terça-feira, outubro 17, 2006

Relatório da CI - IV. RESPONSABILIDADE

IV. RESPONSABILIDADE

A. Antecedentes Jurídico-Legais

Quadro do Estado

102. Nos termos da sua Constituição, Timor-Leste é um Estado “de direito democrático, unitário, baseado na separação dos poderes, na vontade popular e no respeito pela dignidade da pessoa humana”. Segundo ainda a Constituição, o Estado tem como objectivos, entre outros, defender e garantir a soberania do país, garantir e promover os direitos e liberdades fundamentais dos cidadãos, a democracia política e a participação popular, a edificação de uma sociedade com base na justiça social, e promover e garantir a efectiva igualdade de oportunidades entre a mulher e o homem. Timor-Leste é o que é descrito como um sistema “semi-presidencialista”, com quatro órgãos de soberania: o Presidente da República, o Parlamento Nacional, o Governo e os Tribunais.

103. O Presidente da República é o Chefe de Estado e Comandante Supremo das Forças Armadas, e é eleito directamente. O Presidente tem poderes limitados, embora possa dissolver o Parlamento, demitir o Governo e exonerar o Primeiro-Ministro em circunstâncias particulares, assim como usar o poder de veto contra qualquer diploma legislativo dentro de um determinado prazo. O Presidente pode também indultar e comutar penas e possui igualmente o poder executivo de declarar a guerra. O Presidente é assistido por um Conselho de Estado (criado em Maio de 2005), que inclui o Presidente do Parlamento Nacional, o Primeiro-Ministro, líderes de partidos políticos na oposição, e um representante da sociedade civil.

104. O Parlamento Nacional compreende actualmente 88 membros. Possui amplos poderes de aprovar leis e o orçamento geral do Estado e de examinar o programa do Governo. Tem competências exclusivas relativamente à uma gama de matérias legislativas que incluem a cidadania, direitos, liberdades e garantias, defesa e segurança, suspensão de garantias constitucionais, declaração do estado de sítio e estado de emergência, e concessão de amnistias.

O Parlamento nomeou 7 comissões parlamentares para o exame de determinadas questões particulares, incluindo a Comissão Parlamentar B que examina as questões relacionadas com a defesa e a segurança.

105. O Governo tem a competência de definir e executar a política geral do país. É chefiado pelo Primeiro-Ministro, que é indigitado pelo partido político com maioria parlamentar. O Primeiro-Ministro é então nomeado pelo Presidente da República, ouvidos os partidos políticos representados no Parlamento Nacional. O Primeiro-Ministro tem a responsabilidade particular de dirigir e orientar a política geral do Governo e coordenar a acção de todos os ministros, tendo estes a responsabilidade de executar a política definida para os seus ministérios. Os ministros são nomeados pelo Presidente da República, sob proposta do Primeiro-Ministro. Não existe qualquer disposição que obrigue a que os ministros sejam escolhidos dentre os membros do Parlamento. O Conselho de Ministros é o órgão que reúne o Primeiro-Ministro e os ministros. Os secretários de Estado podem ser convocados para participar nas reuniões daquele órgão. Num sentido formal, o “Governo” compreende o Primeiro-Ministro, os ministros e os secretários de Estado.

106. O conjunto dos tribunais previstos na Constituição de Timor-Leste ainda não está totalmente em funcionamento. Não existe particularmente o Supremo Tribunal de Justiça, o Tribunal Superior Administrativo, Fiscal e de Contas, e o Tribunal Militar. Todavia, existem dois níveis de tribunais: os tribunais distritais (em Dili, Baucau, Suai e Oecusse), e o Tribunal de Recurso (que tem o mandato de exercer igualmente as funções do Supremo Tribunal de Justiça enquanto este não for criado).

107. Timor-Leste possui um sistema complexo de “leis aplicáveis” reflectindo a sua história e as mudanças a nível dos regimes de governação. Em ordem de aplicabilidade, as fontes da lei são as seguintes:

a. A Constituição da República Democrática de Timor-Leste.

b. As leis de Timor-Leste (quer as aprovadas pelo Parlamento quer as pelo Governo).

c. Regulamentos, decretos e ordens executivas feitos durante a vigência da UNTAET.

d. Leis Indonésias como sendo as leis “em vigor em Timor-Leste antes de 25 de Outubro de 1999”, desde que as mesmas não entrem em conflito com obrigações internacionais e com os padrões de direitos humanos2.

108. Compreender as normas que devem ser aplicadas a uma determinada situação pode apresentar dificuldades decorrentes das múltiplas fontes de instrumentos legais. No domínio do direito penal, por exemplo, o código penal aplicável continua a ser o Código Indonésio, embora o processual seja regido por um decreto governamental. Em relação à F-FDTL, existe um decreto-lei que prevê a estrutura militar, mas as leis que regem a disciplina e a carreira no seio desta instituição são os regulamentos da 2 Uma decisão do Tribunal de Recurso sustentava que a “lei que se aplicava em Timor-Leste antes de 25 de Outubro de 1999” deveria ser vista como sendo a Lei Portuguesa. Todavia, o Parlamento clarificou que a lei a aplicar deveria ser aquela que efectivamente esteve em vigor, nomeadamente a lei Indonésia: Lei Parlamentar No. 10/2003. UNTAET. A situação é também frequentemente complicada pelo número limitado de disposições transitórias específicas previstas para a contínua aplicação das leis. Em particular, coloca-se a questão por exemplo de se saber quem neste momento mantém os poderes anteriores detidos por determinados titulares de cargos que já não existem em Timor-Leste.

Depois de 20 de Maio de 2002, o Parlamento Nacional aprovou uma lei permitindo a continuidade da vigência das leis anteriormente aplicáveis e estipulando igualmente que os poderes que haviam sido conferidos ao Administrador Transitório (o chefe da UNTAET) seriam exercíveis pelas autoridades competentes de Timor-Leste sem ser necessário providenciar mais qualquer especificação. Somente num número limitado de casos se aprovou legislação específica para clarificar os poderes específicos herdados. Em termos práticos, desde Maio de 2002 a maioria das leis aprovadas pelo Parlamento foram propostas pelo Governo, e um certo número de legislação-chave para o sector de segurança foi feita directamente pelo Governo através de decretos-lei.

B. Responsabilidade Criminal Individual

1. Lei Aplicável e Padrões

109. A legislação que compreende o direito penal de Timor-Leste tem origem numa complexa matriz de fontes. A maioria dos crimes se encontra estabelecida pelo Código Penal Indonésio. Os conceitos de responsabilidade criminal, incluindo a responsabilidade acessória, são igualmente estabelecidos por este Código. O Regulamento da UNTAET No. 2001/5 sobre Armas de Fogo, Munições e Explosivos em Timor-Leste prevê vários crimes com respeito à armas. Os aspectos processuais são regidos pelo Código de Processo Penal, um decreto-lei de Timor-Leste. Embora o Código de Processo Penal não indique de forma expressa que o critério para determinar a existência de crime deva ser o da prova indubitável (ou prova eliminando qualquer dúvida razoável), vários artigos contidos nesse Código se conjugam para se inferir este critério. Nos termos do seu artigo 114.1, não existe ónus da prova em relação ao arguido. O artigo 278 enumera uma lista de factores a serem levados em consideração no processo de tomada de decisão. Esses artigos, tomados em conjunto, estão em consonância com uma consideração de factos provados com base no critério da prova indubitável, em conformidade com o direito internacional penal e de direitos humanos.

110. A Comissão reitera que o critério que a mesma aplicou não é o da prova indubitável. Em vez disso, a Comissão empregou um critério assente na suspeita razoável: um corpo de material credível e consistente com outras circunstâncias verificadas apontando para a existência de bases razoáveis para se suspeitar que uma determinada pessoa se envolveu no cometimento de um crime. Nesta conformidade, a Comissão identifica indivíduos em relação às quais existem bases razoáveis para se suspeitar de terem participado em actividade criminal relativamente aos acontecimentos de Abril e Maio de 2006 conforme descrito na Secção III e recomenda que algumas dessas pessoas sejam processadas judicialmente nos termos do direito penal do país.

A Comissão identifica outros indivíduos em relação aos quais, com base nas provas perante a Comissão, não existem indícios suficientes para serem considerados como possíveis suspeitos em relação aos crimes, mas cujo envolvimento nos referidos acontecimentos torna-os pessoas de interesse para objecto de investigação mais extensa. A Comissão recomenda que as autoridades competentes levem a cabo tais investigações mais extensas.

111. Embora reconhecendo que a decisão de iniciar qualquer processo particular de acusação é da inteira discrição da autoridade acusatória competente, a Comissão está consciente da utilidade e da praticabilidade de se dar prioridade ao processamento judicial daqueles indivíduos que cometeram crimes graves e/ou que se encontravam em posições de liderança e de responsabilidade.

A Comissão nota que a Procuradoria-Geral da República deu já início a uma série de investigações a respeito de crimes cometidos como parte dos acontecimentos de Abril e Maio e que determinados indivíduos identificados nesta secção estão actualmente submetidos a tal processo.

2. Responsabilidade pelos Acontecimentos

(a) Acontecimentos pelos quais Não Foi Possível Atribuir Responsabilidades Individuais

112. Vários incidentes de violência que tiveram lugar em Abril e Maio envolveram crimes pelos quais a Comissão não pode identificar um indivíduo ou indivíduos como sendo os responsáveis pelos mesmos. Isto obviamente não significa que não se cometeram crimes durante tais acontecimentos.

Foram sem dúvida cometidos crimes graves e há necessidade de os órgãos nacionais competentes realizarem investigações mais extensas. Tais incidentes são:

a. A violência ocorrida no Palácio do Governo cerca do meio-dia do dia 28 de Abril que resultou em duas mortes, pelo menos quatro pessoas feridas por arma de fogo, e duas outras pessoas feridas com gravidade.

b. A violência ocorrida em Taci Tolu na noite de 28 para 29 de Abril de 2006 que resultou em pelo menos duas mortes e em três ferimentos provocados por arma de fogo.

c. O tiroteio no mercado de Comoro no dia 25 de Maio de que resultou um ferimento de arma de fogo. d. O confronto armado entre soldados da F-FDTL e membros da PNTL no quartel-general da PNTL no dia 25 de Maio de que resultou numerosas pessoas feridas e um morto, soldado da F-FDTL de nome Bure.

(b) Acontecimentos pelos quais se Podem Atribuir Responsabilidades Individuais Violência no Mercado de Comoro no dia 28 de Abril

113. A violência que ocorreu no Mercado de Comoro no dia 28 de Abril resultou na morte de um civil, ferimentos de arma de fogo a oito civis, e outros quatro ferimentos graves a civis e a membros da PNTL, conforme descrito no parágrafo 49. Provas existentes perante a Comissão determinam que o membro da UIR de nome Octávio de Jesus disparou pelo menos seis (6) tiros, alguns dos quais para a multidão.

A Comissão recomenda que o mesmo seja processado judicialmente. A Comissão recomenda também que se leve a cabo mais investigações para se apurar se qualquer um dos seguintes membros da UIR, ou qualquer outro membro da UIR que actualmente se desconhece, participou no tiroteio subsequente: Abrão da Silva; Duarte Ximenes Belo; Daniel Carvalho sa Benevides; Salvador Moniz; Américo Fátima; José da Silva Mesquita; Mateus Fernandes; e José Gayu.

Violência em Rai Kotu no dia 28 de Abril

114. A violência que ocorreu em Rai Kotu na tarde do dia 28 de Abril resultou na morte de um (1) civil, conforme descrito nos parágrafos 51 e 52 supra. Provas existentes perante a Comissão estabelecem que o soldado da F-FDTL de nome Paulo Conceição, também conhecido por Mau Kana, disparou tiros contra civis depois que foi ferido pela explosão de uma granada. Existem provas que tendem a sugerir que os seus tiros foram feitos em autodefesa.

Nesta conformidade, a Comissão recomenda que se leve a cabo mais investigações para se apurar se Paulo Conceição tem alguma responsabilidade criminal pelos seus actos.

Violência em Gleno

115. Dois membros da UIR oriundos da parte oriental do país, desarmados, foram atacados por elementos da multidão que se manifestava em Gleno no dia 8 de Maio de 2006, conforme descrito nos parágrafos 61 a 63. Um membro morreu, tendo o outro ficado gravemente ferido. A Comissão nota que a Procuradoria-Geral da República identificou as seguintes 12 pessoas como sendo suspeitas na morte ilegal do membro da PNTL: Jacinto da Costa; Francisco da Silva; Vitor da Silva; Júlio Barros; António de Jesus; Afonso Beremau; Francisco da Silva (diferente do indivíduo do mesmo nome acima mencionado); Florindo da Costa; Apolinário de Araújo; e Januário Besi.

A Comissão recomenda o prosseguimento das investigações em torno destes suspeitos.

Confronto Armado em Fatu Ahi no dia 23 de Maio

116. O confronto armado ocorrido em Fatu Ahi encontra-se descrito nos parágrafos 64 a 66. As provas estabelecem que existem bases razoáveis para se suspeitar que o Major Alfredo Reinado e os homens que compunham o seu grupo cometeram crimes contra vidas e pessoas durante o confronto armado ocorrido em Fatu Ahi. Na base do material perante si, a Comissão pode estabelecer que o Major Reinado esteve presente com pelo menos 11 dos seus homens, 10 membros da URP e alguns civis. A Comissão está na posição de identificar pelo nome alguns dos membros desse grupo, mas não todos.

117. A Comissão recomenda que as seguintes pessoas sejam processadas judicialmente: Alfredo Alves Reinado; Rudianus Anoit Martins; Leopoldino Mendonça Exposto; Gilberto Suni Mota; Anterlrilau Ribero Guterres, também conhecido por Anteiru Rilau Ribero; Alferes Joabinho Noronha; Filomeno Branco de Araújo; Inácio Maria da Concerição Maia; José de Jesus Maria; e Amaro da Costa, também conhecido por Susar.

118. A Comissão recomenda que se leve a cabo mais investigações para se apurar quais dos seguintes homens do grupo do Major Reinado estiveram presentes em Fatu Ahi: Moisés Ramos; Plácido Ribeiro Gonçalves; Deolindo Barros; António Savio; Filomeno Soares Menezes; Francisco de Augusto; Gilson José António da Silva; Joaninho Maria Guterres; Joaquim Barreto; José Gomes; Natalino Borges Pereira; André da Costa Pinto Martinho Almeida; Albilio da Costa de Jesus; Francisco Ximenes Alves; Filsberto Garcia; Dario da Silva Leong; Nelson Galucho; e Nixon Galucho. A Comissão recomenda também que se realizem mais investigações para se apurar a identidade de outros membros da URP e de civis que eram membros do grupo atacante.

Caso tais investigações apurem a identidade desses homens, a Comissão recomenda que os mesmos sejam também processados judicialmente.

Confronto Armado em Taci Tolu/Tibar no dia 24 de Maio de 2006

119. Provas perante a Comissão sugerem que um número de até nove (9) pessoas foram mortas e três (3) sofreram ferimentos graves durante o confronto armado em Taci Tolu/Tibar, conforme descrito nos parágrafos 67 e 68.

As provas estabelecem que há bases razoáveis para se suspeitar que os 31 membros do grupo Rai Los, membros da PNTL de Liquiçá, e civis cometeram crimes contra vidas e pessoas durante este confronto nos dias 24 e 25 de Maio de 2006. Foi possível à Comissão identificar alguns desses homens, mas não todos. A Comissão está convencida de que foram fornecidos aos 31 membros do grupo Rai Los armas e uniformes e que estes membros foram a Tibar sob instrução do então Ministro do Interior Rogério Lobato, conforme descrito nos parágrafos 88 e 91.

120. A Comissão recomenda que as seguintes pessoas, sendo membros do grupo Rai Los, sejam processadas judicialmente: Vicente da Conceição, também conhecido por Rai Los, Mateus dos Santos Pereira, também conhecido por Maurakat, e Leandro Lobato, também conhecido por Grey Harana. A Comissão recomenda ainda que os seguintes membros da PNTL de Liquiçá sejam processados judicialmente: Mariano Martins Soares; Martinho Borges; Abílio da Silva Cruz; Afonso Pinto; Manuel Maria dos Santos; Mateus Soares; Amadeo Silva dos Santos; António da Silva; Américo da Silva; Crispin Lobato; Leandro dos Santos; Júlio Tilman; Alcino Lay; e Francisco Rego.

A Comissão recomenda igualmente o processamento judicial de Rogério Lobato.

121. A Comissão recomenda que se realizem investigações mais extensas para se apurar a identidade de outros membros do grupo Rai Los e de civis que integraram o grupo atacante. Caso tais investigações apurem a identidade desses homens, a Comissão recomenda que os mesmos sejam também processados.

Ataque à Residência do Brigadeiro-General Taur Matan Ruak

122. As provas estabelecem que homens armados sob o comando de Abílio Mesquita iniciaram o ataque contra a residência do Brigadeiro-General Taur Matan Ruak no dia 24 de Maio, conforme descrito nos parágrafos 69 e 70 supra. A Comissão não conseguiu apurar as identidades de todos esses homens.

As provas perante a Comissão estabelecem algum envolvimento do Membro do Parlamento de nome Leandro Isaac no acontecimento. Com resultado desse incidente, morreu um membro da PNTL, tendo ficado feridos dois soldados da F-FDTL.

123. A Comissão recomenda que as seguintes pessoas sejam processadas judicialmente: Abílio Mesquita; Artur Avelar Borges; Almerindo da Costa; Pedro da Costa; Valente Araújo; e uma pessoa descrita como se chamando Elvis.

124. A Comissão recomenda que se leve a cabo mais investigações para se apurar a identidade de outros membros da PNTL presentes sob o comando de Abílio Mesquita. Caso esses homens possam ser identificados, a Comissão recomenda que os mesmos sejam também processados judicialmente.

A Comissão recomenda ainda que se realizem mais investigações para se apurar se Leandro Isaac teve qualquer envolvimento culpável nos crimes cometidos.

Tiroteio Contra Membros da PNTL no Dia 25 de Maio de 2006

125. O tiroteio contra membros da PNTL encontra-se descrito nos parágrafos 83 a 85. A Comissão nota que não existem provas de que o assassínio de oito (8) polícias e o ferimento de 27 outros polícias não constituíssem senão acções espontâneas de pessoas à título individual cometidas inteiramente sem ordens da hierarquia da F-FDTL.

Especificamente, a Comissão está convencida de que o Brigadeiro-General Taur Matan Ruak não pode ser responsabilizado pelas acções maliciosas de soldados da F-FDTL que ocorreram depois que o cessar-fogo havia sido estabelecido. As evidências apontam para a existência de bases razoáveis para se suspeitar que seis (6) soldados da F-FDTL cometeram crimes de homicídio.

126. A Comissão recomenda que as seguintes pessoas sejam processadas judicialmente: Nelson Francisco Cirilo da Silva; Francisco Amaral; Armindo da Silva; Paulino da Costa; José da Silva; e Raimondo Madeira.

Queima da residência de da Silva no dia 25 de Maio

127. A Comissão está convencida de que as pessoas que atearam fogo à residência de da Silva procederam desta forma com conhecimento de que havia pessoas encurraladas no interior da casa, conforme descrito no parágrafo 86 supra. Seis (6) pessoas foram mortas. Investigações levadas a cabo pela Comissão não identificaram quaisquer possíveis suspeitos. Todavia, essas mesmas investigações identificaram os nomes, ou os nomes parciais, de 27 pessoas de interesse para objecto de investigação mais extensa.

128. A Comissão recomenda que se leve a cabo mais investigações para se apurar as identidades completas das seguintes pessoas e o seu possível envolvimento neste acontecimento: O Comandante-Adjunto da PNTL para Aimutin Mauclau; Patrício da Silva; Carlito Sousa Guterres, também conhecido por Carlotta Soares; Sebai Guterres; Jerónimo António Freitas; Luís Freitas; Nando Geger; Luís R da Silva; Maumeta Colo; Tinu Labe; Cecar Tiu Mutin; Alex Titu; Cacu Mau; Luciano; Amata; José; Vicente; Ernesto; Manuel; Ciquito ou Akito; Fernando; Chebay; Edocai; Maumeta; Arui; e Tito.

Incidente no Mercado Lama no dia 25 de Maio

129. A Comissão está convencida de que Oan Kiak e os seus homens estiveram envolvidos em crimes contra pessoas e vidas na barricada montada perto do Mercado Lama na tarde de 25 de Maio conforme descrito no parágrafo 87. A Comissão não conseguiu identificar os nomes completos de todos os suspeitos.

130. A Comissão recomenda que as seguintes pessoas sejam processadas judicialmente: Oan Kiak; Black; Marito da Costa; Alberto Ossu; António Ferlimo, Anfonso Kudulai; Aze Koeo; Carlito Rambo Bonifácio; Agapito; Lake Lake; e Ozebi.

Crimes de Armas

131. A Comissão faz notar a sua preocupação pelo grau de distribuição ilegal e irregular de armas em Timor-Leste. A Comissão faz igualmente notar a sua preocupação pela inércia demonstrada pelo Governo para fazer face à falta de controlo de armas no seio das suas forças armadas perante informações e análises credíveis relativamente à ilegalidade e/ou irregularidade da posse de armas, sua movimentação e uso. Existem vários graus de culpabilidade criminal a respeito de crimes de armas, conforme reflectido nas diferentes penas máximas estabelecidas na lei. A sua simples posse, embora constitua um crime, constitui um crime bastante menos grave do que o uso de uma arma ou a transferência ilegal de uma arma ou de armas. Isto é particularmente assim a respeito das pessoas que assinaram pela recepção de armas da F-FDL e que mais tarde as devolveram. Nesta conformidade, a Comissão recomenda que se exerça o poder discricionário em termos de processamento judicial no que diz respeito aos crimes de armas cometidos durante os acontecimentos de Abril e Maio e que somente aquelas pessoas em relação às quais existam bases razoáveis para se suspeitar de terem cometido os crimes mais graves de armas sejam processadas judicialmente.

132. Armas da PNTL. As provas relativas à movimentação, posse e uso ilegal de armas da PNTL estão descritas nos parágrafos 88 a 94. A Comissão recomenda que as seguintes pessoas sejam processadas judicialmente devido à posse, uso e movimentação ilegal de armas no dia 8 de Maio e/ou 21 de Maio: Rogério Lobato; Eusébio Salsinha; António da Cruz; Vicente da Conceição, também conhecido por Rai Los; Mateus dos Santos Pereira, também conhecido por Maurakat; Leandro Lobato, também conhecido por Grey Harana; António Lurdes, também conhecido por 55; Marcos da Silva Piedade, também conhecido por Labadae; Francisco e Santa Cruz. A Comissão recomenda também que se leve a cabo mais investigações para se apurar a identidade de todas as pessoas envolvidas nestes crimes.

133. Relativamente ao ex-Primeiro-Ministro, a Comissão não possui provas com base nas quais ela poderia recomendar que o Sr. Mari Alkatiri devesse ser processado judicialmente por estar envolvido na movimentação, posse ou uso ilegal de armas. Entretanto, existe informação perante a Comissão que dá lugar à suspeita de que Mari Alkatiri tinha conhecimento sobre a armação ilegal de civis com armas da PNTL por parte de Rogério Lobato.

Nesta conformidade, a Comissão recomenda que se leve a cabo mais investigações para se apurar se Mari Alkatiri possui qualquer responsabilidade criminal relativamente aos crimes de armas.

134. Armas da F-FDTL. As provas relativas à movimentação, posse e uso ilegal de armas da FFDTL encontram-se descritas nos parágrafos 95 e 96 e demonstram que essas armas foram distribuídas por e/ou com o conhecimento e aprovação das seguintes pessoas: Roque Rodrigues; Taur Matan Ruak; Tito da Costa Cristovão, também conhecido por Lere Anan Timor; Manuel Freitas, também conhecido por Mau Buti; e Domingos Raul, também conhecido por Rate Laek Falur. A Comissão recomenda que estas pessoas sejam processadas judicialmente por transferência ilegal de armas. A Comissão recomenda ainda que das pessoas que receberam as armas da F-FDTL nos dias 24 e 25 de Maio, somente aquelas pessoas que usaram as armas em subsequentes actos criminais sejam processadas judicialmente. Isto inclui, por exemplo, Oan Kiak, que utilizou uma arma da F-FDTL durante o incidente ocorrido no Mercado Lama no dia 25 de Maio. Caso se tome uma decisão de se processar judicialmente todos os indivíduos que receberam armas na situação de posse ilegal, a Comissão possui registos que identificam essas pessoas.

C. Responsabilidade Institucional

1. Quadro Conceptual da Responsabilidade Institucional

135. Os acontecimentos de Abril e Maio de 2006 não podem ser considerados de forma isolada.

Os mesmos ocorreram num contexto de particulares debilidades institucionais e de decisões tomadas pelas pessoas em cargos de autoridade. Esta secção examina a contribuição daqueles factores nos acontecimentos de Abril e Maio. Ao levar a cabo esta tarefa a Comissão assenta em dois aspectos do seu mandato. Em primeiro lugar, o de “identificar questões que tenham contribuído para a crise”, e em segundo lugar, “clarificar a responsabilidade” pelos acontecimentos de Abril e Maio de 2006. Neste último aspecto, dever-se-á recordar que a Comissão entendeu que o seu mandato incluía o apuramento da responsabilidade individual e da responsabilidade institucional. A responsabilidade institucional foi tomada no sentido de decorrer de actos e omissões por parte de instituições que materialmente contribuíram para os acontecimentos. Uma atenção particular é dada ao sector de segurança. Os actos do Governo, do Presidente da República, e da UNOTIL, são também examinados.

136. A Comissão reconhece que Timor-Leste constitui uma democracia nascente. As suas instituições se encontram em processo de desenvolvimento e enfrentam significativas limitações em matéria de recursos. Todavia, as falhas a nível de obediência à lei e nos quadro de responsabilização estiveram no centro dos acontecimentos de Abril e Maio. As estruturas do Governo e as existentes cadeias de comando não funcionaram ou não foram utilizadas. As funções e responsabilidades tornaram-se confusas. Foram procuradas soluções fora do quadro jurídico-legal existente. As fraquezas institucionais e as divisões no seio e entre as instituições foram trazidas para a superfície e culminaram numa confrontação aberta entre a PNTL e a F-FDTL no dia 25 de Maio.

2. O Quadro Global do Sector de Segurança

137. Timor-Leste não possui um quadro nacional de segurança. A Constituição confere mandatos específicos à PNTL e à F-FDTL. Embora se tenha promulgado leis que regem as actividades destas instituições, o quadro regulatório ainda não é abrangente. Para além de um fórum geral a nível do Conselho de Ministros, os programas governamentais do sector de segurança são formulados em grande medida no interior das instituições e não por um órgão coordenador ou em conformidade com um plano geral. O Conselho Superior da Defesa e Segurança existe como um órgão consultivo do Presidente da República, mas não possui poderes para formular programas próprios. Tem-se aprovado legislação fundamental na forma de Decretos Governamentais e não a nível do Parlamento, facto que tem limitado a oportunidade de um debate público. A Comissão considera que a falta de um quadro nacional de segurança que orientasse de forma adequada os serviços de forma uniformizada contribuiu para uma ausência de coordenação e cooperação efectivas entre a F-FDTL e a PNTL.

138. As tensões entre a PNTL e a F-FDTL remontam ao período anterior aos acontecimentos de Maio e Abril de 2006. Em 2004, por exemplo, houve um ataque por parte da F-FDTL a uma esquadra da polícia em Los Palos. Tal acontecimento foi objecto de uma Comissão Independente de Inquérito criada pelo Presidente da República (Relatório de Los Palos). Os ingredientes que alimentaram as tensões incluíram discrepâncias nas condições de serviço, diferentes níveis de apoio em termos de recursos (com a PNTL a receber maior apoio internacional), e a criação de unidades especializadas no seio da PNTL com funções paramilitares. Já antes se havia considerado que as divisões entre estas duas instituições reflectiam lealdades distintas: a F-FDTL era leal em relação ao Presidente da República, ao passo que a PNTL era leal ao Primeiro-Ministro. Os acontecimentos de Abril e Maio de 2006 revelaram divisões mais subtis no seio e entre as forças. Quer a PNTL quer a F-FDTL não constituíam organizações monolíticas. Existiam relações significativas entre indivíduos ou grupos e entre entidades das duas instituições.

3. F-FDTL

(a) Estrutura e Composição da F-FDTL

139. A F-FDTL foi criada originalmente a partir das fileiras dos veteranos das FALINTIL. Cerca de 56% das pessoas inicialmente nomeadas provinham da parte leste do país. Como resultado de uma estratégia deliberada por parte do Alto Comando da F-FDTL para resolver este desequilíbrio, em 2006 a composição reflectia uma média nacional de 35% de elementos provenientes da parte leste do país e 65% provenientes da parte ocidental do país.

Todavia, os da parte leste do país continuaram a estar ligeiramente mais representados dentre os oficiais, constituindo aproximadamente 50% das nomeações. O número de efectivos que era de 1435 em Janeiro de 2006 foi reduzido para 715 como resultado de acontecimentos ocorridos no primeiro semestre de 2006. Dos actuais efectivos, 72% provêm dos distritos da parte leste do país. A F-FDTL inclui pessoal do seu quartel-general, uma Unidade de Polícia Militar, o primeiro e o segundo Batalhões, uma Componente Naval, assim como a Logística e Comunicações da Força de Defesa.

140. A supervisão civil da F-FDTL existe na forma do Ministro da Defesa, apoiada por um Ministério. Na prática, o Ministério é mínimo. Teve autorização desde 2004 para o preenchimento de 18 postos a serem ocupados por funcionários públicos civis, mas actualmente possui somente 4 funcionários nacionais e um assessor internacional. Não existe qualquer programa de Defesa que oriente o desenvolvimento da F-FDTL. Existe um quadro legislativo de base na forma de Legislação da UNTAET, uma Lei Orgânica sobre a F-FDTL, e várias instruções administrativas. Só depois da crise se verificou a apresentação de um pacote abrangente de projectos de lei ao Conselho de Ministros. A Comissão nota que muitas das recomendações contidas no Relatório de Los Palos relativamente ao reforço dos sistemas da F-FDTL continuam sem ser implementadas.

(b) A Questão dos Veteranos e a Questão Leste-Oeste no Seio da F-FDTL

141. Existiam já divisões no seio da F-FDTL antes dos acontecimentos de Abril e Maio de 2006.

O Relatório de Los Palos fez notar problemas no relacionamento entre veteranos e novos recrutas. Aparentemente como consequência do estatuto e de factores que se prendem com a sua idade e o seu estado de saúde, aos veteranos mais idosos eram preferencialmente confiadas missões ou tarefas de natureza estática. No contexto da sobre-representação de ex-FALINTIL provenientes da parte oriental do país em postos de oficiais, os desentendimentos facilmente se transformavam em disputas de orientais contra ocidentais. A F-FDTL tomou algumas medidas para aumentar a transparência dos processos, incluindo a introdução de uma nova política de promoções. Ao abrigo desta política, pelo menos 8 capitães e tenentes oriundos da parte oriental do país não foram promovidos devido à quebras de disciplina e de outras razões, ao passo que pelo menos 6 oficiais oriundos da parte ocidental foram promovidos com base no mérito.
Todavia, as divisões continuaram a existir no seio da F-FDTL.

(c) Fracos Mecanismos de Responsabilização

142. A F-FDTL possui um Código de Disciplina Militar que prevê de forma detalhada os procedimentos a observar em casos de disciplina, bem como disposições no seio da Lei que a rege relativamente à responsabilização dos membros da F-FDTL em termos de processamento judicial por cometimento de crimes. Contudo, poucos casos de alegada conduta criminal são trazidos perante os tribunais e os processos internos de disciplina sofrem de atrasos e de falta de transparência.

(d) Tratamento da Petição e Exoneração dos Peticionários

143. O tratamento dado às queixas apresentadas pelos peticionários contribuiu significativamente para a crise. Sem necessitar de chegar a qualquer conclusão final sobre o mérito das reclamações dos peticionários, torna-se aparente para a Comissão que houve faltas significativas relativamente ao tratamento institucional desta questão. Em primeiro lugar, a falta de um procedimento estabelecido e transparente para tratamento de reclamações /solução de reclamações representou um impedimento significativo à capacidade de a instituição responder em tempo oportuno às reclamações internas. Este foi particularmente o caso em relação à queixas de discriminação sistémica por parte das pessoas em postos de comando. Embora o Comando da F-FDTL tenha sublinhado a importância da cadeia hierárquica de comando para o exame das reclamações, parece não haver qualquer procedimento detalhado para reger a forma como as queixas poderiam ser formalmente examinadas e revistas. Em segundo lugar, a lentidão da reacção institucional no seio da F-FDTL inerente à objecção relativamente à “forma” da petição como um documento não assinado e ao facto de a mesma petição ter sido enviada ao Presidente da República significou que a oportunidade para uma rápida intervenção foi perdida.

Em Fevereiro criou-se uma comissão de inquérito. Contudo, os seus membros incluíam pessoas referidas pelos peticionários como tendo estado envolvidas em condutas discriminatórias. Na ausência de um consenso entre os peticionários e a F-FDTL quanto aos meios adequados de investigação, o processo desintegrou-se e os peticionários abandonaram os seus quartéis. Esta situação levou à exoneração em massa dos peticionários em Março.

144. Embora reconhecendo que o Chefe da Força de Defesa foi confrontado com um abandono em massa de pessoal e com a necessidade de manter a disciplina a nível da instituição, a Comissão nota significativas discrepâncias entre a acção por ele tomada e os procedimentos exigidos por lei.3 O Chefe da Força de Defesa fez um anúncio público no dia 16 de Março em que afirmou que os peticionários deveriam ser considerados civis a partir de 1 de Março. A Força de Defesa havia solicitado o parecer jurídico do assessor jurídico internacional colocado no Conselho de Ministros. Não existia assessoria jurídica no seio da F-FDTL ou do Ministério da Defesa. O parecer jurídico foi concluído no dia 20 de Março. Não está claro se a decisão do Chefe da Força de Defesa teve lugar antes ou depois da emissão do parecer jurídico. O parecer concluiu que os peticionários podiam ser considerados como tendo abandonado voluntariamente os seus postos e recomendou que se instituíssem processos indivíduos de exoneração. O mesmo parecer foi anexado a uma carta datada de 21 de Março do Chefe da Força de Defesa para o Ministro da Defesa e através da qual o Ministro foi informado do resultado. Os peticionários afirmam que ouviram falar da decisão através dos meios de comunicação social. Embora o Ministro da Defesa considerasse que a exoneração dos peticionários fosse generosa para os mesmos na medida em que, de outra forma, eles poderiam ter sido acusados de rebelião, não se instituiu claramente qualquer processo devido. As Instruções Administrativas que regem as exonerações recomendam um análise de casos a título individual perante razões particulares, diferentes decisórios para processos que envolvam a exoneração de oficiais e a exoneração de não oficiais, e estabelecem procedimentos de notificação através dos comandantes das diferentes unidades.
Os casos de pedidos de demissão são também analisados observando este procedimento. A Comissão é de opinião que a decisão de exoneração tomada sem observar os procedimentos adequados contribuiu significativamente para o aumentar da tensão e é exemplo óbvio de significativas debilidades institucionais.

3 Nos termos do Decreto-Lei de Timor-Leste de 5 de Maio de 2004 sobre a Estrutura Orgânica da FALINTIL –Força de Defesa de Timor-Leste (FALINTIL-FDTL) (Decreto-Lei No. 7/2004), as disposições em matéria de disciplina continuavam a depender de leis aprovadas pela UNTAET. Ao abrigo do Regulamento da UNTAET sobre a Criação de uma Força de Defesa para Timor-Leste Regulamento No. 2001/1), foram criadas as bases para a exoneração de oficiais, mas os procedimentos deveriam ser clarificados por meio de uma Instrução Administrativa a ser aprovada posteriormente. Para as outras patentes, as bases e os respectivos procedimentos foram deixados para tratamento posterior por meio de uma Instrução Administrativa. As Instruções Administrativas eram promulgadas pelo Chefe da Força de Defesa para ambos os propósitos: para oficiais: AI Staff 015, de 30 de Outubro de 2003; e para outras patentes: AI Staff 003, de 30 de Outubro de 2003.

(e) Os Acontecimentos de Abril e Maio de 2006

Autorização da Intervenção da F-FDTL

145. Quando chamada a proporcionar assistência militar ao poder civil (cujo processo é analisado nos parágrafos 163 a 166), a F-FDTL estava pouco preparada para levar a cabo tal missão. A Comissão conclui que a responsabilidade por esta situação reside no Ministro da Defesa e no Chefe da Força de Defesa. Os meios de realização de tais operações não haviam sido detalhados de forma pormenorizada em instrumentos, deixando unicamente a prescrição geral contida na Lei Orgânica. As unidades de linha da F-FDTL não haviam levado a cabo exercícios de treinos com a PNTL. Os treinos da F-FDTL centravam-se sobre acções relevantes para a defesa nacional e não abrangiam funções de obrigação de cumprimento da lei por parte de civis. Antes do seu destacamento no dia 28 de Abril, uma avaria nos sistemas de comunicação obrigou a que houvesse repetidas colunas de viaturas da F-FDTL viajando entre Rai Kotu e Taci Tolu. As ordens de destacamento foram transmitidas verbalmente, deixando algum espaço para confusão. Comandantes destacados em localidades distintas não se encontravam equipados para poderem comunicar-se entre si, excepto através do envio de mensageiros ou de viaturas de patrulha. Durante o destacamento, o grande volume de fogo empregue pelos militares fez com que a comunidade acreditasse nos rumores sobre mortes em massa e aumentou a hostilidade em relação à F-FDTL.

146. Levantaram-se também questões de coordenação no destacamento da F-FDTL em Fatu Ahi no dia 23 de Maio. Embora membros seniores da F-FDTL tivessem participado numa reunião de coordenação com a PNTL na manhã da patrulha conjunta que havia sido acordada, aparentemente a informação obtida relativamente à localização do Major Reinado não foi comunicada aos soldados da F-FDTL que já haviam saído da sua unidade para realizarem a patrulha conjunta.

Transferência de Armas a Civis

147. A transferência de armas da F-FDTL encontra-se descrita nos parágrafos 95 a 96 supra. A Comissão conclui que, ao armarem civis, o Ministro da Defesa e o Chefe da Força de Defesa actuaram sem base legal e criaram uma situação de perigo potencial significativo. Este perigo concretizou-se no incidente ocorrido no Mercado Lama descrito no parágrafo 87.

Confronto Armado entre a F-FDTL e a PNTL no dia 25 de Maio

148. Por altura do dia 25 de Maio o comando da F-FDTL considerava que a F-FDTL estava debaixo de uma campanha de ataques por parte da PNTL. Responderam militarmente. O confronto armado ocorrido no dia 25 de Maio deve ser visto tendo como pano de fundo uma falta de coordenação e de comunicação entre a PNTL e a F-FDTL. Todavia, torna-se também aparente que o comando da FFDTL só tomou passos limitados para averiguar o grau de ameaça colocado ou para utilizar canais não militares com vista a resolver a julgada ameaça. No dia 25 de Maio o Alto Comando da F-FDTL não tentou no momento contactar as pessoas que se encontravam no comando operacional da PNTL ou envolver o Primeiro-Ministro ou o Presidente da República na resolução da situação. A Comissão é de opinião que era dever do Chefe da Força de Defesa esgotar todas as vias ou para evitar ou para pôr termo ao confronto com a PNTL.

4. PNTL

(a) Estrutura e Composição da PNTL

149. A PNTL foi criada em Agosto de 2001 durante o período de Administração da UNTAET. As Nações Unidas detiveram a autoridade executiva sobre as acções de policiamento até ao dia 20 de Maio de 2004, altura em que houve uma transferência dessa autoridade para o Comandante-Geral da PNTL. Dos 2000 recrutados inicialmente, 370 haviam antes servido na força de polícia da Indonésia. Em 2006 os números de membros da PNTL já haviam aumentado para mais de 3000. Para além das formações a nível dos distritos, a PNTL tinha um serviço de informação secreta (inteligência), um serviço de migração, três unidades especiais – a UIR, a UPF e a URP – e uma série de unidades subsidiárias. A supervisão civil era feita na forma do Ministro do Interior e do Ministério, embora o Ministério tenha no seu quadro de pessoal mais polícias do que civis. O Decreto-Lei sobre a Lei Orgânica da Polícia Nacional de Timor-Leste (PNTL) prevê que o Comandante-Geral da PNTL (e a PNTL) se “subordinem” ao Ministro do Interior e sejam expressamente obrigados a executar ordens do Ministro.

(b) Facciosismo e Politização

150. A PNTL estava frágil antes de Abril de 2006. A fragilidade prendia-se não somente com preocupações sobre o nível de competências profissionais dos membros da PNTL, cujo treinamento havia sido relativamente curto e segmentado, mas também era agravada pelo facciosismo e politização da instituição. Formaram-se grupos cujas bases assentavam em identidades anteriormente existentes (ex-polícia da Indonésia, ex-resistência, ex-estudantes universitários da Indonésia) e que se aglutinaram em torno de comandantes seniores. A Comissão foi também informada de que a PNTL se havia tornado dividida e politizada como resultado das acções do Ministro do Interior. Foi dito que essas acções assumiram a forma de emissão de ordens operacionais (inclusivamente para fins pessoais ou político-partidários), que minavam a cadeia de comando e davam um tratamento selectivo aos processos de natureza disciplinar. Em consequência, surgiu uma estrutura paralela de comando. Outros grupos foram se formando no seio da PNTL com base no seu relacionamento com o Ministro. Era evidente alguma tensão em termos de oriundos do leste e oriundos da parte ocidental do país no seio da PNTL antes da crise. Levantaram-se preocupações sobre isso por ocasião do Diálogo Nacional em Agosto de 2004. Nesse mesmo ano surgiu o movimento Nacionalista formado por 80 membros da instituição oriundos da parte leste do país. Este movimento Nacionalista criticou publicamente a instituição da PNTL e o seu Comandante-Geral. Tal situação levou à instauração de processos disciplinares por “deslealdade” contra 21 membros da PNTL. O Ministro do Interior recomendou igualmente que o Comandante-Adjunto para a Administração fosse destituído do seu posto não obstante o facto de o mesmo não ter sido sujeito a um processo disciplinar. Daí a PNTL contar já com fissuras significativas nas suas linhas por altura da crise.

(c) Sistemas Frágeis de Responsabilização

151. Em face de repetidas queixas de má conduta contra membros da PNTL, esta instituição prestou atenção ao reforço dos sistemas internos de responsabilização. Foram criados o Gabinete de Ética Profissional e o Serviço de Inspecção a nível do Ministério do Interior. Contudo, os processos eram minados por uma ausência de recursos e devido à interferências de ordem política. Vários membros da PNTL referidos na Secção IV como sendo razoavelmente suspeitos de conduta criminal durante os acontecimentos aqui em análise haviam previamente sido objecto de repetidas queixas de ordem disciplinar. Foram-lhes impostas penas relativamente ligeiras.

(d) Os acontecimentos de Abril e Maio de 2006

A Resposta da Polícia à manifestação e aos acontecimentos do dia 28 de Abril

152. Os acontecimentos relacionados com a resposta da polícia à violência ocorrida no Palácio do Governo no dia 28 de Abril de 2006 encontram-se descritos nos parágrafos 47 a 48. A Comissão considera que o tratamento operacional desta violência foi deficiente. Embora o comando da PNTL tivesse recebido dos peticionários garantias de uma manifestação pacífica, a natureza da manifestação e as crescentes tensões patentes no dia 28 de Abril exigiam uma prontidão mais robusta da parte da polícia.

153. Um número inadequado de membros da PNTL esteve presente no Palácio do Governo. Na altura em que a violência começou, os recursos da polícia eram limitados a um pelotão do Grupo de Trabalho de Dili, 16 membros da UIR, e alguns membros distritais da PNTL. Dada a falta de um plano de contingência e a tendência de os membros de baixa patente dependerem dos seus comandantes seniores, os membros da PNTL no local estavam confusos quanto às suas responsabilidades operacionais na ausência dos comandantes seniores. A nível do quartel-general, a intervenção agitada do Ministro do Interior, incluindo o levantamento por ele de uma arma a partir do depósito de armas, teriam contribuído para a instauração de um ambiente de pânico.

154. Muitos membros da polícia presentes no local da manifestação não possuíam equipamento suficiente para levar a cabo as suas funções. Os membros regulares da PNTL tinham somente as suas armas. Nem todos os membros da UIR possuíam conjuntos completos de equipamento anti-motim. Somente alguns membros possuíam máscaras de protecção quando o gás lacrimogéneo foi utilizado. As bases dos rádios receptores operavam de forma ineficiente, o que restringiu gravemente as comunicações via rádio e os comandantes não conseguiam transmitir as suas ordens operacionais de forma efectiva. Quer parecer que as informações secretas (inteligência) recebidas através do Serviço de Informações da Polícia não receberam o devido tratamento ou não foram utilizadas. Foi também óbvia uma semelhante falta de coesão e de uniformidade na resposta da PNTL aos incidentes de violência ocorridos em Comoro.

155. A Comissão nota que o comando da PNTL não lançou uma investigação imediata. O Comandante-Geral Paulo Martins disse à Comissão que solicitou relatórios de alguns membros seniores mas que esses mesmos relatórios não lhe foram entregues. Este nível de disfunção por sua vez significou que a instituição não possuía mecanismos para assisti-la na sua própria correcção, nem para instilar confiança na população de que as falhas ou a má conduta individual seriam objecto de tratamento adequado. Níveis significativos de desconfiança foram crescendo tanto no interior como fora da PNTL quanto às razões para o fracasso. Esta desconfiança serviu para fracturar ainda mais a já frágil PNTL.

Acontecimentos em Gleno no dia 8 de Maio

156. Dado o contexto descrito no parágrafo 61 supra, a Comissão considera as decisões operacionais tomadas em resposta à situação como tendo sido deficientes. O destacamento de 6 membros da UIR oriundos da parte leste do país foi uma decisão questionável tendo em conta o clima de tensão em torno de polícias provenientes daquela parte do país e da UIR depois dos acontecimentos de 28 de Abril. Os polícias em número relativamente reduzido já presentes no local não tentaram revistar a multidão para averiguar a existência de armas ou para tomar qualquer outra medida preventiva como o estabelecimento de um cordão de segurança. Quando o Comandante-Adjunto para as Operações Babo se deslocou a Gleno, estava acompanhado por um pequeno número de polícias.

As limitadas precauções então tomadas para proteger os polícias desarmados da UIR oriundos da parte leste do país contribuíram para o consequente ferimento de um desses polícias e a morte de um outro.

157. A Comissão conclui que o Comandante-Geral da PNTL, na qualidade de responsável pelas operações diárias da PNTL, tem a responsabilidade principal pelas falhas operacionais da PNTL em relação ao ocorrido no dia 28 de Abril e no dia 8 de Maio. Todavia, tais acções não podem ser divorciadas das debilidades e divisões previamente existentes no seio da PNTL. Neste contexto, a Comissão conclui também que a responsabilidade é também atribuível ao Ministro do Interior pela sua falha em dar o devido tratamento a tais questões.

A quebra da cadeia de comando da PNTL e os acontecimentos de 23-25 de Maio

158. Os meses de Abril e Maio testemunharam a quebra total da cadeia de comando da PNTL. Os acontecimentos ocorridos em Gleno, particularmente a resultante suspeita de que as decisões de comando tomadas pela hierarquia da PNTL eram motivadas por um sentimento a favor da parte ocidental do país, resultaram num aprofundamento da tensão leste-oeste no seio da PNTL.

Nessa altura o Comandante-Adjunto para as Operações foi instruído pelo Comandante-Geral Paulo Martins no sentido de permanecer em Gleno para sua segurança. Deste modo ele não esteve disponível para as suas funções de comando operacional. O Comandante-Adjunto da PNTL para a Administração cessou as suas funções pouco depois. O Comandante-Geral da PNTL esteve ausente por razões de doença durante parte do mês de Maio. No dia 24 de Maio, o Comandante-Geral abandonou o seu posto, saiu de Dili e permaneceu incomunicado. Isto ocorreu depois que ele foi informado que a FFDTL iria atacar e que ele era um alvo. O Comandante-Geral levou consigo uma segurança de aproximadamente 10 polícias pesadamente armados. Assim, a partir do dia 24 de Maio, não havia nenhum alto responsável no controlo da PNTL ou alguém disponível para orientar a instituição.

159. A Comissão tratou da questão do abandono do comando operacional da PNTL no parágrafo 47 supra. A Comissão considera este acto como estando directamente relacionado com o facciosismo preexistente no seio da PNTL. Quer parecer que o próprio Comandante-Geral da PNTL perdeu confiança nos membros da instituição oriundos da parte leste do país no início do mês de Maio, conforme exemplificado pela sua autorização no sentido da redistribuição de armas semi-automáticas por polícias de “confiança” oriundos da parte ocidental do país e do treinamento destes em separado. Esta acção aprofundou ainda mais as tensões leste-oeste e os desequilíbrios existentes no seio da PNTL. Embora o comando da PNTL não tivesse sancionado os ataques de 23 e 24 de Maio que envolveram alguns dos seus membros, esses ataques estão relacionados com a quebra na cadeia de comando, com o facciosismo existente, e com uma prática previamente existente de limitada responsabilização. A Comissão considera que o abandono de posto no dia 24 de Maio pelo Comandante-Geral da PNTL constituiu um grave abandono do dever que deixou a PNTL a operar sem o apoio da liderança superior. A Comissão considera também que, no exercício das suas funções como o responsável político da PNTL, o Ministro do Interior não tomou passos suficientes para responder à quebra verificada na cadeia de comando da instituição policial.

Armamento de civis e armamento irregular da PNTL

160. Conforme descrito nos parágrafos 89 a 94 supra, o Ministro do Interior armou civis, alguns dos quais estiveram mais tarde alegadamente envolvidos no cometimento de actos criminosos. O Comandante-Geral Paulo Martins esteve também envolvido na redistribuição de armas a membros da PNTL oriundos da parte ocidental do país e na retirada de armas a partir do Depósito Nacional de Armas da PNTL sem o conhecimento do funcionário responsável pelo Depósito de Armas conforme descrito no parágrafo 97. Constitui uma questão de grave preocupação para a Comissão o facto de que, não obstante a existência de um mínimo de procedimentos formais para a saída de armas do Depósito de Armas, tanto o Ministro do Interior como o Comandante-Geral contornaram tais procedimentos formais mínimos. A falta de pesos e contrapesos de fiscalização em relação a uma questão tão séria como é o controlo de armas constitui uma significativa falha institucional. A responsabilidade deve ser atribuída ao Ministro do Interior e ao Comandante-Geral da PNTL.

5. O Governo

161. Conforme as secções anteriores deixaram claro, a responsabilidade principal pelos problemas no seio da F-FDTL e da PNTL reside naquelas pessoas à frente do comando operacional e nos respectivos Ministros. Ainda assim o Governo, sendo o órgão com a responsabilidade geral pelo desenvolvimento das políticas, tinha igualmente a responsabilidade de responder aos graves problemas prevalecentes no seio e entre as instituições.

162. Está claro para a Comissão que o Governo, através da liderança do Primeiro-Ministro, esteve activo na busca de soluções políticas para a questão dos peticionários. Na sequência dos acontecimentos de 28 de Abril, o Governo respondeu prontamente com a criação de três comissões especializadas:

a Comissão de Notáveis (para examinar a substância das reclamações dos peticionários);
a Comissão para a Verificação de Dados sobre Mortes e Feridos (relativamente às alegações do dia 28/29 de Abril);
e a Comissão para o Levantamento do Volume das Destruições de Bens.

Outras indicações da prontidão do Governo para responder à crise então em curso incluem a convocação de reuniões de alto nível sobre segurança e o encorajamento da cooperação entre a PNTL e a F-FDTL.

163. Todavia, à luz da gravidade dos problemas que se haviam desenvolvido no seio e entre essas instituições, a Comissão conclui que o Governo foi insuficientemente pró-activo.

Preocupações sobre o comportamento inadequado do Ministro do Interior haviam sido repetidamente colocadas junto do Primeiro-Ministro em anos anteriores, inclusivamente pelo Presidente da República. Tais preocupações não foram atendidas de forma adequada. O Governo falhou na tomada de passos suficientes para debelar as tensões entre a PNTL e a F-FDTL. Não foi elaborada qualquer política nacional de segurança nem foi exigida qualquer outra acção aos respectivos ministros. A decisão do Chefe da Força de Defesa no sentido de exonerar os peticionários não foi discutida pelo Conselho de Ministros.

Autorização da Intervenção da F-FDTL

164. O apelo à intervenção da F-FDTL em ajuda ao poder civil encontra-se descrito nos parágrafos 52 a 55. Dada a natureza de uma tal decisão, a Comissão está preocupada relativamente à forma como ela foi tomada. A Comissão não está na posição de avaliar se existia uma situação de “ruptura grave ou generalizada da ordem pública” ao cair da noite do dia 28 de Abril de modo a justificar o apelo à intervenção da F-FDTL. A Comissão está na posição de concluir que o Governo não observou os procedimentos previstos na Lei Orgânica da F-FDTL que regulamentam uma tal acção. Estas omissões são significativas na medida em que os procedimentos servem como uma importante fiscalização contra acções arbitrárias ou injustificadas por parte do Governo.

165. A Comissão nota numerosas violações da Lei Orgânica. Nem todos os membros exigidos por lei estiveram presentes na reunião do Gabinete de Crise na residência do Primeiro-Ministro. O Presidente não foi nem notificado nem convidado a participar nessa reunião. Não foi obtido o seu acordo antes do destacamento da F-FDTL. Não obstante o mau funcionamento do sistema telefónico no dia 28 de Abril, nenhuma tentativa foi feita no sentido de contactar o Presidente através de métodos alternativos. A falha de envolver o Presidente da República reveste-se de particular preocupação dado o seu papel como Comandante-em-Chefe da F-FDTL. Mais ainda, quando se tomou a decisão de envolver a F-FDTL, não foi feita qualquer declaração formal de um estado de crise. Não foi feito qualquer documento delineando a base para a declaração, o âmbito territorial da declaração, o grau de intervenção pelas autoridades militares e os poderes conferidos, e a forma de cooperação entre a FFDTL e a PNTL ou as decisões de comando para as operações no terreno. Embora um relatório subsequentemente enviado ao Parlamento inclua uma instrução assinada pelo Primeiro-Ministro, a Comissão está convencida de que tal instrução não foi escrita na altura da reunião.

166. O Primeiro-Ministro disse à Comissão que não fora emitida nenhuma ordem escrita para a FFDTL, mas explicou que a urgência da questão não permitiu uma tal acção. A falha em emitir uma ordem escrita criou confusão quanto ao âmbito exacto da autorização do desdobramento da F-FDTL. Ao entrevistar membros do Gabinete de Crise, a Comissão notou significativas variações nas percepções daquilo que foi autorizado, nomeadamente as áreas geográficas do desdobramento das forças da F-FDTL.

167. Além disso, a Comissão já notou no parágrafo 54 que alguns membros da F-FDTL, nomeadamente da polícia militar, haviam sido autorizados a intervir no dia 28 de Abril antes da realização de qualquer reunião do Gabinete de Crise. Esta acção fora unilateralmente autorizada pelo Primeiro-Ministro.

168. A responsabilidade pela falta de procedimentos e controlo adequados relativamente ao apelo para intervenção da F-FDTL a fim de ajudar o poder civil deve recair colectivamente sobre aqueles membros do Gabinete de Crise que estiveram presentes. Todavia, uma particular responsabilidade recai sobre o então Primeiro-Ministro na sua capacidade de Chefe do Governo e como autor das instruções dadas à F-FDTL.

Resposta às alegações de distribuição de armas a civis

169. As provas perante a Comissão estabelecem que o Primeiro-Ministro Mari Alkatiri estava ao corrente das alegações de transferência de armas a civis pelo menos por volta do dia 21 de Maio. Na reunião havida no dia 21 de Maio houve referência específica à questão das armas conforme descrito no parágrafo 93. O Primeiro-Ministro Mari Alkatiri tentou organizar uma auditoria às armas, embora esta acção tivesse sido vista como inviável assim que o Comandante-Geral da PNTL o informara de que haviam sido enviadas armas para fora de Dili por razões de segurança.

Outros membros do Governo presentes não revelaram informações de uma maneira total. O Primeiro-Ministro não usou a sua firme autoridade para denunciar a transferência de armas a civis. Nenhuma outra medida foi tomada pelo Primeiro-Ministro para tratar desta questão. Três dias depois o Ministro da Defesa concordou precisamente com este curso de acção.

5. O Presidente

170. Os poderes do Presidente da República encontram-se definidos na Constituição. Embora os poderes específicos do Presidente sejam relativamente limitados, a ampla natureza das suas funções, conjugada com o seu estatuto pessoal como o grande líder da luta pela independência, criaram um grande potencial para a não clareza das responsabilidades relativamente à governação. Embora seja evidente que o Presidente actuou adequadamente em relação ao comportamento inicial dos peticionários ao mandá-los de volta para a F-FDTL, alguns dos seus últimos pronunciamentos e actos mostram que o potencial para a não clareza das responsabilidades se concretizou.

171. Relativamente ao discurso de 23 de Março de 2006 (conforme descrito no parágrafo 36), a Comissão considera que o Presidente da República deveria ter mostrado maior contenção e respeito pelos canais institucionais esgotando os mecanismos disponíveis, tal como o Conselho Superior de Defesa e Segurança, antes de fazer um discurso público à nação. Similarmente, a Comissão nota que, ao intervir pessoalmente junto do Major Reinado (conforme descrito no parágrafo 60), o Presidente da República não consultou nem cooperou com o comando da FFDTL, aumentando desta forma a tensão entre o Gabinete do Presidente e a F-FDTL.

6. UNOTIL

172. O papel da UNOTIL nos acontecimentos de 25 de Maio encontra-se descrito nos parágrafos 79 a 85 supra. A UNOTIL tencionava claramente fazer algo para pôr termo ao confronto armado. A Comissão nota que o pessoal da UNOTIL que interveio à título individual procedeu assim correndo grandes riscos à título pessoal. A Comissão constatou já previamente que o tiroteio contra os membros da PNTL depois que o cessar-fogo havia sido estabelecido constituiu uma acção criminosa não autorizada praticada por soldados da F-FDTL à título individual. Tanto o Chefe da Força de Defesa como o pessoal da UNOTIL acreditava que o cessar-fogo seria respeitado. Em tais circunstâncias, a responsabilidade pelo tiroteio contra os membros da PNTL não pode ser atribuída à UNOTIL.

173. Entretanto, a Comissão nota que houve insuficiências no preparo e na abordagem da UNOTIL a esta intervenção. Não foi reunida qualquer equipa de gestão de crise para facilitar a junção de informações relevantes e para a identificação de uma estratégia clara, incluindo uma estratégia de comunicação, com as autoridades nacionais. Nenhum plano colectivo foi divisado para a intervenção. Não parece ter havido o estabelecimento de suficientes canais de comunicação antes de ou durante a intervenção para permitir o exercício de um controlo efectivo por parte da liderança superior da UNOTIL. Nenhuma directiva específica foi dada às pessoas que se ofereceram voluntariamente para intervir. Quer parecer que se depositaram grandes esperanças nas experiências pessoais de militar e de polícia de determinados indivíduos. Uma abordagem mais coordenada poderia ter permitido um maior uso dos recursos colectivos da UNOTIL na sua intervenção.

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Relatório da CI - III. FACTOS E CIRCUNSTÂNCIAS SOBRE OS ACONTECIMENTOS DE ABRIL E MAIO DE 2006

III. FACTOS E CIRCUNSTÂNCIAS SOBRE OS ACONTECIMENTOS DE ABRIL E MAIO DE 2006

37. A narrativa dos acontecimentos que se segue constitui o produto da primeira componente do mandato da Comissão e o resultado da sua função de constatação de factos. Ela tem como base todo o material recebido pela Comissão, que consiste em mais de 200 depoimentos de testemunhas entrevistadas pela Comissão e em 2000 outros documentos e peças de material.

As conclusões sobre os factos e as circunstâncias foram tiradas com base no critério da suspeita razoável adoptado pela Comissão. As situações em que a Comissão não conseguiu formar uma opinião conclusiva utilizando este critério encontram-se indicadas de forma explícita no texto.
Manifestação dos Peticionários;

Organização pré-manifestação

38. Entre os dias 24 e 28 de Abril de 2006 realizou-se uma manifestação defronte ao Palácio do Governo em Dili. Aparentemente organizada e controlada pelos peticionários, essa manifestação buscava a resolução de práticas alegadamente discriminatórias contra os provenientes da parte ocidental do país no seio da F-FDTL.

39. No período de 19 a 23 de Abril de 2006 houve negociações durante vários dias entre os peticionários e oficiais seniores da PNTL relativamente à realização da pretendida manifestação.

A Polícia Militar não foi envolvida. Foram feitos planos coordenados em matéria de segurança. Os peticionários assumiram a responsabilidade pela segurança no local da manifestação. Foram destacados seis peticionários para revistarem diariamente todos os manifestantes. O tenente Gastão Salsinha, porta-voz dos peticionários, tinha a responsabilidade de controlar o microfone e o altifalante examinando cuidadosamente aqueles que fossem designados para discursar. O Comandante Distrital de Dili deveria ser contactado caso se afigurasse necessária a ajuda da PNTL em termos de segurança interna. A PNTL era responsável por qualquer incidente que se produzisse na parte externa. Na véspera do início da manifestação, o Comandante-Geral da PNTL, Paulo Martins, emitiu uma ordem escrita relativamente ao desdobramento da PNTL e ao uso da força. Tal ordem contemplava o envolvimento da polícia do distrito de Dili na realização de patrulhas à pé, o envolvimento da Unidade de Protecção Física (Close Protection Unit) para a protecção aos VIPs (Individualidades Muito Importantes) do Estado, e a Unidade de Reserva da Polícia para patrulhamento em “zonas críticas”. Um pelotão do Grupo de Trabalho (Task-Force) de Dili deveria proporcionar assistência. Dois pelotões de membros da UIR (Unidade de Intervenção Rápida) deveriam ficar de prevenção para qualquer eventualidade. O Comandante-Geral da PNTL concordou subsequentemente com o desdobramento activo da UIR. O uso de armas de fogo e de gás lacrimogéneo foi proibido sem que houvesse autorização expressa. As negociações culminaram com uma conferência de imprensa no dia 23 de Abril de 2006 durante a qual os peticionários garantiram que a manifestação seria pacífica e o Comandante-Geral da PNTL afirmou que a mesma seria terminada imediatamente caso se tornasse violenta.

Os Primeiros Quatro Dias: 24 a 27 de Abril

40. Na segunda-feira dia 24 de Abril de 2006 os peticionários e seus simpatizantes reuniram-se em Carantina, Taci Tolu, a fim de marcharem sob escolta da polícia rumo ao Palácio do Governo.
Na sua maior parte, os peticionários envergavam uniformes da F-FDTL. Estavam desarmados. Uma vez postados defronte do Palácio do Governo, aí permaneceram, em números que flutuavam, até ao dia 28 de Abril de 2006. As fileiras dos peticionários e seus simpatizantes aumentaram manifestamente a partir do segundo dia dos protestos com a chegada de terceiros, particularmente membros do grupo conhecido como Colimau 2000.

41. Foram ocorrendo incidentes isolados de violência com uma frequência crescente por toda a cidade de Dili ao longo da semana da manifestação. No dia 25 de Abril um quiosque com bens na área de praia de Lecidere foi destruído, dois jovens foram assaltados e as tendas de venda no mercado de Taibessi pertencentes a pessoas oriundas da parte oriental do país foram queimadas. No mesmo dia Ozório Leki, porta-voz do grupo Colimau 2000, fez um discurso no local da manifestação em que ameaçou soltar a multidão caso a polícia não conseguisse pôr fim ao ataque contra os detentores de tendas de venda no mercado. Ozório Leki afirmou ainda que seria empregue a violência para assegurar uma mudança de Governo. Foram novamente queimadas tendas de venda no mercado de Taibessi no dia seguinte, tendo um membro da PNTL que se encontrava de folga sido atacado naquela área. O tenente Gastão Salsinha permitiu que o Sr. Ozório Leki fizesse uma outra intervenção no dia 26 de Abril na qual este empregou linguagem inflamatória contra a parte oriental do país. O Primeiro-Ministro Mari Alkatiri foi informado da presença de Ozório Leki entre os peticionários bem como do uso de retórica contra o Governo.

42. Os peticionários esperavam que um representante do Governo se deslocasse ao local da manifestação e falasse com os mesmos. A questão assumiu importância crítica durante as discussões entre o Governo e os peticionários no dia 27 de Abril. O Primeiro-Ministro propôs a criação de uma Comissão Governamental que deveria apresentar um relatório dentro de um período de três meses sobre as questões colocadas pelos peticionários juntamente com o pagamento de um subsídio para assistir os peticionários na sua reintegração nos distritos, mas recusou um pedido no sentido de fazer uma intervenção pública apresentando a proposta aos mesmos peticionários no Palácio do Governo. O Ministro dos Negócios Estrangeiros José Ramos-Horta aceitou abordar os peticionários no dia seguinte.

Manhã do dia 28 de Abril de 2006

43. Com a manifestação prevista para terminar à 01.00 hora da tarde de sexta-feira, 28 de Abril, tornou-se evidente logo no início da manhã uma tangível mudança na atmosfera a nível da multidão reunida em frente ao Palácio do Governo. O Ministro dos Negócios Estrangeiros era esperado às 09.00 da manhã. O Ministro acreditava contudo que estava previsto ele estar lá às 03.00 horas da tarde. Uma lenta mas picante irritação devido à não comparência do Ministro atingiu o ponto de ebulição por volta do meio-dia. A partir de cerca das 10.00 horas da manhã ameaças de violência e incidentes esporádicos de confrontação haviam começado a ocorrer. O lançamento de pedras iniciou cerca das 11.30 horas daquela manhã. Além disso, a quantidade de terceiros presentes dentre os peticionários, que crescia desde o dia 25 de Abril, aumentou subitamente. O tenente Gastão Salsinha não conseguiu controlar a ira dos jovens que se haviam juntado aos protestos. Nesta atmosfera, o sentimento segundo o qual os peticionários estavam dispostos a morrer pela sua causa ganhou substância.

44. Tudo isso era do conhecimento do comando superior da PNTL. Numa reunião havida às 09.00 horas da manhã, o Comandante-Geral da PNTL deu instruções no sentido de se impedir que qualquer novo manifestante se juntasse à manifestação. Todavia, cerca das 10.00 horas da manhã, na sequência do pedido feito por um peticionário, tenente Florindo dos Reis, o Comandante-Geral autorizou que mais 100 manifestantes fossem admitidos. Por volta das 11.30 horas da manhã, os membros do Grupo de Trabalho do distrito de Dili e da PNTL de outros distritos montaram dois cordões humanos com a face voltada para os manifestantes. Mais ou menos à mesma hora equipas de membros da UIR foram reposicionados do Palácio do Governo para Becora e Comoro. O Comandante da UIR afirmou que tal reposicionamento fora ordenado pelo Comandante-Adjunto da PNTL para as Operações de nome Ismael da Costa Babo. Esta afirmação é negada pelo Comandante-Adjunto da PNTL para as Operações Babo. O Comandante-Geral da PNTL não foi informado do reposicionamento. A PNTL bloqueou a Estrada da Praia (Beach Road), mas os seus elementos foram insuficientes em número para bloquear igualmente a rua ao lado. Cerca das 11.45 horas da manhã os manifestantes começaram a desfraldar as bandeiras de manifestação que traziam.

Um comandante de nível sénior da PNTL disse à Comissão que ele próprio entendeu tal gesto como constituindo um sinal de que algo estava prestes para acontecer.

45. A crescente deterioração da estabilidade no local da manifestação era também do conhecimento do Primeiro-Ministro Mari Alkatiri. Ele deu instruções por via telefónica ao Ministro do Interior no sentido deste enviar reforços para o Palácio do Governo. Telefonou ao Presidente Xanana Gusmão, o qual concordou telefonar para o tenente Gastão Salsinha. Cerca das 10.00 horas da manhã, o Primeiro-Ministro telefonou ao Chefe do Estado-Maior da F-FDTL, Coronel Lere Anan Timor, Comandante em exercício da F-FDTL. O Primeiro-Ministro ordenou-o que mantivesse a Força de Defesa em estado de prontidão. Dois pelotões do 1º Batalhão da F-FDTL estacionado em Baucau foram preparados. Cerca das 11.00 horas da manhã, o Primeiro-Ministro telefonou novamente para o Coronel Lere Anan Timor para o informar de que a situação se havia deteriorado ainda mais e o instruir no sentido de enviar membros da Polícia Militar em apoio à PNTL. O Coronel Lere Anan Timor ordenou que seis membros da Polícia Militar se deslocassem para o local da manifestação.

Cerca das 11.45 horas da manhã, o Primeiro-Ministro recebeu um telefonema do Presidente da República informando-o que se havia encontrado com o Tenente Gastão Salsinha o qual havia prometido tentar controlar a multidão e retirar os peticionários do local da manifestação.

46. Perto do meio-dia, o Primeiro-Ministro Mari Alkatiri, o Presidente da República Xanana Gusmão, e o Ministro do Interior Rogério Lobato conversaram no Hotel Timor por ocasião do encerramento de uma conferência internacional. Quanto às provas disponíveis, a Comissão não conseguiu tirar quaisquer conclusões relativamente ao conteúdo desse encontro. O ex- Primeiro-Ministro afirmou ter expressado o seu ponto de vista ao Presidente da República de que a PNTL se havia desintegrado e que havia a necessidade de chamar as Forças de Defesa para ajudarem. Forneceu declarações inconsistentes sobre se chegara a informar ao Presidente de que já havia instruído que as forças armadas se colocassem em estado de prontidão. O Presidente Xanana Gusmão por sua vez disse à Comissão que não houve discussão quanto à necessidade de chamar as Forças Armadas para intervirem.

Violência no Palácio do Governo

47. Cerca do meio-dia os manifestantes começaram a movimentar-se em direcção ao Palácio do Governo. As duas linhas formadas pela PNTL quebraram quase imediatamente, tendo muitos membros daquela corporação simplesmente fugido. Embora a Comissão tenha ouvido o ponto de vista segundo o qual somente membros da PNTL oriundos da parte ocidental do país tivessem abandonado os seus postos, talvez à pedido da multidão, a informação disponível sugere que a divisão entre aqueles que fugiram e aqueles que não fugiram não se faz com tanta facilidade.

Além disso, pelo menos alguns membros da PNTL foram instruídos pelo Comandante do distrito de Dili no sentido de regressarem para o quartel-general da PNTL. Os poucos membros da UIR que não tinham sido reposicionados foram colocados em frente ao Palácio do Governo e no cruzamento do antigo supermercado Hello Mister. Os membros da Polícia Militar enviados pelo Coronel Lere Anan Timor juntaram-se aos membros da UIR no referido cruzamento.

48. Os manifestantes entraram no Palácio do Governo. Duas viaturas foram queimadas. Escritórios localizados no rés-do-chão do edifício foram saqueados. A multidão atirou pedras contra a polícia. Um membro da polícia foi atacado com uma catana. Os manifestantes gritavam dizendo “atirem contra nós se quiserem” tanto para os membros da UIR como para os membros da Polícia Militar estacionados no cruzamento do antigo supermercado Hello Mister. O Comandante-Geral da PNTL chegou ao local da cena e autorizou o uso de gás lacrimogéneo.

Membros da PNTL fizeram também disparos de arma de fogo. O Comandante-Geral Paulo Martins disse à Comissão que não autorizou isso. Cerca da 01.00 hora da tarde membros seniores da PNTL haviam regressado ao quartel-general da PNTL deixando um limitado número de agentes da PNTL e da UIR no cenário. O Ministro do Interior Rogério Lobato chegou ao quartel-general envergando um colete à prova de bala num estado de espírito altamente agitado e gritando “matem-nos a todos”. O Chefe de Operações da PNTL disse à Comissão que o Ministro do Interior o instruíra no sentido de movimentar a URP de Taibessi para o Palácio do Governo. Os registos da PNTL mostram que foi assinada a entrega de uma metralhadora totalmente automática F2000 e de 2000 cartuchos de munições ao Ministro do Interior pelo Comandante-Geral da corporação. Cerca da 01.30 horas da tarde os manifestantes haviam dispersado. Dois civis haviam sido mortos. Três civis e um membro da PNTL haviam sofrido ferimentos de arma de fogo. Um civil e um membro da PNTL haviam sofrido outros ferimentos graves.

Violência no Mercado de Comoro

49. Após abandonarem o Palácio do Governo os manifestantes regressaram para Taci Tolu, escoltados por membros da PNTL e da Polícia das Nações Unidas (UNPOL). A caminho passaram pelo mercado de Comoro, uma comunidade mista de pessoas oriundas da parte leste e da parte ocidental do país. Um vasto número de pessoas caminhou em direcção ao grupo de peticionários à medida que estes se aproximavam do mercado. Um membro da UIR foi apedrejado pela multidão e disparou pelos menos seis tiros, alguns para o ar e outros para a multidão. Pouco depois disso um pelotão de 21 membros da UIR foi enviado para a rotunda do aeroporto e um segundo pelotão igualmente com 21 elementos da UIR foi enviado para o mercado de Comoro. Cada pelotão tinha três viaturas. Elementos adicionais da UIR, não desdobrados expressamente na área, estavam também presentes no local. O pelotão colocado no mercado foi atacado pela multidão. Em resposta, o comandante do pelotão ordenou o lançamento de gás lacrimogéneo. Os peticionários então passaram pela via assim aberta escoltados por duas das viaturas da UIR. Perto da área do mercado os peticionários foram submetidos a tiros de arma de fogo. O fogo vinha quer de membros da UIR que seguiam nas viaturas da escolta quer dos elementos da multidão. Um civil foi morto por uma arma disparada à longa distância. Oito civis sofreram ferimentos de arma de fogo. Dois membros da polícia e dois civis sofreram outros ferimentos graves.

Violência em Rai Kotu

50. Após passarem por Comoro, os manifestantes em retirada prosseguiram rumo a Taci Tolu, sendo que alguns regressavam para a sua base em Carantina e outros dispersavam pelas montanhas. À medida que o grupo de manifestantes avançava pela área um número superior a cem (100) casas pertencentes principalmente a pessoas oriundas da parte leste do país foram sendo queimadas. Esta destruição selectiva foi observada pelos Comissários durante a sua visita à área em Agosto de 2006.

51. Manifestantes armados de arcos e flechas reuniram-se em Rai Kotu. Cerca das 05.00 horas da tarde duas viaturas da F-FDTL seguindo do quartel-general da Polícia Militar em Caicoli em direcção ao quartel-general da F-FDTL em Taci Tolu e transportando catorze (14) soldados passou em frente desse grupo de manifestantes. Na viagem de regresso, cerca das 05.15 horas da tarde, as viaturas depararam-se com o mesmo grupo, o qual havia edificado uma barricada com uma série de coisas e com pneus a arder. Com o aproximar das viaturas da F-FDTL, os manifestantes lançaram granadas contra as mesmas. Os catorze soldados da F-FDTL ripostaram com disparos de arma de fogo. Alguns soldados desceram das viaturas, enquanto que outros permaneceram nas mesmas. Em cinco minutos foram feitos cerca de 100 disparos. Os atacantes dispersaram. Um civil foi morto em consequência do confronto. Um soldado ficou ligeiramente ferido no seu dedo como resultado da explosão de uma granada. Alguns minutos depois deste incidente ter ocorrido, dois civis ficaram feridos em consequência de disparos de arma de fogo por parte da F-FDTL perto do terminal de Taci Tolu.

O Apelo à Intervenção da F-FDTL

52. Cerca das 06.00 horas da tarde do dia 28 de Abril realizou-se uma reunião na residência do Primeiro-Ministro Mari Alkatiri durante a qual a situação de segurança foi analisada. Os participantes eram: o Primeiro-Ministro Mari Alkatiri, o Ministro do Interior Rogério Lobato, a Ministro de Estado e da Administração Interna Ana Pessoa, o Ministro da Defesa Roque Rodrigues, o Comandante da Força de Defesa em exercício Coronel Lere Anan Timor, e o Comandante-Geral da Polícia Paulo Martins.

Os relatos sobre esta reunião variam, particularmente no que toca a saber se o Primeiro-Ministro autorizou a F-FDTL a fazer uso da força contra os peticionários. Em resumo, o resultado da reunião consistiu numa decisão em como a F-FDTL seria desdobrada para assistir a PNTL a restabelecer a ordem e conter os peticionários. As áreas geográficas de responsabilidade tanto da PNTL quanto da F-FDTL foram estabelecidas. Significantemente, à F-FDTL foi dada a responsabilidade pela área de Taci Tolu.

53. Num relatório ao Presidente do Parlamento Nacional datado de 11 de Maio de 2006, o Primeiro-Ministro Mari Alkatiri caracterizou a decisão dessa reunião no sentido de se desdobrar a FFDTL como tendo sido uma decisão do “Gabinete de Crise” ao abrigo do Artigo 20 do Decreto-Lei No. 7/2004 e do parágrafo c) do Artigo 115.1 da Constituição de Timor-Leste. A legalidade dessa decisão é examinada noutra parte do presente Relatório. Para já será suficiente notar o seguinte: nenhuma ordem foi dada por escrito. Não foi feita qualquer declaração formal do estado de crise. Durante a reunião nenhum contacto ou tentativa de contacto foi feito com o Presidente da República. O Primeiro-Ministro Mari Alkatiri telefonou ao Presidente da República no dia seguinte. O Ministro dos Negócios Estrangeiros não esteve presente. O Coronel Lere Anan Timor telefonou ao Ministro dos Negócios Estrangeiros na manhã do dia seguinte para o informar das instruções do Primeiro-Ministro, tendo estado demasiado ocupado para o fazer no anoitecer do dia 28 de Abril.

54. Embora a natureza e a base da intervenção da F-FDTL possam ter mudado na sequência da decisão das individualidades reunidas na residência do Primeiro-Ministro, a Comissão pôde comprovar que a F-FDTL fora colocada em situação de prontidão para intervir e efectivamente interveio nos acontecimentos do dia bastante antes de a decisão ter sido tomada. O Coronel Lere Anan Timor posicionou a Polícia Militar no Palácio do Governo com base em instruções do Primeiro-Ministro cerca das 11.00 horas da manhã. Soldados regulares da F-FDTL envolveram-se num confronto com manifestantes e civis em Rai Kotu cerca das 05.15 horas da tarde. Os dois pelotões do 1º Batalhão da F-FDTL, instruídos no sentido de se colocarem em estado de prontidão às 10.00 horas, chegaram a Metinaro provenientes de Baucau cerca das 05.30 horas da tarde, com um pelotão tendo sido enviado imediatamente para o quartel-general da Polícia Militar em Caicoli.

55. Tanto a PNTL como a F-FDTL patrulharam a cidade de Dili e seus arredores na noite de 28 de Abril de 2006 até às horas de iluminação natural do dia 29 de Abril de 2006. O propósito dessas patrulhas era em parte o de controlar o movimento dos peticionários. A F-FDTL e a PNTL tinham diferentes perspectivas quanto à amplitude deste propósito. A perspectiva da PNTL articulada perante a Comissão era a de que os peticionários deveriam ser presos e entregues à PNTL somente em caso de os mesmos se movimentarem e que não havia sido autorizada qualquer operação no sentido de os capturar. Por outro lado, os soldados da F-FDTL actuavam sob instruções segundo as quais deveriam conduzir uma busca pelos peticionários e disparar contra eles caso tentassem escapar.

Violência em Taci Tolu

56. Ouviram-se tiros de arma de fogo durante toda a noite, particularmente na parte ocidental de Dili onde a F-FDTL havia montado posições em Rai Kotu, Taci Tolu e Beduku. Rumores segundo os quais a F-FDTL havia massacrado 60 pessoas começaram a circular no dia 29 de Abril e rapidamente se espalharam depois disso, ao ponto inclusive de se citar o número da chapa de matrícula do camião da F-FDTL que alegadamente teria transportado os corpos, seja em caixas ou no interior de um contentor semelhante aos usados pela marinha mercante para transporte de mercadorias, de Taci Tolu para o distrito de Viqueque no dia 1 de Maio de 2006.

A Comissão declara que tais rumores de um massacre perpetrado e subsequentemente encoberto pela F-FDTL não passam mesmo disso, ou seja, são rumores sem qualquer fundamento.

57. As provas mostram que, para além de um civil morto em Rai Kotu, outros dois civis foram mortos durante a noite. Para além dos dois civis feridos perto do terminal de Taci Tolu durante a tarde do dia 28 de Abril, dois outros sofreram ferimentos provocados por arma de fogo durante a noite. Numerosos civis, não exclusivamente peticionários, foram presos e posteriormente postos em liberdade. Embora a Comissão reconheça a possibilidade de várias outras mortes poderem ter ocorrido, esforços redobrados envidados por uma variedade de indivíduos e agências não conduziram a quaisquer provas da ocorrência de algum massacre. Tais esforços incluíram o seguinte: um apelo lançado pelo Gabinete do Provedor de Direitos Humanos e Justiça a nível da rádio e da televisão no sentido de as famílias que tivessem registado o desaparecimento de algum dos seus membros darem a conhecer do facto; um apelo semelhante feito em folhetos distribuídos pelos campos de deslocados internos; investigações preliminares levadas a cabo pela Comissão criada pelo Governo para a Verificação de Dados sobre Mortos e Feridos; e investigações realizadas como parte do mandato da Comissão. O Tenente Gastão Salsinha confirmou que não há falta de nenhum peticionário. Nesta conformidade, a Comissão declara que, perante todas a evidências à sua frente, não ocorreu nenhum massacre.

Retirada da F-FDTL

58. O Chefe da Força de Defesa, Brigadeiro-General Taur Matan Ruak, havia tomado conhecimento das acções da F-FDTL a partir de um relato na Internet que leu enquanto viajava na Indonésia ao cair da noite do dia 28 de Abril de 2006. Decidiu regressar imediatamente a Timor-Leste. Participou numa reunião na residência do Primeiro-Ministro cerca das 04.00 horas da tarde do dia 29 de Abril de 2006 com todas aquelas individualidades que haviam estado presentes às 06.00 horas da tarde do dia anterior. Foi tomada uma decisão no sentido de se retirar as forças da F-FDTL da cidade para os arredores de Dili, mas que membros da Polícia Militar da F-FDTL e membros da PNTL continuaram a realizar patrulhas conjuntas no interior da cidade. A retirada da F-FDTL não teve lugar no dia 30 de Abril de 2006 conforme havia sido planeada, mas foi feita no dia 4 de Maio quando as forças da F-FDTL regressaram para as bases de Taci Tolu e Metinaro, deixando alguns soldados estacionados no quartel-general da Polícia Militar. A polícia militar e a PNTL efectuaram operações conjuntas de patrulhamento pela cidade de Dili entre os dias 30 de Abril e 3 de Maio. Essas operações conjuntas de patrulhamento cessaram quando o Major Alfredo Reinado, Comandante da Polícia Militar, abandonou o seu posto no dia 3 de Maio de 2006.

Partida do Major Reinado

59. O Major Alfredo Reinado abandonou o seu posto juntamente com membros da Polícia Militar da F-FDTL e membros da UIR da PNTL ao anoitecer do dia 3 de Maio de 2006. O grupo levou consigo as suas armas e cartuchos de munições e seguiu para o distrito de Ermera onde se realizou uma reunião com os peticionários. Os dois grupos não se fundiram. O grupo do Major Reinado permaneceu na área até ao dia 8 de Maio de 2006, data essa em que o grupo mudou-se para Aileu. Os números do total de elementos que compunham o que se tornou conhecido como o “grupo do Alfredo” foram flutuando ao longo dos poucos dias que se seguiram. Esses números inflacionaram devido à chegada de membros da URP da PNTL que se juntaram ao grupo no dia 4 de Maio e por soldados regulares da F-FDTL que se juntaram ao mesmo grupo mais tarde. Os mesmos números reduziram quando sete dos onze membros da UIR da PNTL que haviam partido inicialmente com o Major Reinado regressaram para a PNTL no dia 5 ou 6 de Maio na sequência de uma chamada telefónica feita pelo Comandante-Geral Paulo Martins a um deles ameaçando exonerá-los caso não regressassem dentro de um período de 48 horas.

60. O Major Alfredo Reinado disse à Comissão que se mantinha leal ao Presidente da República na sua qualidade de Comandante Supremo da F-FDTL e que quebrara a cadeia de comando porquanto não tinha havido qualquer ordem escrita autorizando o uso da F-FDTL para controlar a população civil no dia 28 de Abril e nos dias subsequentes. Existem provas perante a Comissão de que o Presidente Xanana Gusmão estava em contacto com o Major Alfredo Reinado na sequência da deserção deste. A Comissão está convencida de que tal contacto não constituiu mais do que uma tentativa da parte do Presidente da República de conter e controlar o Major Reinado. Não existem provas de que um grupo de homens armados sob o comando do Major Reinado tivesse praticado acções criminosas sob as ordens ou com a autorização do Presidente da República.

Violência em Gleno no dia 8 de Maio de 2006

61. Várias centenas de pessoas reuniram-se em Gleno no dia 8 de Maio para se manifestarem contra o massacre que, segundo rumores, teria ocorrido no dia 28/29 de Abril de 2006. Algumas provas sugerem que a manifestação era parte do Movimento dos 10 Distritos liderado pelo Major Agusto Tara de Araújo e que se destinava a boicotar o Governo nos 10 distritos da parte ocidental do país. O Major Tara havia desertado da F-FDTL no dia 4 de Maio de 2006. O Comandante-Geral da PNTL ordenara que duas equipas armadas compostas de seis elementos da UIR acompanhassem o Secretário de Estado para a Região III, Egídio de Jesus, assim como o Administrador do distrito de Ermera, Saturnino Babo, a Gleno. Após a sua chegada a multidão, que incluía peticionários, pôs-se a gritar dizendo que os membros da UIR oriundos da parte leste do país eram os inimigos e haviam disparado sobre os peticionários no mercado de Comoro no dia 28 de Abril. Os membros da UIR da parte leste do país foram forçados a refugiar-se no edifício da Administração do Distrito. O edifício foi então cercado pela multidão. Armados com facas, paus, catanas e pedras, a multidão pôs-se a gritar proferindo ameaças de morte contra os membros da UIR da parte leste do país.

62. O Comandante-Geral Adjunto da PNTL para as Operações, Babo, chegou sob instrução do Ministro do Interior e com o conhecimento do Comandante-Geral da PNTL. Fizera-se acompanhar de um pequeno número de membros da PNTL. Formou-se uma comissão para negociar. Essa comissão incluiu o ex-Comandante das FALINTIL Ernesto Fernandes, também conhecido por Dudu, e o Padre Adriano Ola. Após um prolongado frente-a-frente com a multidão, o Comandante-Geral Adjunto Ismael Babo desarmou seis membros da UIR oriundos da parte leste do país e retirou os seus coletes à prova de bala, tendo escoltado esses membros para viaturas que se encontravam à espera. Quando as viaturas iam a abandonar o local, dois dos membros da UIR desarmados ou caíram ou foram puxados de uma das viaturas. Ambos foram apunhalados por elementos da multidão. Os membros da PNTL que haviam chegado com o Comandante-Geral Adjunto Ismael Babo efectuaram disparos para o ar a fim de dispersar a multidão. Um membro da UIR morreu e o outro ficou gravemente ferido.

63. O corpo do polícia morto foi transportado para o Hospital de Dili, onde um grande número de membros da UIR e o Comandante dessa unidade da PNTL se haviam concentrado. Os membros da UIR oriundos da parte leste do país ameaçaram carregar o corpo do colega falecido pelas artérias da cidade de Dili antes de o colocarem na residência do Comandante-Geral Paulo Martins. Nessa noite um membro da PNTL proveniente da parte leste do país fez um anúncio através da rádio responsabilizando o Comandante-Geral Paulo Martins e o Comandante-Geral Adjunto Ismael Babo pela morte do membro da UIR. O Comandante-Geral Adjunto Ismael Babo não regressou a Dili.

Confronto Armado em Fatu Ahi no dia 23 de Maio de 2006

64. Até 22 de Maio de 2006 tanto a PNTL quanto a F-FDTL possuíam informações secretas (inteligência) segundo as quais membros da URP da PNTL encorajavam e apoiavam a violência entre oriundos do leste contra oriundos da parte ocidental do país na zona de Fatu Ahi. Foram feitos planos para montar um posto conjunto de operação integrando elementos da F-DFTL e da PNTL. Cerca das 11.00 horas da manhã do dia 23 de Maio, duas viaturas transportando 9 soldados do 1º Batalhão da FFDTL, sob o comando do Tenente-Coronel Falur, chegaram a Fatu Ahi para se encontrarem com membros da PNTL. Deveriam realizar uma avaliação do terreno do já planeado posto conjunto. As viaturas pararam perto do ponto mais alto de Fatu Ahi. Assim que os soldados desceram das viaturas viram homens envergando uniformes da polícia por detrás da escola e das árvores. Tais homens não eram os membros da PNTL com quem esperavam se encontrar. Eram membros do grupo do Alfredo.

65. O Major Reinado e onze dos seus homens haviam chegado à área naquela manhã provenientes de Aileu. Eles estavam acompanhados de civis e de 10 membros da URP munidos de armas automáticas. Cerca das 09.00 horas da manhã dois jornalistas chegaram e começaram a entrevistar, com vídeogravação, o Major Reinado. O início da confrontação armada encontra-se captado nessa vídeogravação. O tiroteio foi iniciado pelo Major Reinado ao contar até dez após ter lançado uma advertência no sentido de se afastarem. O Tenente-Coronel Falur ordenou aos soldados que respondessem aos disparos.

66. O confronto em Fatu Ahi durou até ao cair da noite. O grupo do Major Alfredo cercou os soldados da F-FDTL, os quais nem todos estavam armados, impossibilitando-os de se retirarem.

O Tenente-Coronel Falur pediu reforços. Uma viatura da PNTL com dez membros dessa corporação que seguia entre Baucau e Dili foi apanhada sob o fogo. Um membro da PNTL foi morto e dois ficaram feridos. Cerca do meio-dia, os primeiros reforços da F-FDTL chegaram, tendo três deles ficado feridos. Mais ou menos à mesma hora um autocarro da F-FDTL, transportando soldados para Dili a fim de levantarem os seus salários, chegou depois de os passageiros terem ouvido disparos de arma de fogo. O mesmo autocarro foi atacado a cerca de 300 metros a ocidente do sítio original da emboscada. Um desses soldados morreu e três outros ficaram feridos. Mais tarde o Major Rai Ria deslocou-se ao local com um escolta e ambos foram feridos. Cerca das 02.00 horas da tarde o Major Amico chegou de Metinaro com cerca de dez homens. Ele aproximou-se de Fatu Ahi a partir das cercanias da montanha e colocou-se numa posição mais elevada do que a do Major Alfredo Reinado e seus homens. O Major Alfredo Reinado então retirou-se, usando uma viatura da PNTL que mais tarde foi devolvida. Dois dos homens do Major Reinado e um civil foram mortos. No total, cinco pessoas foram mortas e dez ficaram feridas.

Confronto Armado em Taci Tolu/Tibar nos dias 24 e 25 de Maio de 2006

67. A F-FDTL havia observado movimentos suspeitos nas montanhas de Taci Tolu e de Tibar desde cerca do dia 19 de Maio. Na manhã do dia 24 de Maio de 2006, oito soldados da F-FDTL que realizavam uma patrulha de observação nas montanhas foram atacados e contidos por um grupo de pessoas armadas a partir de uma posição mais elevada. Este grupo compreendia membros da polícia do distrito de Liquiçá, peticionários, e civis armados pertencentes ao grupo de Rai Los. Um segundo grupo de soldados da F-FDTL enviados a partir do quartel-general da F-FDTL situado nas cercanias foi igualmente atacado e contido pelo mesmo grupo atacante. Com a intensificação da batalha, a FFDTL reforçou as suas posições nas montanhas enviando um barco da sua componente naval para a baía de Tibar. A batalha durou até à tarde, quando fogo proveniente do barco da componente naval forçou a retirada do grupo atacante.

68. No dia 25 de Maio de 2006, o grupo atacante regressou às montanhas de Taci Tolu. O grupo abriu fogo contra dois esquadrões da F-FDTL enviados para patrulhar as montanhas. Entretanto, outros dois esquadrões da F-FDTL chefiados pelo Capitão Kaikeri foram desdobrados como reforço. A batalha iniciou cerca das 07.00 horas da manhã e durou até à tarde, embora não tivesse sido tão intensa como a do dia anterior. Os números não são certos, mas as provas perante a Comissão sugerem que até nove pessoas foram mortas e três outras sofreram ferimentos de arma de fogo como resultado desta violência.

Ataque à Residência do Brigadeiro-General Taur Matan Ruak

69. Cerca das 08.00 horas da manhã do dia 24 de Maio de 2006 a unidade de protecção da FFDTL estacionada na residência do Brigadeiro-General Taur Matan Ruak observou cerca de dez membros da PNTL, incluindo o Comandante-Geral Adjunto Abílio Mesquita, próximos da residência. Todos os membros da PNTL estavam munidos de armas Steyr com excepção de Abílio Mesquita, que transportava uma metralhadora completamente automática F2000. Mais tarde nesta mesma manhã os membros da PNTL armados foram vistos ainda mais próximos da residência. O Sr. Abílio Mesquita fez um sinal com a mão que precipitou disparos de arma de fogo a partir do seu grupo dirigidos contra a residência. A troca de tiros que se seguiu prosseguiu até cerca das 05.00 horas da tarde. Cerca do meio-dia, a unidade de protecção da F-FDTL movimentou-se para a escola primária situada acima da residência com vista a obter um melhor ponto de observação. Um dos membros da PNTL foi morto por um soldado cerca de 30 minutos mais tarde. Os soldados, que estavam munidos de armas M16 e de granadas propulsionadas por espingarda (rifle propelled granades) ficaram então sob fogo pesado de armas automáticas proveniente da parte oriental. Ripostaram com fogo pesado, inclusivamente com lançamento de várias granadas, tendo sido reforçados com soldados da F-FDTL ao longo do dia.

70. Durante a tarde do dia 24 de Maio de 2006, o Brigadeiro-General Taur Matan Ruak telefonou ao Membro do Parlamento Nacional Leandro Isaac, que passou o telefone ao Abílio Mesquita. Tanto o Sr. Leandro Isaac como o Comandante Abílio Mesquita moram perto do Brigadeiro-General Taur Matan Ruak. O Sr. Leandro Isaac estava munido de uma arma Steyr e também estavam presentes pelo menos três homens munidos de armas variando entre Steyr e armas semi-automáticas FNC. O Brigadeiro-General Taur Matan Ruak solicitou que parassem com o tiroteio para permitir que as suas crianças fossem evacuadas da residência. As crianças do Brigadeiro-General Taur Matan Ruak foram levadas para local seguro durante o cessar-fogo no início da noite do dia 24 de Maio de 2006. A troca de tiros entre os membros da PNTL sob o comando do Comandante Abílio Mesquita e a F-FDTL reiniciou na manhã do dia 25 de Maio e prosseguiu até às 05.00 horas da tarde desse dia.

Confronto Armado entre a PNTL e a F-FDTL no quartel-general da PNTL

71. Ao cair da noite do dia 24 de Maio de 2006, qualquer relacionamento que existia entre a FFDTL e a PNTL era de suspeição mútua. Rumores de um ataque planeado por parte da F-FDTL contra o quartel-general da PNTL começaram a circular. Indicações sobre o ataque iminente foram avançadas por três diferentes pessoas no seio da F-FDTL a três diferentes pessoas no seio da PNTL, aparentemente como resultado de relações de amizade que eram mais fortes do que os compromissos de fidelidade para com a F-FDTL. As indicações foram comunicadas ao Chefe de Operações da PNTL, ao Comandante do distrito de Dili da PNTL, ao Ministro do Interior, ao Primeiro-Ministro, e à UNPOL. Com efeito, um membro da UNPOL referiu a presença de metralhadoras no telhado das velhas instalações que albergavam as antigas Forças de Manutenção da Paz das Nações Unidas (PKF) durante a tarde do dia 24 de Maio de 2006.

72. O Comandante-Geral Adjunto da PNTL para a Administração, Lino Saldanha, que havia sido armado pela F-FDTL e que na altura se encontrava a operar sob o comando desta instituição, deu a última indicação cerca das 02.00 horas da manhã do dia 25 de Maio. Em conversa telefónica com o seu assistente administrativo, Lino Saldanha alertou que a F-FDTL iria deslocar-se ao quartel-general da PNTL para matar pessoas. Lino Saldanha perguntou especificamente se o Chefe de Operações, chamado de Jesus, se encontrava presente. O mesmo Comandante-Geral Adjunto fez outras chamadas telefónicas entre cerca das 09.00 horas e 10.00 horas da manhã, tendo a última sido feita para o Chefe de Operações, de Jesus, instruindo a todos os membros da PNTL no sentido de regressarem para o quartel-general da PNTL.

73. Na noite de 24 para 25 de Maio, a hierarquia da F-FDTL armou para cima de 200 civis e membros da PNTL e movimentou esses civis e membros da PNTL para várias localidades em Dili. Este processo foi organizado como uma resposta à suposta ameaça colocada pela PNTL à F-FDTL. Cerca da 01.00 hora da manhã, 64 membros da PNTL que haviam sido armados pela F-FDTL em Baucau partiram com destino a Fatu Ahi. Eles foram em seguida enviados para o quartel-general da Polícia Militar e dali foram enviados para guardarem o reservatório de água no Bairro Pité. Cerca das 04.00 horas da manhã, foram enviados também soldados da F-FDTL para o Bairro Pité com instruções no sentido de impedirem que os peticionários entrassem na cidade. Outros soldados da F-FDTL foram enviados para as antigas instalações da PKF e instruídos no sentido de estarem preparados. Ao levantar do sol, 84 soldados se encontravam presentes neste local. Este agrupamento incluiu algumas tropas que haviam sido estacionadas em Dili bem antes do dia 25 de Maio.

74. A dada altura durante o dia 25 de Maio, o Primeiro-Ministro contactou tanto o Brigadeiro-General Taur Matan Ruak como o Chefe de Operações da PNTL de Jesus, na altura o oficial mais graduado da PNTL em Dili, encorajando-os a trabalharem em conjunto. O Primeiro-Ministro forneceu ao Brigadeiro-General Taur Matan Ruak o número de telefone do Chefe de Operações.

75. Durante a manhã do dia 25 de Maio de 2006, uma coluna de viaturas da PNTL passou em frente ao estabelecimento denominado Leader em Comoro. Havia soldados armados na estrada.

Duas viaturas passaram pelas viaturas da polícia. A primeira viatura era um camião pick-up de cor branca transportando três homens em uniforme com armas M16. A segunda viatura era um camião de cor vermelha transportando entre 15 a 20 homens armados, alguns dos quais envergando uniformes e outros à civil. Os homens que se encontravam nessas viaturas e os soldados que se encontravam na estrada abriram fogo contra as viaturas da polícia, ferindo um membro da PNTL nas pernas. A polícia respondeu ao fogo antes de regressar, em velocidade, para o quartel-general da PNTL. O relato sobre o tiroteio causou pânico no seio dos membros da PNTL. Alguns destes membros armaram-se e tomaram posições em torno do complexo da PNTL. Simultaneamente, soldados da F-FDTL no interior das antigas instalações da PKF ouviram um relato segundo o qual membros da PNTL haviam aberto fogo sobre soldados da F-FDTL em Comoro antes de rumarem, em velocidade, para o seu quartel-general. Embora a Comissão esteja convencida quanto às provas de testemunhas independentes em como a F-FDTL iniciou a troca de tiros, na altura cada uma das partes acreditava que estava a ser atacada pela outra parte.

76. Passou-se entretanto um período de tensão que durou uma hora. Seguidamente, cerca das 11.00 horas da manhã, um camião pick-up de cor vermelha passou em direcção ao quartel-general da PNTL. Membros da PNTL que testemunharam este facto suspeitavam que o ataque esperado seria lançado a partir desse camião. Um deles disparou um único tiro de alerta. Quase imediatamente duas granadas foram lançadas pelos soldados da F-FDTL estacionados nas antigas instalações da PKF, uma caindo perto do ginásio da universidade e a outra explodindo no prédio da PNTL, ferindo três dos seus membros. A PNTL então ripostou, tendo-se seguido uma intensa troca de tiros.

77. A posição da F-FDTL articulada perante a Comissão é a de que a F-FDTL havia antes sido colocada sob fogo por parte dos membros da PNTL estacionados tanto no quartel-general da corporação policial como no Ministério da Justiça e que, além disso, tal fogo era dirigido especificamente para a sala de reuniões localizada no segundo andar das antigas instalações do PKF onde o Brigadeiro-General Taur Matan Ruak e o Coronel Lere haviam estado desde cerca das 08.00 horas da manhã. A Comissão não recebeu provas que consubstanciassem esta posição. Pelo contrário, com base em provas independentes, a Comissão está convencida de que a troca de tiros foi desencadeada, não intencionalmente, pelo único disparo de alerta efectuado por um membro da PNTL. A Comissão está convencida ainda de que embora exista informação sugerindo a possibilidade de que a F-FDTL estivesse a se preparar para lançar um ataque contra o quartel-general da PNTL, a troca de tiros que iniciou às 11.00 horas da manhã do dia 25 de Maio de 2006 não constituiu a execução de tal ataque.

78. Ao ouvir o disparo, a resposta inicial dos soldados da F-FDTL não ficou clara e continua a não haver provas claras sobre se a resposta foi expontânea ou se foi com base numa ordem dada. Inicialmente, todo o fogo da F-FDTL proveio do interior das antigas instalações da PKF. Mais tarde, actuando sob instruções, os soldados da F-FDTL tomaram também posições a oeste, sul e este do edifício da PNTL, com alguns soldados da F-FDTL posicionados igualmente a norte. Um grupo de cerca de seis soldados tomou posições no cruzamento junto ao Ministério da Justiça.

79. Cinco membros da UNPOL que se encontravam no interior do edifício da PNTL haviam estabelecido contacto via rádio com membros da UNPOL no Obrigado Barracks cerca das 11.30 horas da manhã. Como resultado, o Assessor Principal da UNPOL de nome Saif Malik ficou a saber que esses membros da UNPOL se encontravam encurralados, que alguns deles haviam sido feridos, e que a PNTL pretendia organizar um cessar-fogo, mas que não conseguia contactar os comandantes da FFDTL. Cerca das 12.30 horas, o Sr. Malik e o Coronel Reis, Assessor Principal para o Treinamento Militar que havia igualmente ouvido as comunicações via rádio, falaram cada um em separado com o Representante Especial do Secretário-Geral. Ambos os Assessores solicitaram e foi-lhes dada autorização para intervir. Embora o Representante Especial do Secretário-Geral não tivesse informado o Coronel Reis, que foi a segunda pessoa a falar com ele, de que tal autorização já havia sido dada ao Sr. Malik, os dois Assessores conversaram pouco depois disso. O Sr. Malik pretendia enviar membros da UNPOL com o Coronel Reis para se encontrarem com o Brigadeiro-General Taur Matan Ruak. O Coronel recusou, acreditando que a presença de mais membros da polícia envergando camisas de cor azul poderia agravar a situação.

80. O Coronel Reis, o seu adjunto, e um outro oficial partiram do Obrigado Barracks numa viatura das Nações Unidas com a bandeira desta organização na janela do lado do passageiro do banco traseiro da viatura. O Coronel Reis falou com o Brigadeiro-General Taur Matan Ruak à entrada das antigas instalações do PKF. A conversa durou entre 5 a 10 minutos, ao longo dos quais o tiroteio continuou a ter lugar. Estabeleceu-se um cessar-fogo. Embora o Brigadeiro-General Taur Matan Ruak negue que o cessar-fogo estivesse condicionado ao desarmamento da PNTL, a Comissão está convencida de que as condições do cessar-fogo eram no sentido de que a PNTL seria desarmada, as armas seriam levadas pelos membros das Nações Unidas, e que qualquer membro da PNTL que ficasse atrás ficaria sujeito a um novo ataque. O Brigadeiro-General Taur Matan Ruak deu aos seus homens a ordem de cessarem o fogo. O Coronel Lere enviou mensageiros a comunicarem a ordem aos soldados que se encontravam fora do alcance da voz.

81. Enquanto o Coronel Reis deixava as antigas instalações do PKF, dois membros da UNPOL chegaram na viatura blindada das Nações Unidas posta à disposição do Sr. Malik pelo Representante Especial Adjunto do Secretário-Geral. Esses membros da UNPOL haviam sido enviados para o local pelo Sr. Malik. Em seguida as duas viaturas das Nações Unidas dirigiram-se em direcção ao quartelgeneral da PNTL tendo lá chegado cerca da 01.00 hora da tarde. Uma vez mais a bandeira das Nações Unidas se encontrava à vista a partir da viatura em que o Coronel Reis se fazia transportar. As disposições do cessar-fogo foram explicadas ao Chefe de Operações Afonso de Jesus. O Coronel Reis sublinhou o aspecto de que a entrega das armas era voluntária e que somente os membros da PNTL desarmados seriam autorizados a sair. Ao iniciar-se o processo de recolha das armas, chegaram mais seis viaturas das Nações Unidas transportando membros da UNPOL, incluindo o Sr. Malik. O Coronel Reis e o Sr. Malik tiveram uma acesa altercação. Ao finalizar a recolha das armas, os membros da PNTL foram reunidos em colunas na estrada ladeados por viaturas das Nações Unidas.

82. Alguns minutos depois de as viaturas das Nações Unidas terem entrado para o quartel-general da PNTL e depois que o cessar-fogo havia entrado em vigor, um soldado, de nome Ricardo Ribeiro Bure, foi morto perto do muro do perímetro da PNTL em consequência de um rebentamento de fogo proveniente do interior do complexo da PNTL. Um soldado da F-FDTL de nome Francisco Amaral surgiu no cruzamento junto ao Ministério da Justiça. O seu uniforme estava parcialmente banhado de sangue. Um membro da UNPOL perguntou se o Sr. Amaral havia sido ferido, tendo-lhe sido dito que o amigo do mesmo Francisco Amaral havia acabado de ser morto pela PNTL.

Tiroteio sobre Membros da PNTL

83. O Coronel Reis conduziu os membros da PNTL à pé do quartel-general da PNTL em direcção ao cruzamento junto ao Ministério da Justiça. Ele mesmo carregava a bandeira das Nações Unidas. Antes de partirem, os membros da PNTL foram advertidos no sentido de evitarem contactos de olho com os soldados que se encontravam à berma da estrada e de não correrem. Os soldados da F-FDTL envolvidos no tiroteio disseram à Comissão que os polícias reunidos naquelas circunstâncias mostraram-se arrogantes e cantarolavam. A Comissão aceita provas em contrário no sentido de que o comportamento dos membros da PNTL indicava que eles estavam receosos. Uma ténue tentativa de entoar o hino nacional terminou logo a seguir. Os mesmos soldados da F-FDTL disseram à Comissão que não estavam certos se os membros da PNTL se haviam efectivamente rendido na medida em que não traziam as suas mãos à cabeça, poderiam estar a esconder as suas armas em mochilas, e não se encontravam a marchar atrás de uma bandeira branca mas sim de uma bandeira das Nações Unidas.

84. A coluna iniciou a caminhada cerca da 01.45 horas da tarde. O Tenente-Coronel Mann e um membro da UNPOL adiantaram-se à coluna para falarem com os soldados da F-FDTL que se encontravam na estrada numa tentativa de manter a situação calma. Numa altura em que a maior parte dos polícias haviam atravessado o cruzamento, um soldado da F-FDTL pareceu se encontrar agitado e a tentar identificar alguém dentre os membros da PNTL. Os soldados da F-FDTL afirmam que um dos polícias havia feito um gesto feio com a mão para eles. O Sr. Malik tentou falar com o soldado agitado, mas este deu um passo para o lado e abriu fogo contra os polícias que se encontravam perto. Seguiu-se então um tiroteio a partir de três esquinas do cruzamento. Os soldados dispararam sobre membros da PNTL que já se encontravam no chão. Provas perante a Comissão indicam que pelo menos seis soldados da F-FDTL se envolveram no tiroteio. Contrariamente a rumores persistentes, não existem provas de que membros da PNTL, incluindo aqueles armados e uniformizados pela FFDTL, estivessem envolvidos no tiroteio. O tiroteio durou cerca de dois a três minutos e envolveu pelo menos 100 cartuchos de munições. Oito membros da PNTL foram mortos e 27 sofreram graves ferimentos de arma de fogo.

85. O Sr. Malik coordenou a evacuação dos membros feridos para o Obrigado Barracks. Este destino foi escolhido porque os membros feridos da PNTL expressaram receio de represálias por parte da F-FDTL caso fossem levados para o Hospital. O Coronel Reis e o seu adjunto protestaram junto do Brigadeiro-General Taur Matan Ruak, o qual pediu desculpas pelo tiroteio. Três soldados, alegadamente responsáveis pelo tiroteio, foram trazidos perante o Brigadeiro-General Matan Ruak. Somente um deles confessou a sua participação no tiroteio, tendo afirmado que se encontrava aborrecido devido à morte pela PNTL de Bure numa altura em que o cessar-fogo já se encontrava a vigorar.

Queima da Residência da Família da Silva

86. Durante a manhã do dia 25 de Maio de 2006 um vasto grupo de jovens do sexo masculino carregando garrafas de gasolina e fósforos reuniram-se na área de Bebonuk na parte ocidental de Dili. Ouviu-se-lhes dizerem que procuravam por residências de pessoas oriundas da parte ocidental do país. Muitas casas pertencentes a pessoas oriundas da parte ocidental do país foram apedrejadas e incendiadas. Cerca das 12.30 horas a casa da família da Silva, familiares do Ministro do Interior, localizada na área de Fomento 1, foi incendiada. A casa era rodeada por um muro alto. Os atacantes cercaram a casa no interior desse muro. Vizinhos do lado de fora do muro falaram para uma das mulheres encurraladas no interior da casa e puderam ouvir pedradas a serem lançadas através das janelas. A mulher encurralada disse que estavam cercadas por pessoas armadas e que não conseguiam sair. Duas crianças que haviam conseguido escapar da casa haviam ouvido pessoas no meio da multidão dizerem “o Lobato está lá dentro”. A Comissão recebeu informação segundo a qual uma multidão de pessoas se havia reunido em frente à casa alguns dias antes, proferindo ameaças contra “a família do Ministro do Interior”. Cerca das 02.00 horas da tarde um vizinho utilizou uma mangueira de rega para extinguir as partes da casa que ainda ardiam. As chamas foram extintas por volta das 03.00 horas da tarde. Seis pessoas foram mortas no fogo, incluindo quatro crianças com menos de 18 anos.

Violência no Mercado Lama

87. Cerca das 03.00 horas da tarde a Polícia Militar mandou montar uma barricada na Avenida Bispo de Medeiros a cerca de 50 metros a sul da rotunda junto ao Mercado Lama. A barricada era controlada por Oan Kiak, um ex-soldado das FALINTIL, acompanhados dos seus homens e destinavase a detectar e proceder à detenção de membros da PNTL que estivessem armados. Mandavam parar as viaturas que transitassem e revistavam-nas. Cerca das 05.00 horas da tarde uma viatura passou à uma certa velocidade. Kiak e os seus homens abriram fogo, ferindo o padre que ia a conduzir a viatura. Pouco depois disso, um camião Polytron, de cor vermelha, aproximou-se da barricada vindo da parte norte e, ao invés de abrandar a marcha ao passar em frente à barricada, acelerou. Kiak e outros abriram fogo sobre a viatura, matando um homem e ferindo um outro.

O Papel das Armas Nos Acontecimentos
Armas Entregues a Civis


88. No dia 8 de Maio realizou-se uma reunião entre o Primeiro-Ministro; o Ministro do Interior; Vicente da Conceicão, também conhecido por Rai Los e ex-soldado das FALINTIL, mais dois dos seus homens, na residência do Primeiro-Ministro. Aparentemente esta reunião foi convocada pelo Ministro do Interior para discutir aspectos de segurança relativamente à realização do Congresso Nacional da FRETILIN que se avizinhava. As explicações dadas sobre esta reunião variam substancialmente. A única questão em torno da qual existe concordância entre os participantes é a de que não se falou de armas. Rai Los disse à Comissão que o Primeiro-Ministro o instruiu no sentido de “eliminar” peticionários e opositores do Governo, e que ele (Rai Los) entendeu a expressão eliminar como significando matar. O ex-Primeiro-Ministro Mari Alkatiri nega ter utilizado a expressão “eliminar” e afirma que Rai Los e os seus dois homens haviam sido levados até ele pelo Ministro do Interior na qualidade de guias que iriam assistir os delegados provenientes dos distritos da parte ocidental do país que iriam participar no Congresso da FRETILIN a iniciar no dia 17 de Maio.

89. O ex-Primeiro-Ministro afirmou que durante a reunião aproveitou a oportunidade para analisar com o Ministro do Interior a necessidade de um grupo de civis para apoiarem a URP da PNTL, mas que não houve discussão sobre o fornecimento de armas ou de uniformes a um tal grupo. A Comissão nota que a forma como esta questão do apoio a ser dado por civis à URP foi discutida entre o Primeiro-Ministro e o Ministro do Interior foi altamente irregular. Quer antes quer depois desta reunião nunca o Comandante da URP ou o Comandante-Geral da PNTL foram alguma vez convidados para darem as suas opiniões sobre a necessidade de um apoio à URP por parte de civis ou para serem informados sobre a decisão neste sentido.

90. Também no dia 8 de Maio de 2006 o Ministro do Interior Rogério Lobato instruiu o Comandante da UPF, António da Cruz, no sentido de levar para a sua residência 15 armas semiautomáticas de assalto HK33. Estas armas contavam-se entre as 180 armas HK33 distribuídas legalmente à UPF. O Comandante António da Cruz havia desarmado membros da UPF oriundos da parte leste do país para que tais armas ficassem disponíveis. O Ministro do Interior fez diligências em separado para o fornecimento de cartuchos de munições da PNTL. Utilizou as armas para armar dois grupos distintos de civis. O primeiro grupo era constituído por 31 civis sob o comando de Rai Los. O segundo grupo ficou conhecido como Lima Lima (significando 55), sob o comando de António Lurdes, também conhecido por António 55. O Ministro do Interior disse à António da Cruz para entregar 10 daquelas armas, 6000 cartuchos de munições e 10 carregadores a Rai Los em Liquiçá. Cerca das 10.00 horas da noite desse dia, Rai Los encontrou-se com António da Cruz num cemitério para receber as armas. Durante a mesma noite, o Chefe de Gabinete do Ministro do Interior viajou para Ermera e entregou as restantes 5 armas HK33 bem como um caixote de cartuchos de munições a António 55. Foi dito ao grupo Lima Lima para aguardar por instruções ulteriores. Cerca das 09.00 horas da noite do dia 21 de Maio o Comandante António da Cruz e Rai Los encontraram-se num local desértico, desta vez perto de Maubara. Sob instruções do Ministro do Interior, Rai Los recebeu mais 8 armas HK33 e 16 carregadores.

91. O Ministro Lobato não deu ordens a Rai Los no sentido de apoiar a URP. Ao invés disso, o grupo de Rai Los foi enviado a vários locais, incluindo Tibar, no dia 23 de Maio. No dia 22 de Maio, o Ministro pagou 33.000 dólares americanos em dinheiro por duas viaturas e nessa mesma noite mandou escurecer os vidros das janelas dessas viaturas. As viaturas foram entregues a Rai Los juntamente com 31 uniformes da URP da PNTL no dia 23 de Maio. No dia 24 de Maio Rai Los e os seus homens, envergando esses uniformes da URP, participaram no ataque contra os soldados da FFDTL que efectuavam patrulha. Não existem provas de que o grupo Lima Lima tivesse alguma vez sido activado pelo Ministro do Interior.

92. O Comandante-Geral da PNTL tomou conhecimento da distribuição, por parte do Ministro do Interior, de armas HK33 da PNTL a civis no dia 19 de Maio. A conselho do Ministro dos Negócios Estrangeiros José Ramos-Horta, o Comandante-Geral da PNTL endereçou uma carta ao Primeiro-Ministro descrevendo a informação. O Comandante-Geral Paulo Martins afirma que tal carta foi entregue ao Secretário do Primeiro-Ministro no dia 19 de Maio. Não há provas com base nas quais a Comissão pudesse concluir que o Primeiro-Ministro alguma vez recebeu essa carta.

93. Cerca das 8 horas da noite do dia 21 de Maio realizou-se uma reunião na residência do Primeiro-Ministro. Estiveram presentes o Primeiro-Ministro Mari Alkatiri, o Ministro dos Negócios Estrangeiros José Ramos-Horta, o Ministro da Defesa Rodrigues, o Ministro do Interior Lobato, o Chefe da Força de Defesa Brigadeiro-General Ruak, e o Comandante-Geral da PNTL Martins. Está claro que a questão geral da distribuição de armas foi levantada pelo Ministro dos Negócios Estrangeiros Ramos-Horta. O grosso das provas perante a Comissão sugere que o Ministro do Interior Rogério Lobato afirmou que as armas da UPF haviam sido trazidas para Dili como uma medida de segurança e que depois de ele ter dito isso ninguém mais insistiu nesta questão. O Primeiro-Ministro Mari Alkatiri pediu uma inspecção aos depósitos de armas tanto da F-FDTL como da PNTL.

94. A Comissão estudou cuidadosamente as declarações que lhe foram feitas relativamente à distribuição de armas da PNTL à civis. Embora a Comissão não aceite que na reunião do dia 8 de Maio o ex-Primeiro-Ministro tivesse dado instruções a Rai Los para “eliminar” os seus opositores políticos, com base nas informações que possui, a Comissão está convencida de que existem bases razoáveis para suspeitar que o ex-Primeiro-Ministro tinha pelo menos conhecimento da distribuição de armas da PNTL a civis. A Comissão não aceita as explicações dadas quer pelo ex-Primeiro-Ministro quer pelo ex-Ministro do Interior segundo as quais o apoio por parte de civis à PNTL era legal nos termos da Lei de Segurança Interna.

Armas da F-FDTL

95. No dia 17 de Maio o Brigadeiro-General Taur Matan Ruak escreveu ao Primeiro-Ministro solicitando uma auditoria ao depósito de armas da F-FDTL em resposta a alegações segundo as quais pessoas civis teriam sido vistas a andarem com armas da F-FDTL. As provas perante a Comissão estabelecem que a F-FDTL começou a armar civis no dia 24 de Maio de 2006. Isto foi feito sob ordens do Brigadeiro-General Matan Ruak e com o conhecimento do Ministro da Defesa. A F-FDTL guardou alguns registos das armas entregues aos 206 civis que foram armados nestas circunstâncias. Foram feitas listas contendo nomes e os correspondentes números de série das armas entregues, mas as pessoas não assinaram em como receberam as armas. Os tais civis incluem ex-combatentes das FALINTIL e 64 membros da PNTL. Com vista a facilitar o processo foram feitos contactos com dirigentes de antigas organizações clandestinas. Oan Kiak chegou ao quartel de Metinaro após ter recebido um telefonema do Brigadeiro-General Taur Matan Ruak no sentido de se apresentar para serviço. Foi-lhe entregue uma arma Minimi, 400 cartuchos de munições, e um uniforme. No dia 25 de Maio, Kiak usou a arma durante o tiroteio perto do Mercado Lima.

96. O Brigadeiro-General Taur Matan Ruak disse à Comissão que tinha conhecimento de que não existia nenhuma lei específica que autorizava armar “reservistas”. Afirmou que foi autorizado a proceder desta forma pelo Ministro da Defesa depois de ele próprio ter feito a proposta. Tratava-se de uma decisão política pela qual o Ministro era o responsável . O Brigadeiro-General disse que a decisão foi tomada como resultado de uma falta de capacidade no seio da F-FDTL na sequência do ataque ocorrido em Fatu Ahi no dia 23 de Maio, do ataque à sua própria residência no dia 24 de Maio, e do ataque a soldados da F-FDTL em Taci Tolu e em Tibar no dia 24 de Maio. O último incidente foi caracterizado pelo Brigadeiro-General como sendo um ataque contra o quartel-general da F-FDTL. Com base nas provas à sua frente, a Comissão não está convencida de que este incidente tenha consistido efectivamente num ataque contra o quartel-general da F-FDTL e não simplesmente num ataque contra soldados da F-FDTL, mas nota que o Brigadeiro-General não estava presente quando o incidente se produziu.

Movimentação Irregular de Armas no seio das Forças de Segurança

97. PNTL. A Comissão nota com preocupação a ausência de um controlo sistemático sobre as armas e munições da PNTL. O Comandante-Geral da PNTL retirou armas do Depósito Nacional da PNTL sem o conhecimento do responsável pelo depósito de armas. No dia 23 de Março 60 armas Steyr e 50 caixas de munições foram enviadas para o complexo da URP em Aileu. No dia 15 de Abril 10 armas Steyr e munições foram enviadas para a esquadra de polícia de Liquiçá. Na sequência do incidente de 25 de Maio em Gleno o Comandante-Geral da PNTL ordenou que se armazenassem 10 armas Steyr e munições na esquadra de polícia de Gleno. A Comissão também nota com preocupação o armamento selectivo de membros da PNTL oriundos da parte ocidental do país sob o comando do Comandante-Adjunto da PNTL no distrito de Dili, Abílio Mesquita, que no dia 11 de Maio deu treinamento sobre manuseamento de armas a 10 membros da PNTL oriundos da parte ocidental e pertencentes ao Grupo de Trabalho (Task Force) do distrito de Dili. Depois disso esses membros da PNTL permaneceram sob o seu comando e foram munidos com armas Steyr. Um outro grupo de 20 membros da PNTL provenientes da parte ocidental do país foram munidos com armas Steyr pelo Comandante-Adjunto Abílio Mesquita no dia 17 de Maio, tendo em seguida ficado sob o seu comando. Este treinamento e armamento de membros da PNTL oriundos da parte ocidental do país teve lugar com autorização do Comandante-Geral da PNTL Paulo Martins.

98. Uma recente auditoria às armas realizada por uma equipa internacional constatou que 219 armas da PNTL continuavam fora da custódia e do controlo da PNTL. Essas armas compreendem 190 pistolas Glock de 9mm, 13 armas semi-automáticas de assalto Steyr, 10 armas semi-automáticas de assalto HK33, duas armas semi-automáticas de assalto FN-FNC, e 4 espingardas de calibre 12 (12gauge shotguns). Embora os registos da PNTL identifiquem a última pessoa conhecida que assinou pela maioria dessas armas, o hábito de entregar armas sem qualquer ordem escrita, ou documentação sobre a cadeia de custódia, torna impossível determinar o actual paradeiro dessas armas.

99. F-FDTL. A Comissão nota com preocupação as irregularidades no controlo das armas da FFDTL que se estendem por vários anos. O número de base de 1200 armas M16 confiadas pelo Governo à F-FDTL está estabelecido em registos que datam de 2002. A auditoria às armas recentemente realizada pela equipa internacional estabeleceu que em Fevereiro de 2004 a F-FDTL possuía 1230 armas M16. As 30 armas adicionais não foram fornecidas pelo Governo. Em Novembro de 2005 a F-FDTL só podia responder por 1073 armas M16. Embora a F-FDTL tenha dito que em 2006 possuíssem 1200 armas M16, os registos revelam que 45 armas M16 estavam em falta. Além disso, 3 armas semi-automáticas FN-FNC, 3 armas semi-automáticas SKS, e 2 armas Uzi, que anteriormente estavam sob a custódia e o controlo da F-FDTL, estão em falta. A F-FDTL está também em posse de 1 Minini, 1 .38 Special, 1 Browning de 9mm, 2 armas semi-automáticas G3, uma arma M16A1, e 1 arma de fogo M2 de calibre .50, cuja proveniência não é explicada. Igualmente não explicado é o histórico das 342 “antigas armas das FALINTIL” em posse da F-FDTL.

O Impacto dos Acontecimentos

100. Significativas perdas de vidas humanas, ferimentos e destruição generalizada de propriedades resultaram dos acontecimentos de Abril e Maio de 2006 conforme examinado como parte do mandato da Comissão. Na altura da conclusão do seu inquérito, a Comissão obteve informação de que um número de até 38 pessoas foram mortas, sendo 23 civis, 12 membros da PNTL, e 3 soldados da FFDTL. A Comissão reitera que não existem provas da ocorrência de um massacre de 60 pessoas em Taci Tolu no dia 28/29 de Abril de 2006. A Comissão tem igualmente informação de que 69 pessoas sofreram ferimentos, sendo 37 civis, 23 membros da PNTL, 7 soldados da F-FDTL e 2 membros da UNPOL. A Comissão nota que tais números são difíceis de se confirmar e admite que possam existir discrepâncias nos números exactos.

101. Além disso, os acontecimentos e incidentes considerados no presente relatório tiveram um impacto devastador sobre a comunidade em geral. Para além das pessoas que foram mortas ou que ficaram feridas, aproximadamente 150.000 pessoas foram deslocadas (cerca de 73.000 pessoas em campos de deslocados no interior e à volta de Dili, e outras 78.000 pessoas que se movimentaram para distritos fora de Dili). Embora as deslocações dessas pessoas tivessem aumentado progressivamente depois do dia 28 de Abril, o maior aumento em termos de deslocamento ocorreu depois dos acontecimentos de 25 de Maio. A população dos campos de deslocados internos aumentou em 300% em 24 horas. Um número estimado de 1650 casas foram destruídas no rescaldo dos acontecimentos aqui narrados, tendo a maioria dos casos ocorrido em finais de Maio e princípios de Junho. O impacto não se verificou unicamente a nível das casas, mas impediu que homens, mulheres e crianças usufruíssem ou gozassem de uma série dos seus direitos económicos e sociais, incluindo o direito à alimentação, à educação, ao emprego, e ao mais alto padrão de serviços de saúde possível. De acordo com inquéritos realizados pelo UNICEF, 15% das crianças nos campos de deslocados necessitavam de tratamento imediato para a malnutrição. 57% das pessoas inquiridas num inquérito realizado pelo Programa Alimentar Mundial deram a conhecer que haviam cessado a sua principal actividade de geração de rendimento ou de garantia de sobrevivência. Situações de insuficiência de alimentos ocorreram tanto nos campos de deslocados internos como em resultado da pressão exercida sobre os membros da família alargada que vivem fora de Dili e que albergaram familiares em situação de deslocados. No caso do Hospital Nacional de Dili, o seu acesso foi impedido pela existência de uma percepção segundo a qual o mesmo Hospital constituía um local inseguro para as pessoas oriundas da parte ocidental do país. A liberdade de circulação foi igualmente restringida. Embora tenha havido uma resposta humanitária bem coordenada, que envolveu trabalho de colaboração entre o Governo e a comunidade de ONGs, tendo muitas pessoas regressado aos seus empregos, os efeitos dos incidentes permanecem evidentes na contínua existência de pessoas deslocadas e nos problemas conexos.

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Traduções

Todas as traduções de inglês para português (e também de francês para português) são feitas pela Margarida, que conhecemos recentemente, mas que desde sempre nos ajuda.

Obrigado pela solidariedade, Margarida!

Mensagem inicial - 16 de Maio de 2006

"Apesar de frágil, Timor-Leste é uma jovem democracia em que acreditamos. É o país que escolhemos para viver e trabalhar. Desde dia 28 de Abril muito se tem dito sobre a situação em Timor-Leste. Boatos, rumores, alertas, declarações de países estrangeiros, inocentes ou não, têm servido para transmitir um clima de conflito e insegurança que não corresponde ao que vivemos. Vamos tentar transmitir o que se passa aqui. Não o que ouvimos dizer... "
 

Malai Azul. Lives in East Timor/Dili, speaks Portuguese and English.
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