão de TMR expulsar os desertores, desautorizando assim triplamente o Comandante das FFDTL.

Quero deixar aqui a minha homenagem a este grande Timorense, um dos que ainda se mantêm fiéis a valores como a honra, a honestidade, o sentido do dever e o patriotismo, rejeitando ceder a interesses pessoais, partidários ou, pior ainda, estrangeiros. Com ele, Timor sabe que pode continuar a ser Timor. Ele é um grande obstáculo para aqueles que se venderam a terceiros e não se importam de vender também o seu país, tanto que dois estrangeiros de língua inglesa foram enviados para o aliciar.

Estou confiante, porque sei que TMR não é o único. Como ele ainda há milhares e milhares de verdadeiros Timorenses em Timor.

Timorenses... com "T" grande.

H. Correia.

.

RESOLVING TIMOR-LESTE’S CRISIS - CAP IV - Tradução da Margarida

Asia Report N°120
10 October 2006

IV. A VIOLÊNCIA IRROMPE

Em meados de Abril 2006, os peticionários pareciam ter a simpatia não somente do Presidente mas também muito da rua de Dili. Taur Matan Ruak e a liderança de topo das F-FDTL, cegos pelo discurso de 23 Março, estavam zangados com Xanana mas não ao ponto de serem empurrados para os braços de Alkatiri. Diziam os rumores que o Cor. Lere era próximo de Alkatiri mas largamente por causa dele próprio der um membro da FRETILIN de há muito.

Qualquer aliança da FRETILIN com oficiais de topo das F-FDTL parecia improvável em qualquer caso, em parte por causa da hostilidade das Forças de Defesa a Rogério Lobato. O Presidente Gusmão e José Ramos Horta estavam trancados num combate político mortal com Alkatiri, e numa altura, os apoiantes de Gusmão, se não o próprio Gusmão, pareceram ter decidido usar os peticionários nessa luta.

No fim de Abril, os peticionários despedidos procuraram e receberam autorização da polícia para fazerem uma manifestação em frente do principal edifício do governo em Dili. Salsinha prometeu que seria pacífica e Rogério Lobato avisou que se não fosse, a polícia dispararia. O comandante da Polícia Paulo Martins garantiu repetidamente ao público que a polícia tinha tudo sob controlo.

No dia em que o protesto estava para começar, Taur Matan Ruak e o Ministro da Defesa Roque Rodrigues deixaram o país para irem a uma exibição de equipamento militar na Malásia.

A. O PROTESTO DOS PETICIONÁRIOS

A manifestação começou em 24 de Abril em frente do complexo principal do governo, o Palácio do Governo, e rapidamente tornou-se num protesto contra o governo de Alkatiri, com centenas de jovens locais a juntarem-se, muitos dos quais conhecidos rufias e membros de gangs. Alguns dos que tomaram parte eram partidários do CNRT do oeste pró-Xanana Gusmão, anti-FRETILIN, aumentando suspeitas de que isto era menos e menos sobre discriminação nas forças armadas e mais sobre o controlo político do país. Os rumores começaram a circular entre os manifestantes de que estavam a distribuir armas para quebrarem o protesto, e Salsinha anunciou que visto que a polícia tinha prometido segurança, qualquer interrupção seria prova de que os rumores seriam verdadeiros. Rogério Lobato disse aos media que tinha provas de que diplomatas estrangeiros estavam por detrás dos manifestantes.

Houve violência isolada à volta de Dili em 26 de Abril, com bancadas do mercado destruídas numa área e algumas casas vandalizadas noutra. Algumas testemunhas disseram que os perpetradores vestiam uniformes militares. No dia a seguir quando apareceu mais violência, Xanana, Ramos Horta, e Alkatiri encontraram-se e anunciaram que uma comissão de notáveis seria montada para analisar os problemas no seio das forças armadas. Taur Matan Ruak estava ainda fora do país e não tomou parte. Mas por essa altura, os problemas internos no seio das forças armadas já não eram a questão real: era a sobrevivência do governo.

O último dia da manifestação, 28 de Abril, foi crítico para tudo o que aconteceu subsequentemente. A violência, começada por alguns jovens, irrompeu em frente do palácio, matando dois. Uma das unidades especiais de polícia de Rogério, a UIR, especializada no controlo de motins, devia estar no local – tinha sido criada para precisamente este tipo de situação – mas somente um pequeno grupo foi destacado A polícia parecia fundir-se; os peticionários segundo relatos tentaram sem sucesso controlar os jovens, depois marcharam de regresso à sua base em Tacitolu. Quando se movimentavam através da área de Comoro, rebentaram lutas.

Com Taur Matan Ruak fora, Alkatiri chamou o Cor. Lere, e pediu a ajuda às forças armadas para restaurar a ordem. Esta foi uma das decisões mais controversas da crise. Dependente de com quem se fala, foi ou um esforço desesperado para pôr a cidade sob controlo ou um sinal de que Alkatiri tinha usurpado o controlo, tendo deliberadamente esperado até Taur Matan Ruak estar não acessível para dar este passo. Em qualquer dos casos, isso foi feito sem consultar o Presidente ou declarar uma emergência, por isso foi provavelmente inconstitucional. Os resultados foram desastrosos.

As tropas das F-FDTL sem experiência de controlo de multidões foram destacadas para acalmar o desassossego que fossem quais fossem os outros factores tinham uma forte componente de leste contra oeste, muito disso (foram) ataques por jovens loromonu contra bairros lorosae. Por causa de estarem sob (as ordens) do Cor. Lere um alvo das alegações de discriminação dos peticionários, assumiu-se que os soldados eram pró-lorosae e por isso parte do conflito. Fossem ou não fossem, o seu aparentemente uso indiscriminado sa força exacerbou a divisão leste-oeste, encorajou os atacantes loromonu, e alimentou teorias de conspiração. Em breve apareceram rumores – quase de certeza infundados – de um massacre das F-FDTL em Dili no bairro de Comoro, e milhares de lorosae procuraram abrigo em igrejas e complexos de embaixadas.

O número oficial de mortes foram cinco, com mais de 100 casas destruídas, mas outros, incluindo vários políticos da oposição alegaram que mais de 60 tinham sido mortos. O Provedor do governo, enviado com autorização de Xanana Gusmao, Alkatiri, Rogério Lobato, e Taur Matan Ruak, disse que a sua equipa não pode verificar os relatos porque as F-FDTL evitaram que ele chegasse ao sítio do tiroteio.

Na manhã seguinte, 29 de Abril, uma multidão atacou a casa do comandante do Batalhão I comandante Falur. Xanana Gusmão tentou visitar um grupo de deslocados, mas numa extraordinária rejeição da autoridade que ele tinha exercido desde a independência, foi importunado e forçado a retirar “Primeiro o TNI [Indonésios] mataram-nos, agora as F-FDTL e a polícia querem matar-nos outra vez. Quando é que vão acabar de disparar?” perguntaram-lhe.
B. O MAJOR ALFREDO JUNTA-SE AOS PETICIONÁRIOS

A 3 de Maio, em protesto sobre o que chamou de disparos deliberados contra civis pelas forças armadas, apareceu uma nova figura em cena: o Major Alfredo Alves Reinado, chefe da polícia militar. Juntamente com dezassete dos seus homens e quatro membros da UIR, desertou, o segundo major a desertar no conflito. Alguns dias depois mais oficiais das F-FDTL do oeste, Major Tilman e Major Tara, fizeram o mesmo. Alfredo foi para Gleno, Ermera ver alguns dos peticionários, depois estabeleceu-se em Aileu. Saíu das F-FDTL, disse, “porque, no dia, no dia 28, foram os do leste que dispararam contra os do oeste. Sou testemunha disso. Não quero ser parte das forças armadas que disparam contra os do oeste”. De facto, ele não testemunhou nada.

Alfredo é uma das figuras mais complexas na história. Em 1977, com 11 anos, foi forçado a trabalhar para o exército Indonésio como carregador apesar dos protestos da mar e viu outro carregador a ser executado por se recusar a carregar mais peso. Foi testemunha doutros incidentes horríveis, incluindo o rapto de crianças pelos Indonésios depois dos pais serem executados. Quando tinha treze anos, um sargento do exército meteu-o á força num barco para a Indonésia, onde passou cinco anos. Regressou em 1985 e dois anos mais tarde juntou-se á resistência. Em 1995, escapou-se para Darwin num barco com outros dezassete e trabalhou na Austrália até 1999, quando regressou a Timor. Dois anos mais tarde, juntou-se à Força de Defesa e foi feito comandante da marinha de dois barcos, um dos poucos loromonu graduados.

Em In Julho de 2004, Alfredo foi removido de comandante por ter entrado numa briga com a polícia, e no ano seguinte foi enviado para um curso de treino naval de três meses na Academia Australiana Joint Command and Staff. Dizem que se envolveu com uma jovem soldado Timorense lá e que sujeito a acção disciplinar e que no regresso foi removido da marinha e foi-lhe dado o comando da polícia militar, uma despromoção. O já existente mau ambiente entre Alfredo e os seus oficiais de comando piorou, de modo que pode bem ter havido factores pessoais que o levaram a desertar no início de Maio de 2006, a somar ao ultraje sobre as acções das F-FDTL. O afectado e carismático Alfredo acrescentou um outro ingrediente potencialmente explosivo à mistura – particularmente porque os seus homens estavam armados, ao contrário dos de Salsinha, que tinham deixado as suas armas quando desertaram.

Em 6 de Maio, prestou juramento a comissão de notáveis de Alkatiri para examinar as alegações dos peticionários e os problemas no seio das F-FDTL. Ana Pessoa, um membro da diáspora de Maputo e Ministra da Administração do Estado, encabeçava-a, (e tinha) membros do governo, parlamento, igreja e da sociedade civil. Mais do que qualquer das comissões anteriores, esta tinha peso e a capacidade de pedir e obter documentos de alguns dos jogadores chave. Mas Salsinha rejeitou qualquer investigação liderada por Pessoa, uma fiel de Alkatiri, e disse que se tinham de envolver internacionais para o trabalho ser credível.

Gleno, a capital do distrito de Ermera, que se tinha tornado a base dos peticionários depois de 28-29 Abril, foi o sítio da próxima maior explosão de violência. Vários soldados dissidentes, incluindo Salsinha, eram originalmente de Ermera, e muitos loromonu residentes de Dili tinham fugido para lá depois da violência. Em 8 de Maio, cerca de 1,000 pessoas organizadas como parte do chamado Movimento dos Dez Distritos, lideradas pelo Major Tara, juntaram-se em Gleno.

Trouxeram com elas uma petição que afirmava que a questão leste-oeste estava a ser agitada para propósitos políticos, criticou o governo por falhar em deter os responsáveis pelas mortes de 28 de Abril e urgiu o Presidente a usar os seus poderes constitucionais para desarmar os que carregavam armas. Pedia justiça e assistência humanitária para os deslocados (de forma preponderante loromonu) e acabava com um apelo a um boicote ao governo local. Egidio de Jesus Amaral, o Secretário de Estado coordenador da região que inclui Ermera, foi para lá de Dili para tentar prevenir o boicote.

A multidão tornou-se violenta depois da chegada do Secretário, juntamente com doze guardas da UIR da polícia (seis do leste e seis do oeste). Os visitantes foram forçados a abrigarem-se num escritório do governo. O comandante da polícia de Ermera eventualmente procurou reforços de Dili mas pela altura em que chegaram, a multidão estava a pedir a morte dos homens da UIR, acusando-os da responsabilidade dos tiroteios de 28 de Abril. Ismail Babo, Vice-Comandante-Geral (operações) na sede da polícia, que estava a comandar os reforços, arranjou, a pedido da multidão, o desarmamento dos homens da UIR, depois liderou-os para a porta do edifício. (disse mais tarde que se não lhes tivesse tirado as armas, a multidão podia ter invadido o edifício e matava-os todos lá. ) Os polícias emergiram do edifício para um carro que os esperava para o regresso a Dili, mas a multidão começou a apedrejar o veículo. Dois oficiais furam puxados do carro e esfaqueados. Um morreu mais tarde.

Em poucos dias mais de 90 pessoas foram detidas em Gleno, mas o incidente elevou ainda mais a temperatura: a polícia queria saber porque é que os seus colegas tinham sido desarmados; os do oeste disseram que o incidente nunca teria acontecido se o governo tivesse respondido rapidamente á sua petição original; e os do leste queriam saber como é que seriam protegidos.

Isso também destruiu o comando da polícia. Ismail Babo não regressou a Dili até Junho, e Paulo Martins, to comandante geral, nunca mais reganhou o controlo total dos polícias. O incidente de Gleno também demonstrou que Xanana Gusmão tinha o apoio dos peticionários e da muito mais alargada aliança por detrás deles; a questão era quanto é que ele estava activamente a encorajar o crescimento de um movimento popular contra a FRETILIN.

Em Dili, o finca-pé continuava com os amotinados. Ramos Horta e Xanana tiveram conversações com o Major Alfredo em meados de Maio, para grande contrariedade de Taur Matan Ruak, que disse que já era suficientemente mau Alfredo ter desertado, pior que continuasse armado.

A 17 de Maio, abriu o segundo congresso nacional da FRETILIN aberto numa atmosfera de crise. Do ponto de vista da liderança, a questão dos peticionários tinha evoluído para um assalto político em toda a escala contra a FRETILIN, o grupo de Maputo e Alkatiri pessoalmente; Foi determinado que o desafio devia falhar. Alkatiri podia não ter permitido um desafio interno para a sua re-eleição sob nenhuma circunstância mas certamente nunca agora. Por isso, quando um pequeno grupo de “reformistas” liderados por José Luís Guterres, Embaixador nos USA e na ONU, fez uma oferta para a liderança, Alkatiri mudou as regras. Em vez de um voto secreto como requer a lei dos partidos políticos, pediu o braço no ar – e foi re-eleito de forma irresistível. Os reformistas disseram que muitos dos que votaram por Alkatiri tiveram medo de retribuição; com voto secreto o apoio para os desafiadores teria sido muito mais forte. Alkatiri selou a sua vitória com um discurso dizendo que a FRETILIN era a instituição mais importante do país; se fosse dividida, Timor-Leste explodiria.

O Major Alfredo, entretanto, continuava a dar entrevistas na rádio e televisão nacional da sua base em Aileu, pedindo justiça para os mortos em Abril e reforçando a sua posição de porta-voz dos loromonu. Quanto mais ele proclamava a sua lealdade a Xanana, quanto mais se alargava a brecha entre Xanana e Taur Matan Ruak, que estava zangado com o tratamento de luva dado a alguém que tinha violado todas as regras militares. Em 22 de Maio, Alfredo e alguns 25 homens avançaram para as montanhas mesmo no exterior de Dili. O tiroteio que teve lugar no dia a seguir entre unidades das F-FDTL e os homens de Alfredo podia não ter sido inevitável mas o avanço não ajudou.

C. A ESCALADA DO CONFLITO, CHEGAM FORÇAS INTERNACIONAIS

A versão oficial do governo é que em 23 de Maio o grupo de Alfredo emboscou soldados das F-FDTL em Fatuahi, nos subúrbios de Dili, matando um e ferindo sete. Dois fiéis de Alfredo foram mortos, incluindo um homem chamado, um peticionário envolvido no ataque ao Palácio do Governo em 28 de Abril. Alkatiri mantém que Alfredo planeou a emboscada como parte duma campanha política, dirigida por outros para o remover. Mais violência serviria esse objectivo.

Um conselheiro internacional militar em Dili que analisou o local onde se deu o confronto disse que acredita que provavelmente a emboscada não foi planeada mas antes um caso em que ambos os grupos foram surpreendidos por o outro estar lá. O filme gravado por uma equipa de televisão Australiana na cena nessa altura mostra que os homens de Alfredo dispararam primeiro, mas isso não é necessariamente inconsistente com um encontro acidental.

Uma união de ONG’s tem uma explicação muito mais complicada. De acordo com os seus analistas, dois gangs tinham estado a operar na área desde 2000, liderados respectivamente por Alito “Rambo” e Jacinto “Kulao”. Depois de Abril 2006, a sua rivalidade foi transformado ao longo de linhas políticas, Rambo tomou o lado dos lorosae e Kulao o dos loromonu. Em 22 de Maio, um dia antes da alegada emboscada, irrompeu o conflito entre os dois gangs, matando quatro. Os locais disseram á ONG que o pessoal das F-FDTL apoiavam Rambo, por isso o chefe da aldeia pediu a Alfredo para proteger o grupo de Kulao. Também disseram que a polícia da unidade de reserva tinha montado uma base perto do território de Kulao.

Seja qual for a causa, e este é um dos incidentes que a comissão internacional de inquérito está a investigar, o resultado foram as operações das F-FDTL contra o grupo de Alfredo, a maioria dos quais conseguirm regressar em segurança a Aileu.

O tiroteio começou uma nova volta de violência. Nessa noite, entre relatos em larga escala de deserções da polícia para os peticionários, polícias armados e civis começaram a juntar-se em Tibar, imediatamente a oeste de Dili. Cedo em 24 de Maio, este grupo, juntamente com soldados amotinados, atacaram das montanhas acima o quartel-general das forças armadas em Tacitolu, matando um oficial das F-FDTL, o Capitão Domingos de Oliveira (Kaikeri), o comandante de logística no centro de treino das forças armadas em Metinaro.

Uma pergunta crítica é como é que os atacantes obtiveram armas e munições suficientes para sustentar o assalto durante mais de quatro horas de fogo pesado. Um dos envolvidos, o soldado despedido Railos, disse no programa “Four Corners” da televisão Australiana que Rogério Lobato, com conhecimento de Alkatiri, tinha montado uma equipa de segurança secreta, armada com dezoito pistolas HK-33, para alvejar os opositores políticos da FRETILIN. Railos, cuja credibilidade é uma questão em aberto, disse que se tinha encontrado com Alkatiri em 8 de Maio e que fora instruído para “terminar com todos os peticionários”. Alkatiri reconhece ter-se encontrado com Railos e dois outros várias vezes durante o congresso da FRETILIN mas disse que lhes pediu para fazerem segurança, não para matarem ninguém.

Mais tarde no mesmo dia, a casa de Taur Matan Ruak foi atacada por um grupo de loromonu, polícia pró-Rogério Lobato sob o controlo do Vice-Comandante da polícia de Dili, Abilio Mesquita, alias “Mausoko”. Em Agosto, Mesquita, da célula da prisão em Dili, acusou que Xanana Gusmão lhe tinha dado a ordem de ataque. Também disse ter estado presente num encontro em casa de Xanana numa altura não especificada “antes da crise” quando foram discutidos planos para remover Alkatiri. Crisis Group não conhece evidência para apoiar a afirmação.

“Havia um sentimento que o país estava a afundar-ser”, disse um conselheiro militar internacional. Havia diferentes versões do que ia acontecer a seguir. Uma fonte disse que Taur Matan Ruak foi ter com Alkatiri nessa tarde e que lhe deu um ultimato – ou armamos uma unidade de reserva das forças armadas, ou podimos tropas internacionais. Alkatiri, de acordo com esta versão, concordou que Matan Ruak podia distribuir armas a um grupo de ex-guerrilheiros da Falintil incluindo alguns seguidores de Elle Sette (L-7) – um passo extraordinário dada a história de Elle Sette de rebelião contra a autoridade das FALINTIL. Taur Matan Ruak e Alkatiri ambos negam que Alkatiri foi alguma vez envolvido na decisão. Mas com ou sem a sua aprovação, as forças armadas distribuíram 200 de algumas 1,000 armas que tinham sido transferidas de Metinaro para Baucau para as “reservas”. Em contraste com a secreta, ilegal transferência de armas de polícias para os civis, esta foi relativamente ordenada e bem documentada, tornando mais fácil recuperar as armas depois das tropas internacionais terem chegado.

O governo decidiu requerer assistência de qualquer modo, e um apelo formal – que Alkatiri assinou com relutância – foi enviado para a Austrália, Portugal, Malásia e Nova Zelândia.

O impacto imediato do ataque ao quartel-general das F-FDTL foi para aumentar a hostilidade entre as forças de defesa e a polícia, levando ao desastre em 25 de Maio. Nessa manhã, um grupo de soldados das F-FDTL, juntamente com alguns polícias duma unidade baseada em Baucau (leste Timor-Leste) desarmou três polícias em Comoro, uma área de Dili particularmente tensa. O pessoal das F-FDTL trocou tiros com um carro patrulha da polícia.

Mais tarde nessa manhã, jovens juntaram-se a vários soldados das F-FDTL para queimarem uma casa pertencente a um familiar de Rogério Lobato. A casa ardeu com uma mãe e quatro crianças no interior; morreram todos. Depois a casa de Ismail Babo, o comandante da polícia envolvido no incidente de Gleno, que, sugerem alguns, esteve envolvido no ataque ao quartel-general das forças armadas, também ardeu.

Pouco antes disso, por volta das 11:00, soldados das F-FDTL assaltaram o quartel central da polícia. Conselheiros militares da ONU foram para o local e através de Taur Matan Ruak, negociaram o que pensavam ser a resolução pacífica do problema: os soldados das F-FDTL permitiriam que os polícias no interior saíssem, sem armas, e seriam escoltados de volta ao escritório da UNOTIL por polícias da ONU. Mas ninguém tinha desarmado o pessoal das F-FDTL no exterior do quartel, e quando alguns 85 polícias começaram a sair do edifício e a caminhar em direcção à UNOTIL, soldados abriram fogo. Nove polícias foram mortos imediatamente, um morreu mais tarde, e cerca de 30 foram feridos. A comissão de inquérito vai determinar quem foi o responsável.

Ao mesmo tempo que as lutas se espalhavam à volta da cidade e não se via polícias em sítio algum, aterraram em Dili os 100 primeiros de cerca de 1,300 soldados Australianos. Xanana anunciou que estava a assumir o controlo da segurança – em bases constitucionais não claras: Alkatiri questionou a legalidade das acções de Xanana mas disse que cooperaria. Mais tarde Xanana ordenou a Alkatiri para despedir Rogério Lobato e o Ministro da Defesa Roque Rodrigues. A Malásia, Portugal e a Nova Zelândia também despachou tropas que combinadas eventualmente totalizariam 2,250. A ONU e as missões diplomáticas lutaram para evacuar pessoal não essencial quando os toroteios erromperam entre polícias e militares, e gangs na maioria de loromonu, armados com catanas e “Ambonese arrows” (panah Ambon), uma forma letal de setas, atacaram bairros lorosae. Em New York, Kofi Annan anunciou que Ian Martin, que fiscalizou o referendo para a independência em 1999 como chefe da Missão da ONU em Timor-Leste (UNAMET), estava a regressar como seu enviado especial.

Um visitante de Alkatiri e do Ministro da Defesa Roque Rodrigues dessa noite disse que eles, como toda a gente, pareciam paralisados: “Eram como crianças autistas, sentados no escuro, curvados para a frente, as mãos nos joelhos, balançando-se para trás e para a frente”. Toda a cidade, disse, estava num estado de extrema paranóia.

Continuaram as lutas nas ruas, e os residentes de Dili procuraram abrigo nos complexos da igreja, nos escritórios das ONG’s e com amigos e familiares fora da cidade. A ONU estimou que mais de 120,000 tinham fugido das suas casas desde Abril, e os números continuam a subir. Em 30 de Maio, ladrões invadiram o escritório do Procurador-Geral, espalhando ficheiros à volta e roubando equipamentos e papéis. Relatos dos media focaram o facto de entre as informações em falta estarem arquivos da Unidade de Crimes Sérios sobre alguns dos acusados da violência de 1999, incluindo do antigo comandante militar Indonésio Wiranto. Não há razão para acreditar, contudo, que os ladrões fizeram alguma distinção no que destruíram e pilharam e dicas escuras do envolvimento Indonésio não têm base.

Com tropas internacionais no terreno, a atenção mudou para a luta política: ficaria Alkatiri ou sairia?

39 “Polícia pode usar armas para se defender”, UNOTIL Revista Diária dos Media, 20 Abril 2006 e entrevistas do Crisis Group, Dili, 9 Setembro 2006.

40 “Protesto dos peticionários”, UNOTIL Revista Diária dos Media, 22-24 Abril 2006.

41 “Baseado em rumores, alguém distribuiu armas”, UNOTIL Revista Diária dos Media, 26 Abril 2006.

42 Ibid. As referências podem ter sido à Austrália, que funcionários seniores da FRETILIN suspeitam de querer provocar confusão para causar a sua queda e substitui-la com outra mais acomodada nas negociações sobre o petróleo.

43 “Manifestantes assaltaram casas e lojas em Lecidere”, UNOTIL Revista Diária dos Media, 27 Abril 2006.

44 FRETILIN disse que a intervenção das F-FDTL foi legal sob o decreto-lei do gov. no. 20 7/2004 e Artigo 115 da constituição. UNOTIL Revista Diária dos Media, 23 Maio 2006.

45 “Investigação de mortos em Tasi Tolu”, UNOTIL Revista Diária dos Media, 3 Maio 2006.

46 “Xanana pediu à população para voltar para casa”, UNOTIL Revista Diária dos Media, 2 Maio 2006.

47 Mark Forbes, “A nation ruled by the gun”. The Age, 27 Maio 2006
48 “Looking back in anger at a life less ordinary”, The Age, 31 Maio 2006.
49 “Polícia mostra bom exemplo: Alkatiri”, UNOTIL Revista Diária dos Media, 10 Maio 2006.

50 “Gleno motins: um membro da UIR morto, um ferido”, UNOTIL Revista Diária dos Media, 9 Maio 2006.

51 “Declaração conjunta de 10 distritos”, UNOTIL Revista Diária dos Media, 9 Maio 2006.

52 Discurso de abertura de Lu’Olo, congresso do partido.

53 Entrevista do Crisis Group, Aderito de Jesus Soares, 12 Setembro 2006.

54 “Dividam a FRETILIN e Timor-Leste explodirá”, UNOTIL Revista Diária dos Media, 22 Maio 2006.

55 “Tiroteio em Fatu Ahi: 2 pessoas mortas, 8 feridas”, Revista Diária dos Media, 24 Maio 2006.

56 “Timor-Leste: Queda de um primeiro-ministro”, transcrição da SBS Dateline programa, 30 Agosto 2006.

57 Entrevista do Crisis Group em Dili, 12 Setembro 2006.

58 “Timor-Leste: Queda de um primeiro-ministro”, op. cit.

59 Rede Monitorizasaun Direitus Humanus (RMDH), “Submission to the Independent Special Commission of Inquiry for Timor-Leste on Security & Political Crisis in Timor Leste”, Setembro 2006.
60 Liz Jackson, “Afirmações de que o PM de Timor-Leste recrutou força de segurança secreta”, Lateline, 8 Junho 2006, at http://www.abc.net. au/lateline/content/2006/s1658941.htm. Railos diz sem convencer que se juntou aos atacantes de Tacitolu para os persuadir a não avançarem. Tinha queixas contra as F-FDTL por causa da sua demissão em 2003, e é do oeste. Tinha mais razões para se juntar aos peticionários do que par os combater, mesmo se tivesse recebido armas de Rogério.

61 “Declaração de Abilio Mausoko”, Comarca Becora, 20 Agosto 2006 (tradução Inglês do original em Tétum).

62 Entrevista do Crisis Group, Dili, 12 Setembro 2006.

63 O governo Australiano, cauteloso com tensões políticas internas, insistiu que Xanana, Alkatiri e Ramos Horta assinasem o destacamento.

64 Usadas em conflitos comunais em Ambon (1999-2001), panah Ambon são arcos com pregos de cinco -inch e, nalguns casos, arame tirado de cabos de telefone como flechas.

65 Entrevista do Crisis Group, Dili, 12 Setembro 2006.

66 “Timor-Leste: Aliados destacam tropas depois de nova explosão de violência”, Lusa, 24 Maio 2006

.

Australian among monitors for E Timor elections

AFP - Saturday, October 14, 2006. 11:07pm (AEST)

An Australian is one of three monitors appointed by United Nations secretary-general Kofi Annan for next year's elections in East Timor.

Michael Maley has been named as a member of the monitoring team, along with Lucinda Almeida of Portugal and Reginald Austin of Zimbabwe.

Mr Annan said in a statement he saw the elections as an important step towards peace and stability in the troubled East Timor.

"They will work independently of the United Nations Integrated Mission in Timor-Leste [East Timor] (UNMIT), and will submit their findings and recommendations to the secretary-general and the Timor-Leste authorities," he said.

...

.

RESOLVING TIMOR-LESTE’S CRISIS - CAP III - Tradução da Margarida

Asia Report N°120
10 October 2006

RESOLVING TIMOR-LESTE’S CRISIS

III. O SECTOR DE SEGURANÇA

Os militares tinham os seus próprios problemas. Em 1999, quando se aproximava o referendo supervisionado pela ONU sobre a separação da Indonésia, os lutadores da FALINTIL foram acantonados em Aileu, a sul de Dili. Sob a liderança de Taur Matan Ruak, comandante desde 1998, tinham evitado contra-atacar quando as forças armadas sa Indonésia e as suas milícias queimaram muito do país, sabendo que que o fizessem poriam em risco a intervenção internacional. Mas estão o mundo parecia ter-se esquecido deles. A Administração Transitória da ONU em Timor-Leste (UNTAET) que chegou em Outubro de 1999 para preparar o país para a independência deu mais atenção a checar antigos polícias Indonésias e pô-los de volta nas ruas do que a encontrar um papel para os homens nas montanhas. As condições em Aileu deterioraram-se, e os lutadores aborreciam-se e ressentiam-se. “Fomos tratados como cães”, disse Taur Matan Ruak em Setembro de 2006.

E quando as novas Forças de Defesa de Timor-Leste (FDTL), foram finalmente criadas em Fevereiro de 2001, somente 650 dos 1,500 membros eram ex-guerrilheiros; os restantes foram novos recrutas. Desde o princípio, houve rumores sobre discriminação, e foi este poço de ressentimento que Rogério Lobato canalizou A dissolução da FALINTIL quando se criou a FDTL trouxe ainda mais descontentamento nas fileiras dos ex-guerrilheiros, especialmente porque com o desemprego estratosférico não havia lugar para onde irem.

A FDTL, que depois da independência em Maio de 2002 foi re-nomeada FALINTIL-FDTL (F-FDTL), estava dividida em dois batalhões. O Batalhão I esteva aquartelado na cidade do leste de Los Palos, de Julho de 2002 a 2006 quando se mudou para Baucau. O Batalhão II, criado no final de 2002 com a maioria de novos recrutas, ficou baseado no centro de treino das forças armadas em Metinaro, imediatamente a leste de Dili. Vieram à superfície problemas de gestão em todo o lado mas foram particularmente agudos no Batalhão I, onde diferenças leste-oeste e outras fissuras começaram a emergir.

Em Novembro de 2002, um documento interno da ONU nota que:

Havia descontentamento público alargado nas áreas centrais e do oeste sobre a composição étnica do primeiro Batalhão, que era dominado por antigos combatentes de três distritos do leste (onde tinha ocorrido a maioria das lutas e onde a Falintil fora mais forte).

Taur Matan Ruak fez ajustamentos no recrutamento e nas políticas de promoções de acordo (com isso), mas havia também problemas logísticos. Com pobres infra-estruturas de transporte, as tropas do oeste que partiam de licença tinham dificuldades em chegar às suas famílias e em regressar a tempo. O resultado foi que um número desproporcionado dos de oeste enfrentaram acções disciplinares, acusados entre outras coisas de absentismo.

A. PROBLEMAS CRESCENTES NAS F-FDTL

Em December 2003, alguns 42 soldados (a maioria do oeste e incluindo Vicente da Conceição, alias Railos, que veio a jogar um papel na crise de 2006) foram licenciados. Fizeram queixas sobre demissões injustas, viagens de longa distância, e comunicações pobres, algumas das quais foram respondidas no relatório de Agosto de 2004 duma comissão presidencial com a tarefa de avaliar os problemas no seio das F-FDTL. O relatório identificou dificuldades nas condições de vida transversais, regresso a tem de licenças, preconceito percebido nas promoções mas o governo parece que não actuou em nenhuma das suas recomendações, e o descontentamento continuou a apodrecer.

Em 26 de Fevereiro de 2005, um outro grupo de soldados decepcionados com queixas de discriminação nas promoções encontrou-se com o presidente. Em Setembro de 2005, foi cortado um contrato com os USA para apoio logístico às F-FDTL, deixando as forças armadas sozinha com coisas tão básicas como manutenção dos quartéis e rações. Em Outubro, os soldados enviaram uma queixa ao quartel-general sobre telhados furados e alimentação insuficiente, e apesar das reclamações imediatas terem sido respondidas, os lamentos continuaram.

Entretanto, Rogério Lobato, com o apoio técito de Alkatiri, estava a criar várias unidades especiais de polícia que eram melhor pagos e equipados do que as forças armadas. Favoreceu os do oeste, construindo deliberadamente sob a percepção que os do leste dominavam o corpo de oficiais das F-FDTL.

Em Janeiro, um grupo de 159 soldados peticionaram Xanana Gusmão como comandante supremo queixando-se de discriminação contra os do oeste no recrutamento, promoções e medidas disciplinares. Listaram 28 pontos, a maioria relacionados com desprezos e insultos de comandantes para mostrar que os loromonu não eram de confiança e não tinham lutado tão duramente na resistência quanto os do lorosae. Um alvo maior das suas queixas foi o comandante do Batalhão I, Tenente Cor. Falur Rate Laek. As reclamações eram suficientemente insignificantes e podiam provavelmente ter sido respondidas se fossem de facto o centro do problema. Mas havia outros factores em jogo.

O líder dos peticionários, Gastão Salsinha, tinha sido apanhado em flagrante em Abril 2005 a contrabandear madeira de sândalo. Em resposta Taur Matan Ruak cancelou a sua promoção e uma próxima missão de treino em Portugal. A polícia escreveu um relatório do incidente mas de repente o caso evaporou-se. Porque Rogério Lobato tem a reputação de controlar o negócio da madeira de sândalo, alguns Timorenses interpretaram isto como uma evidência que Salsinha estava no seu campo, contra as F-FDTL e Xananna – como estava a polícia. Sejo isso verdade ou não, o cancelamento da promoção deu a Salsinha um rancor pessoal contra Taur Matan Ruak e pode explicar em parte as suas acções subsequentes.

B. RESPOSTA À PETIÇÃO

Os media internacionais têm relatado o despedimento de quase 600 soldados em Março de 2006 como tendo precipitado a crise política, com Taur Matan Ruak e o Primeiro-Ministro Alkatiri como os vilãos que deixaram isso acontecer. Mas não é tão simples.

Salsinha e 158 dos seus seguidores assinaram a petição deles para o Presidente Gusmão em 9 de Janeiro, e enviaram cópias para Matan Ruak, vários funcionários do governo, os dois bispos, os líderes dos partidos políticos e aos embaixadores da Austrália, Portugal e dos USA. Disseram que estavam preparados para entrarem numa greve de fome em frente do Gabinete do Presidente se não atendessem os seus pedidos, e se depois de um mês a greve não produzisse resultado, abandonarias as forças armadas.

Em 16 de Janeiro, o Presidente Gusmão chamou Matan Ruak e pediu-lhe para lidar com o problema. Mas as Forças de Defesa estavam no processo de mudar o aquartelamento do Batalhão I de Los Palos para a cidade mais central de Baucau, uma mudança há muito planeada que em parte responderia a queixas de a última ser demasiado longe para os soldados do oeste para tirarem licenças normais.

É improvavel que Matan Ruak estivesse simplesmente demasiado ocupado para se encontrar com Salsinha durante duas semanas depois de ter recebido a petição. A sua história passada com Salsinha e o constante fio de queixas das filas e fileiras são explicações mais prováveis; Não havia razão para acreditar que este protesto fosse significativamente mais importante do que os anteriores mas escalou rapidamente de queixas sobre discriminação para exigências de que Alkatiri saísse.

Em 1 de Fevereiro realizou-se a inauguração do novo quartel para o Batalhão I em Baucau, e em 2 de Fevereiro, Matan Ruak encontrou-se com Salsinha. As discussões nesse dia e no seguinte não produziram qualquer resultado, e nos dois dias seguintes, centenas de soldados deixaram as suas bases sem permissão. Em 7 de Fevereiro, depois de se encontrar com um pequeno grupo de peticionários, e sem consultar Matan Ruak, o Presidente Gusmão concordou em encontrar-se com todo o grupo no dia seguinte. Matan Ruak acredita que o Presidente foi mal aconselhado porque o encontro iria ainda politizar mais o problema, movendo-o para além de uma questão disciplinar nas forças armadas e trazendo mais peticionários para o grupo Por isso, quando convidado para participar, recusou.

Apesar disso, Xanana encontrou-se com alguns 400 peticionários – já mais do dobro do número de signatários – no seu Gabinete, juntamente com o Ministro da Defesa Roque Rodrigues e o chefe do pessoal das forças de defesa, Coronel Lere Anan Timor. Estiveram também presentes dois membros do parlamento. De acordo com Xanana, Lere recusou-se a reconhecer que havia um problema real de discriminação, em vez disso acusou os partidos políticos da oposição de tentarem fomentar a dissenção. O Presidente urgiu os manifestantes para regressarem aos quartéis, disse que não haveria represálias se estivessem de regresso na manhã seguinte e prometeu que as suas reclamações seriam investigadas. Inicialmente recusaram, dizendo que já tinham sido avisados pelos seus comandantes que seriam considerados “inimigos” se tomassem parte no protesto, mas eventualmente, dispersaram.

Em 12 de Fevereiro, uma comissão de cinco membros sob o Cor. Lere tinha agendado começar a analisar as reclamações dos soldados mas alguns peticionários recusaram o encontro com a base de que os investigadores incluíam três dos oficiais sobre quem se tinham queixado. Outros objectaram que estavam a ser tratados como prisioneiros, sob vigilância constante. Em 17 de Fevereiro, Lere deu aos peticionários um ultimato: façam parte da investigação ou enfrentam a demissão. Sugeriu outra vez que alguns partidos políticos estavam a instigá-los. Deu-lhes depois licença de fim-de-semana, da qual os peticionários não regressaram, e as deserções continuaram. Normalmente os soldados ausentes sem licença durante 24 horas sofrem um corte nos ordenados mas a F-FDTL continuou a pagar os salários enquanto as negociações prosseguiram.

Pelo fim de Fevereiro, o número de manifestantes tinha subido para 593, e em 16 de Março, quando continuavam ainda a recusar regressar aos seus postos, Matan Ruak ordenou a sua demissão. Quando confrontado com isto mais tarde, disse impacientemente, “tínhamos dado a eles todas as oportunidades. Que mais podia fazer?”

Alkatiri apoiou a decisão; Xanana Gusmão, que estava fora do país na altura, não. Em 23 de Março, dirigiu-se à nação numa intervenção emocional transmitida pela televisão que é opinião geral agravou agudamente a situação – “27 minutos de palavras incendiárias”, foi como um jornalista local a descreveu. O Presidente chamou incorrecta e injusta á demissão e avisou os comandantes que o falhanço na resposta ás queixas levaria a mais divisões. Disse que se 400 soldados abandonam os seus quartéis, isso sugere que havia um problema sério no seio da instituição. A discriminação já há muito existia no seio das F-FDTL; não era só uma questão de falta de disciplina. Disse que esta questão não estava adequadamente resolvida, deixaria a impressão de que as F-FDTL eram simplesmente para os do leste que acreditam que só eles tinham lutado na guerra, e todos os outros, “de Manatuto a Oecusse”, eram “filhos de milícias”.

O facto de ter citado directamente da petição deu uma legitimidade adicional ás suas reclamações.

O discurso teve um impacto imediato de dois modos. Por minar a decisão de Matan Ruak tão claramente e tão publicamente, azedou a relação entre os dois homens cuja aliança tinha sido uma trave principal da resistência durante mais de vinte anos, assim abrindo caminho a mais esforços da FRETILIN para fazer sentir a sua influência no seio das F-FDTL. E por legitimar as reclamações dos do oeste, parece ter levado directamente a ataques nos do leste em Dili por uns tantos peticionários e outros segundo rumores (sem evidência) que tiveram o apoio de Rogério. Em 27 de Março, dezassete casas foram queimadas até aos alicerces, e os do leste enchiam os autocarros a fugir da cidade. A violência levou Alkatiri a declarar que só a FRETILIN podia assegurar a estabilidade, o que por seu lado aumentou suspeitas no campo anti-Alkatiri que os distúrbios tinham sido provocados para atingir objectivos políticos.

Durante algumas semanas regressou uma calma preocupada, mesmo a tempo de uma visita do Presidente do Manco Mundial, Paul Wolfowitz, que disse aos media: “Os mercados movimentados, as escolas reconstruídas, o funcionamento do Governo – e acima de tudo a paz e a estabilidade – atestam uma liderança sensível e decisões sólidas”.

23 Elle Sette (L-7), por exemplo, que deixou o acantonamento em 2000 e nunca regressou, disse que nenhum dos seus 500 seguidores fora aceite nas F-FDTL, apesar de muitos terem lutado contra os Indonésios. Notas disponibilizadas ao Crisis Group de entrevistas com Elle Sette, Agosto 2001
24 “Tensões institucionais”, UNMISET documento emitido i, op. cit. em 2001, os do leste eram 56 por cento da FDTL no total mas eram 85 por cento dos oficiais.

25 Vicente da Conceição, alias Railos, originalmente de Liquica, foi um guerrilheiro da FALINTIL durante a resistência e depois da independência trabalhou e treinou na academia das novas forças armadas em Metinaro. Diz que foi injustamente demitido por ter ficado ausente durante demasiado tempo por causa de acidente de tráfico. Outras fontes dizem que deixaram-no sair por (ter sido apanhado a) contrabandear. No seu relato, foi de licença em Setembro 2003 com a autorização de Taur Matan Ruak para ir ao funeral do seu irmão. De regresso a Metinaro, ficou ferido num acidente de tráfico e regressou a casa para se tratar, enviando uma carta às F-FDTL informando do facto. Mas em 23 Dezembro, quando via as notícias da televisão, soube que era um dos vários F-FDTL despedidos por estarem ausentes sem autorização. “Kesaksian beberapa anggota F-FDTL yg dipecat 23 December 2003”, sem data, dada ao Crisis Group por Yayasan Hak, Dili. Railos afirmou no programa “Four Corners” na televisão Australiana, em Junho 2006 tque Alkatiri autorizou a distribuição de armas a civis. O subsequente alvoroço levou à resignação de Alkatiri.

26 A Unidade de Reserva da Polícia (URP) foi criada depois da F-FDTL ter falhado a resolução de incursões de milícias suspeitas na área de Atsabe no oeste em Janeiro-Fevereiro de 2003. Os destacados para a fronteira alienaram a população sem encontrarem ou prenderem nenhuma das milícias suspeitas. Em vez de analisarem porque é que falharam, culparam residentes locais por não serem cooperantes e por assistirem a milícia. Crisis Group comunicação com Robert Lowry, antigo conselheiro de segurança em Timor-Leste, 4 Outubro 2006.

27 Tradução não oficial da petição disponibilizada ao Crisis Group, 10 Setembro 2006.

28 Crisis Group entrevista, Taur Matan Ruak, Dili, 9 Setembro 2006

29 http://en.wikisource.org/wiki/Palace_of_Ashes,_Speech_ Xanana_Gusm%C3%A3o,_23th_March_2006.

30 “Timor-Leste: comissão de inquérito começa audições sobre queixas dos soldados”, Lusa, 10 Fevereiro 2006.

31 UNOTIL Revista dos Media Diários, 28 Fevereiro 2006; “Timor-Leste: Quase 600 tropas envolvidas em ‘greve’ contra pobres condições”, Lusa, 2 Março 2006; “Mais soldados Timorenses desertam: oficial”, Agence France-Presse, 3 Março 2006.

32 UNOTIL Revista dos Media Diários, 21 Fevereiro 2006 e 3 Março 2006.

33 Crisis Group entrevista, Taur Matan Ruak, 9 Setembro 2006.

34 Crisis Group entrevista, Dili, 10 Setembro 2006

35 Xanana Gusmão, 23 Março discurso, op. cit.

36 A decisão de Alkatiri de apoiar Taur Matan Ruak esteve particularmente sob escrutínio. Uma premissa alargadamente feita foi que Alkatiri tinha tentado sem sucesso durante dois anos trazer Taur Matan Ruak e as F-FDTL para o seu lado. O facto de um apoiante sólido do grupo de Maputo, o Ministro da Defesa Roque Rodrigues, viver em casa de Taur há dois anos foi visto como “evidência” que Alkatiri estava a tentar implantar um associado estreito, próximo para trazer Matan Ruak para o seu lado. Depois Alkatiri fez uma jogada sem sucesso para apanhar a mulher de Matan Ruak, Isabel Pereira, nomeada como provedora (ombudsman). Uma variante sobre este tema é que Alkatiri apoiou a “filtragem” dos do oeste nas forças armadas para que se pudesse re-estabelecer a ligação entre uma mais pura FRETILIN-FALINTIL. Crisis Group entrevistas em Dili, Setembro 2006.

37 “Alarico Ximenes: Líderes políticos devem ser mais cuidadosos nas declarações,” Timor Post, citado em UNOTIL Revista dos Media Diários, 25-27 Março 2006.

38 “Conferência de Imprensa de fecho em Timor-Leste com Paul Wolfowitz”, 10 Abril 2006, em http://web.worldbank.org.

.

Traduções

Todas as traduções de inglês para português (e também de francês para português) são feitas pela Margarida, que conhecemos recentemente, mas que desde sempre nos ajuda.

Obrigado pela solidariedade, Margarida!

Mensagem inicial - 16 de Maio de 2006

"Apesar de frágil, Timor-Leste é uma jovem democracia em que acreditamos. É o país que escolhemos para viver e trabalhar. Desde dia 28 de Abril muito se tem dito sobre a situação em Timor-Leste. Boatos, rumores, alertas, declarações de países estrangeiros, inocentes ou não, têm servido para transmitir um clima de conflito e insegurança que não corresponde ao que vivemos. Vamos tentar transmitir o que se passa aqui. Não o que ouvimos dizer... "
 

Malai Azul. Lives in East Timor/Dili, speaks Portuguese and English.
This is my blogchalk: Timor, Timor-Leste, East Timor, Dili, Portuguese, English, Malai Azul, politica, situação, Xanana, Ramos-Horta, Alkatiri, Conflito, Crise, ISF, GNR, UNPOL, UNMIT, ONU, UN.