sexta-feira, abril 13, 2007

Entrevista a Xanana Gusmão - "Agora quero ser da oposição"

Público – 12 de Abril de 2007
Paulo Moura, em Díli

O ainda Presidente Xanana Gusmão assume culpas pela crise do ano passado, embora admita que os "peticionários" têm alguma razão, apelou à criação de uma coligação contra a elite da Fretilin e culpou os timorenses que estiveram em Portugal no 25 de Abril pelas divisões que há no país. Pouco antes de anunciar que as eleições legislativas se realizam a 30 de Junho, Xanana falou ao PÚBLICO.

PÚBLICO - Anunciou a data das legislativas, a 30 de Junho. Isso quer dizer que as presidenciais são um passo que está dado?

XANANA GUSMÃO - Sim. As eleições correram muito bem. Havia preocupação quanto à hipótese de violência, mas o povo mostrou que sabe dignificar a sua pessoa.

PÚBLICO - Mas houve críticas, acusações de irregularidades, candidatos que não aceitam os resultados

XANANA GUSMÃO - Se não aceitam, provem porquê, nas instâncias próprias. Agora, se não aceitam e vão partir os vidros dos carros todos, isso não pode ser.

PÚBLICO - Espantou-o que Fernando "Lasama" tivesse tantos votos?

XANANA GUSMÃO - Talvez não. Não acho que seja propriamente a nova geração que tenha de assumir já a chefia do processo. Mas há uma frustração em relação a nós, que governamos.

PÚBLICO - Foi um protesto contra a classe política?

XANANA GUSMÃO - Sim. Se virmos em quem votaram e onde, percebemos que um dos factores que motivou a votação foi o Major Alfredo. Eu e o primeiro-ministro, Ramos-Horta, demos a cara pela decisão de lançar a operação contra ele.

PÚBLICO - E houve quem não gostasse.

XANANA GUSMÃO - A prova é que a minha família foi alvejada. A um cunhado meu queimaram-lhe a casa.

PÚBLICO - Alfredo Reinado simboliza o quê, para essas pessoas?

XANANA GUSMÃO - Para o cidadão, ele representa a rejeição da injustiça.

PÚBLICO - Com razão?

XANANA GUSMÃO - Com uma parte de razão. Pensam que houve qualquer coisa que os governantes tentaram esconder.

PÚBLICO - As pessoas têm razão em estar desiludidas com os governantes?

XANANA GUSMÃO - Sim, com nós todos.

PÚBLICO - Assume a responsabilidade?

XANANA GUSMÃO - Assumo. Já pedi desculpas várias vezes. Também é por isso que me vou embora. Agora quero ser da oposição.

PÚBLICO - Muitos culpam-no a si pela crise, por causa do discurso que fez aos manifestantes. Se pudesse voltar atrás, teria feito?

XANANA GUSMÃO - Se pudesse voltar atrás, não teria feito o discurso. Mas assumo os meus actos.

PÚBLICO - Foi um erro?

XANANA GUSMÃO - Devo reconhecer que fui um bocado emocional. Antes de partir para Portugal para assistir à tomada de posse de Cavaco [Silva], disse ao Mari Alkatiri para tentar resolver a questão. Ele prometeu fazer tudo e agradeceu-me a confiança. Quando estava em Portugal, vejo na Internet que ele disse que não podia resolver os problemas porque a petição não tinha sido dirigida a ele. E depois disse que a decisão de demitir os peticionários "nem o Presidente a poderia alterar". Eu pensei: "O quê? Então isto é comigo?" Fiquei um bocado enervado e, quando regressei, fiz o discurso em que utilizei palavras dos peticionários...

PÚBLICO - E isso provocou uma divisão, e os confrontos, com vários mortos...

XANANA GUSMÃO - Eu reconheço. Mas a minha intenção não foi dividir. Já pedi desculpas.

PÚBLICO - Houve uma confusão sobre os poderes do Presidente, do Governo, dos chefes militares?

XANANA GUSMÃO - Foi como uma brincadeira para ver quem tinha mais poder.

PÚBLICO - Rivalidades pessoais?

XANANA GUSMÃO - Não. O problema é que o Governo pensava que só ele manda, pode e decide.

PÚBLICO - Como deve ser resolvido o problema dos peticionários?

XANANA GUSMÃO - O relatório da Comissão dos Notáveis, para além de todo o paleio acusando-me de provocar a situação, recomendou: "diálogo franco e honesto entre o comando das F-FDTL e os peticionários".

PÚBLICO - Eles terão alguma razão?

XANANA GUSMÃO - Se não reconhecessem que há alguma coisa, teriam recomendado apenas punir os peticionários.

PÚBLICO - Qual é o problema? A questão Este-Oeste?

XANANA GUSMÃO - Isso não é importante. Mas eles queixam-se de discriminação.

PÚBLICO - O que aprendeu com a crise?

XANANA GUSMÃO - Que o Estado não pertence a nenhum indivíduo, mas a todos nós. Nem todos percebem isso.

PÚBLICO - Refere-se a quem?

XANANA GUSMÃO - Ao partido que está no poder. Em 2003 pedi a Alkatiri para receber, pelo menos duas vezes por ano, os partidos da oposição, os dois bispos. Nada. Eu disse-lhe: "O seu maior erro é pensar que nunca errou, que nunca vai errar. Todos os que não pensam igual a si são inimigos".

PÚBLICO - É uma questão de personalidade ou de cultura política?

XANANA GUSMÃO - O que eu sei é que, antes do 25 de Abril éramos amigos em Timor.
Depois alguém veio de Portugal e disse à Fretilin, de cujo Comité Central eu fazia parte: "Vocês é que são os legítimos representantes do povo. Os outros são traidores".

PÚBLICO - Isso foi um erro?

XANANA GUSMÃO - Um erro gravíssimo.

PÚBLICO - Quem definiu essa linha?

XANANA GUSMÃO - Os timorenses universitários que estavam em Portugal. Muitos disseram-me que eram do MRPP. Não sei. Nunca saí de Timor.

PÚBLICO - As divisões começaram aí?

XANANA GUSMÃO - A partir daí surgiu essa convicção na Fretilin de que eles é que têm os direitos, eles é que são a História.

PÚBLICO - Agora diz que quer ser oposição. Oposição a quê?

XANANA GUSMÃO - Oposição a este estado de coisas. Oposição à corrupção, à politização da administração, ao nepotismo.

PÚBLICO - Nas primeiras presidenciais, não queria candidatar-se.

XANANA GUSMÃO - Pois não queria. E se pudesse voltar atrás, não o teria feito.

PÚBLICO - Mas agora quer. Formou um partido e vai candidatar-se às legislativas. Porquê?
XANANA GUSMÃO - Porque não posso permitir que a Polícia seja partidária, que se alienem as forças...

PÚBLICO - Candidata-se por obrigação.

XANANA GUSMÃO - Sim. Não é pelo poder.

PÚBLICO - Não confia nos outros políticos?

XANANA GUSMÃO - Claro. Mas dou-lhes oportunidade. Vamos discutir. Criar um partido.

PÚBLICO - Já há uma coligação...

XANANA GUSMÃO - Sim, de outros partidos. Mas juntemo-nos todos.

PÚBLICO - Para acabar com a hegemonia da Fretilin?

XANANA GUSMÃO - Não é a Fretilin. É um grupo que pensa que o Estado lhe pertence.

PÚBLICO - Esse grupo tem de ser afastado?

XANANA GUSMÃO - Timor é uma criança que cresceu, caiu e está a tentar levantar-se, para ver se cresce. Nunca sonhámos com isto. Andámos nas montanhas, descalços, com fome, não a sonhar com uma independência assim.

PÚBLICO - Quer assumir o partido do vosso sonho?

XANANA GUSMÃO - Eu nunca teria pensado em formar um partido se não houvesse essa cultura de considerarmos os outros inimigos. Sonhámos uma sociedade onde todos se vissem como amigos. Então hoje eu abraço os generais e amanhã os nossos homens estão a matar-se? E permitimos? Não. A democracia não é isso.

PÚBLICO - Tem um plano com Ramos-Horta, se for primeiro-ministro e ele Presidente?

Temos. Um plano socioeconómico, para que este povo perceba que a independência é para eles.

PÚBLICO - Mas o plano é dele ou seu? Horta acha que o Presidente deve ser mais activo. Concorda?

XANANA GUSMÃO - Concordo. Em Timor o Presidente só tem deveres, não tem poderes.
PÚBLICO - O quê?

XANANA GUSMÃO - Pelo menos as Forças Armadas.

PÚBLICO - Isso já tem, segundo a Constituição.

XANANA GUSMÃO - É só simbólico. Em questões como o combate à pobreza e outras, de importância nacional.

PÚBLICO - Sai decepcionado?

XANANA GUSMÃO - Antes da crise teria encontrado um Presidente diplomático. Agora encontrou um cidadão agressivo.

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Traduções

Todas as traduções de inglês para português (e também de francês para português) são feitas pela Margarida, que conhecemos recentemente, mas que desde sempre nos ajuda.

Obrigado pela solidariedade, Margarida!

Mensagem inicial - 16 de Maio de 2006

"Apesar de frágil, Timor-Leste é uma jovem democracia em que acreditamos. É o país que escolhemos para viver e trabalhar. Desde dia 28 de Abril muito se tem dito sobre a situação em Timor-Leste. Boatos, rumores, alertas, declarações de países estrangeiros, inocentes ou não, têm servido para transmitir um clima de conflito e insegurança que não corresponde ao que vivemos. Vamos tentar transmitir o que se passa aqui. Não o que ouvimos dizer... "
 

Malai Azul. Lives in East Timor/Dili, speaks Portuguese and English.
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