sexta-feira, março 30, 2007

O major Reinado está na capital?

Público, 30.03.2007,
Por: Adelino Gomes

Comandante das forças internacionais diz que Reinado "já não é uma ameaça"

O brigadeiro Rerden sublinha que as forças que comanda têm treino de "consciência cultural timorense"


No final dos primeiros sete dias da campanha eleitoral para as eleições presidenciais de 9 de Abril, em Timor-Leste, a candidatura de Lu-Olo (Fretilin) realça as grandes afluências que os seus comícios estão a registar, em contraste com uma alegada menor capacidade de mobilização dos rivais, entre eles o actual primeiro-ministro e Prémio Nobel da Paz, José Ramos-Horta.

Segundo o blogue da sua campanha, Lu-Olo reuniu ontem, na região fronteiriça de Maliana, "cerca de oito mil pessoas". Nos dias anteriores, contou com "mais de 10 mil pessoas", em Ossu (sua terra natal), "mais de seis mil" em Gleno, "mais de três mil" em Liquiçá e "mais de duas mil" em Laclubar.

A decisão do Tribunal de Recursos, que considerou legal a utilização de símbolos partidários nos boletins de voto, constitui outro motivo de satisfação para Lu-Olo. O candidato pretende colocar a bandeira da Fretilin, de que é Presidente, junto do seu nome, de acordo com uma decisão do Parlamento Nacional, onde a Fretilin detém a maioria.

A iniciativa desagradou a Ramos-Horta e a outros seis dos oito candidatos, os quais ameaçaram boicotar as eleições caso não fosse alterada a lei, em conferência de imprensa, a semana passada. "Alguns dizem que a FRETILIN irá perder as eleições porque não tem apoio nas bases, mas estas mesmas pessoas têm medo que o candidato da FRETILIN use a bandeira no boletim de voto", comentou Lu-Olo.

Legislativas em 30 de Junho

Apenas uma mudança de Governo poderá sarar as feridas abertas pela crise de há um ano, considerou Ramos-Horta numa entrevista à agência Efe. Para isso confia na vitória do "carismático" Xanana Gusmão, à frente do novo partido em formação, o CNRT, nas próximas eleições legislativas.

As declarações de Horta confirmam que a sua candidatura presidencial está intimamente ligada à intenção de Xanana Gusmão disputar nas urnas, à Fretilin, a liderança parlamentar. No final da Conferência Nacional do CNRT, esta quarta-feira, em Díli, Xanana declarou-se "preparado" para ser primeiro-ministro, quando os repórteres o questionaram sobre o seu futuro político.

A data das legislativas só será marcada após as eleições de 9 de Abril, mas Xanana Gusmão tenciona fixá-la em 30 de Junho, apurou o PÚBLICO.

Na entrevista a Florentino Goulart, da agência espanhola, Ramos-Horta filia a crise que o país atravessa há um ano na "frustração" especialmente dos jovens, "que não vêem perspectivas nas suas vidas, que não têm carreiras, nem trabalhos, nem dinheiro". Se ganhar, promete, será "os olhos, ouvidos e boca dos pobres para falar ao Governo", prestando atenção, em especial, às crianças de Díli, "que vão atrás das tropas da ONU pedindo dinheiro", e aos idosos ,"que não têm condições para comprar comida e remédios".

Indonésia reabre fronteira

A Indonésia reabriu, ontem, a fronteira com Timor-Leste, a pedido do Governo timorense, considerando que o major rebelde Alfredo Reinado deixou de constituir uma ameaça à segurança nacional e para facilitar a movimentação antes das eleições, noticiou ainda a Efe. "O presidente timorense, Xanana Gusmão, disse que o ex-comandante Alfredo Reinado é um problema interno e em consequência a fronteira deveria ser reaberta para o bem dos dois povos", explicou aos jornalistas, em Díli, o embaixador da Indonésia. O diplomata lembrou que a fronteira foi fechada em 26 de Fevereiro a pedido de Timor-Leste, depois do major rebelde e os seus homens assaltarem dois postos fronteiriços e roubarem as armas dos agentes, conclui a agência.

Díli transpira por todos os poros. O ar, infiltrado de fogo e água invisível, dificulta os movimentos, pesa sobre os ombros como se, a cada passo, tivéssemos de arrastar connosco a própria cidade. Uma menina descalça tem um carrossel de fruta em torno dos braços, para vender. Homens de tronco nu sentam-se, mudos, nas carcaças de carros incendiados. Esgotos fluem pelas valas abertas ao longo das ruas.

"As eleições não podem levar a violência nem a divisões entre os timorenses. Devem antes ter um impacto unificador" diz aos jornalistas, no quartel-general "Obrigado", da UNMIT, o representante especial do secretário-geral da ONU para Timor, Atul Khare.

"Temos 225 membros internacionais e 200 nacionais no nosso staff, para dar assistência às eleições", acrescentou o vice-representante especial do Secretário-Geral, Finn Reske-Nielsen. "Existem 504 centros de votação, assistidos pelo CNE (Comissão Nacional de Eleições), sendo que, desses, 71 são de acesso difícil e 39 são de acesso praticamente impossível".

Em todas as ruas há porcos, cabras e cães. Nalgumas há vacas. Em todas as ruas voam veículos todo-o-terreno da ONU, das forças militares internacionais (ISF), das várias polícias e ONGs. Em todas as ruas há barracas cheias de famílias. Em todas as ruas há casas destruídas, queimadas. Nalgumas, há quarteirões inteiros.

"Temos helicópteros à nossa disposição e vamos ajudar o Governo", continuou o vice-representante especial. "Contamos com cerca de mil observadores nacionais e mais de 200 nacionais. Desenvolvemos um plano que permitirá que todos se desloquem em segurança até às urnas. O número de eleitores inscritos está de acordo com as nossas previsões e ultrapassa os 500 mil".

Um autocarro chamado "Che Guevara" passa a grande velocidade, cruzando-se com outro, auto-designado "Satan". Palmeiras, coqueiros, enormes folhas de fúria tropical querem engolir os bairros destruídos, as casas sem telhado nem janelas.

"As forças da ISF mandaram parar e revistaram um veículo na zona de Gleno", disse o comandante das Forças Internacionais de Estabilização (ISF), o brigadeiro australiano Mal Rerden. "O veículo seguia a grande velocidade e com uma condução perigosa, obrigando um veículo das ISF a uma acção evasiva, e não parou, apesar de claras instruções para o fazer".

Para além dos sofisticados jipes das várias organizações internacionais, circulam pelas ruas táxis de vidros fumados, ailerons, luzes azuis e espaventosos sistemas sonoros, que vivem da clientela internacional. São raros, outros veículos. A atmosfera assemelha-se a uma esponja encharcada, a escorrer líquido pelas fachadas e pelos corpos.

"O veículo acabou por parar num check point das ISF", continua o Brigadeiro Rerden. "Mas os ocupantes continuaram a não respeitar as instruções do pessoal das ISF. Estes tiveram que paralisar o ocupante, que se moveu dentro do veículo como se estivesse a pegar numa arma".

Nuvens de chumbo emergem por trás da montanha contígua à cidade. Lojas de chineses vendem roupa barata na Avenida Presidente Nicolau Lobato, ou telemóveis, ou peças para carros. Escolas abandonadas, edifícios esburacados, bancas de fruta extravagante, aromática. Rebentam os primeiros trovões.

"Os soldados usaram um mínimo de força para controlar a situação. Actuaram com muita contenção, dado o perigo potencial criado pelos ocupantes do veículo. As ISF e todas as outras forças estão aqui para apoiar todos os participantes nas eleições gerais de Timor-Leste".

O céu está negro, pegajoso, e a trovoada revolve-se, como lava a ferver, entre as massas de vapor.

"Soldados das ISF tiveram de conduzir uma inspecção numa igreja em Aileu", continuou o australiano. "Tentaram encontrar alguém que os deixasse entrar no edifício, sem êxito. Entraram na Igreja, por uma porta destrancada, assegurando-se que estava vazia no interior".

As crianças não brincam nos campos de deslocados espalhados pela cidade. Escondem-se nas vielas, espreitam. Juntam-se em cachos junto às barracas. Não olham para o céu. Não querem saber se choverá. Um raio não chega a brilhar por trás das cortinas de fumo"

"Os soldados saíram do edifício pela mesma porta. Nenhuma propriedade foi danificada durante a inspecção. Os membros das ISF têm treino específico de consciência cultural timorense, como parte das suas actividades de preparação".

À noite, não se vê ninguém nas ruas. Quase não há luzes, a rede de electricidade praticamente não funciona. A cidade fica em silêncio, uniformemente acabrunhada e enigmática, quer nos bairros comerciais quer nos perigosos.

Alguém avisa que, em Liquiçá, a uns 30 quilómetros, elementos da Fretilin estão a cercar uma esquadra da UNPOL, como retaliação pelas acções das forças internacionais nos últimos dias. A GNR avança para lá, mas já tudo terminou. Afinal foi uma das campanhas que atacou outra à pedrada. Afinal foi a sede da Fretilin que foi atacada. Afinal foi a caravana de um dos candidatos. Afinal foi outro. É impossível descobrir.

A noite escalda, submerge, estrangula, inchada de humidade, mas não chove.
O ar, infiltrado de fogo e água invisível, dificulta os movimentos, pesa sobre os ombros como se, a cada passo, tivéssemos de arrastar connosco a própria cidade.

O rumor correu pelos circuitos da capital timorense: Alfredo Reinado, o major sublevado e fugitivo, perseguido pelas forças internacionais, que supostamente se esconde em Same, no Sul do país, está afinal em Díli. E mais: as Forças Internacionais de Estabilização (ISF) saberiam disto mas teriam achado "conveniente", para não perturbar a actual calma relativa, não capturar Alfredo Reinado antes das eleições presidenciais.

Numa conferência de imprensa no seu quartel-general em Díli, à frente de uma bandeira australiana e outra timorense, o brigadeiro Mal Rerden, comandante das ISF, negou.

"Se soubéssemos onde ele estava, prendê-lo-íamos imediatamente", declarou. E "não há qualquer "conveniência" na nossa acção. Temos instruções para perseguir e prender Alfredo Reinado e é isso que estamos a tentar fazer".

No entanto, acrescentou o comandante australiano, "Reinado já não representa uma ameaça significativa. Está reduzido a pequenos grupos, com um movimento de apoio muito limitado".

As buscas continuam, "em várias áreas, segundo as informações que temos.

Mas não sabemos exactamente onde ele está. É um fugitivo, que está escondido.

Já não é um actor legítimo. As suas acções não são as de um líder. Alguém que realmente se interessasse pelo seu povo, dar-lhe ia uma oportunidade para a paz. Pode continuar a fugir quanto tempo quiser. Enquanto foge, não está a lidar com a sua situação, nem a resolver os seus problemas - disse o responsável militar australiano. "Um homem que se esconde numa cave vai passar muito tempo escondido numa cave", concluiu.

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Traduções

Todas as traduções de inglês para português (e também de francês para português) são feitas pela Margarida, que conhecemos recentemente, mas que desde sempre nos ajuda.

Obrigado pela solidariedade, Margarida!

Mensagem inicial - 16 de Maio de 2006

"Apesar de frágil, Timor-Leste é uma jovem democracia em que acreditamos. É o país que escolhemos para viver e trabalhar. Desde dia 28 de Abril muito se tem dito sobre a situação em Timor-Leste. Boatos, rumores, alertas, declarações de países estrangeiros, inocentes ou não, têm servido para transmitir um clima de conflito e insegurança que não corresponde ao que vivemos. Vamos tentar transmitir o que se passa aqui. Não o que ouvimos dizer... "
 

Malai Azul. Lives in East Timor/Dili, speaks Portuguese and English.
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