sábado, abril 07, 2007

Transcrição das entrevistas de Lu-Olo e Ramos-Horta à Renascença

Rádio Renascença – “Página 1” de 05-04-07, actualizado às 12:30

Timor-Leste - As expectativas dos dois principais candidatos

07h00: Timor-Leste escolhe o próximo Presidente da República na segunda-feira.

São oito os candidatos à sucessão de Xanana Gusmão no Palácio das Cinzas, mas dois são apontados como favoritos: Francisco Guterres, conhecido como Lu-Olo, e José Ramos Horta.

Lu-Olo, presidente do Parlamento, é o candidato apoiado pela FRETILIN, o maior partido de Timor-Leste.

Ramos Horta é Primeiro-ministro e conta com o apoio de Xanana Gusmão.

Além de decidir o nome do próximo Presidente, as eleições poderão servir, também, para avaliar até que ponto a FRETILIN foi afectada pela crise aberta quando Mari Alkatiri era Primeiro-ministro e para perceber o que poderá vir a ser o futuro de Xanana Gusmão, agora que está a ser criado um novo partido à sua imagem, o CNRT. Admite-se já um confronto eleitoral entre Xanana Gusmão e Alkatiri nas próximas legislativas.

O confronto imediato é entre Lu-Olo e Ramos Horta. A Renascença falou com os dois. Seguem-se as entrevistas.

Por Pedro Mesquita


FRANCISCO GUTERRES

Rádio Renascença - A avaliar pela campanha, acredita que vai ser presidente?

Lu-Olo - Eu acredito que sim, porque em todos os distritos, por onde passamos, tivemos centenas de milhar de militantes que apoiam a minha candidatura. Tenho a certeza de que não vai haver segunda volta.

RR - Não está a desvalorizar as capacidades de Ramos Horta que, além de ter desempenhado as funções de Primeiro-ministro, é Nobel da Paz, é particularmente mediático e é visto como um homem de consensos?

LO - É difícil chegar à conclusão de que Ramos Horta é um homem de consensos. De facto ele recebeu o prémio Nobel da Paz na altura em que o povo estava a lutar, estava a sofrendo, estava morrendo no país. Foi em representação deste sacrifício que Ramos Horta recebeu o Prémio Nobel da Paz, para tornar mais pública na arena internacional a luta do povo de Timor-leste pela autodeterminação e independência. Ramos Horta representou apenas esse sacrifício, esse esforço, essa coragem do povo timorense.

RR - Até que ponto é que os incidentes do último ano, os últimos meses de Mari Alkatiri como Primeiro-ministro e, também, a condenação de Rogério Lobato pela distribuição de armas a civis poderá condicionar negativamente o apoio da população à FRETILIN e a si?

LO - Não acho. Pelo contrário, o povo ficou mais esclarecido sobre essa crise. Ficou a perceber melhor que, afinal de contas, essa crise foi provocada do topo. Quando se diz que o Dr. Mari Alkatiri esteve envolvido na distribuição de armas...ficou claro que a Procuradoria-Geral da República encerrou o processo dele porque não há evidencias. Em relação a Rogério Lobato, claro que ele agiu em último momento. Agiu como Ministro do Interior, e em última instancia, para defender este país. É o meu ponto de vista, e o caso dele está ainda em tribunal. Interpôs um recurso.

RR - No plano político há, agora, o factor Xanana Gusmão. Está a ser formado um novo partido para as legislativas, o CNRT, à imagem de Xanana Gusmão. Que influencia pode ter este vector já nas presidenciais?

LO - Bom, as pessoas ficaram a conhecer mais de perto Xanana Gusmão, durante esta crise. Aliás, Ramos Horta, no discurso de Ainaro, disse que se for eleito Presidente da República, o Primeiro-ministro será Xanana Gusmão. Os dois querem apenas trocar de cadeira. As pessoas ficam a saber, mais ou menos, o que terá provocado esta crise. Chega-se à conclusão de que a cadeira de Primeiro-ministro é a cadeira mais pesada a que todos querem concorrer.

Talvez isso explique as causas desta crise.

RR - Não é de excluir, portanto, um confronto entre Xanana e Alkatiri nas legislativas?

LO - Se o Xanana Gusmão vai criar o seu próprio partido, naturalmente vai concorrer às legislativas mas não acredito que tenha uma expressão viva junto deste povo. Toda a gente já o conhece. Pelo contrário, o Dr. Mari Alkatiri mantém o apoio dos seus militantes, centenas de milhar de militantes da FRETILIN, além do apoio de outras franjas políticas.

RR - Já não tem dúvidas de que Alkatiri será candidato a Primeiro-ministro, novamente?

LO - Claro, se a FRETILIN ganhar naturalmente ele voltará. Não há, outra hipótese.

RR - Em Timor-leste a Constituição não dá grandes poderes ao Presidente da República. Que tipo de Chefe de Estado pretende ser se vencer estas eleições?

LO - Aqui em Timor, as pessoas pensam que o Presidente tem apenas a função de "corta-fitas". não acredito. O facto de existirem 8 candidatos significa que o Presidente da República tem algumas competências.

RR - Que iniciativas tomará, o senhor, para devolver a estabilidade social e politica ao país? Para garantir a segurança?

LO - O mais importante é restaurar a autoridade do Estado. Cumprir a lei e a Constituição. São os elementos essenciais para a estabilidade e a paz. Exigir estabilidade não significa apenas apelar à consciência. fizemos vários apelos e não deram resultado. O mais importante, agora, é que o Estado tenha a sua autoridade. Que as instituições voltem a funcionar normalmente.

RR - Mas em que aspectos é que o seu mandato seria diferente do de Xanana?

LO - É exactamente isto. Eu não vou dividir o país. Vou defender a unidade nacional. Não vou dividir o país em "Loromonu" e "Lorosae". Vou defender a unidade nacional, a Constituição e as leis vigentes.

RR - Xanana Gusmão não as defendeu?

LO - Temos todos que voltar atrás, recordar o que disse Xanana Gusmão na altura da crise. todos sabemos o que ele disse.

RR - Pensa que é ele o principal responsável pela crise?

LO - Cada um tem as suas próprias responsabilidades. Cada um deve levar a mão ao peito e reflectir sobre o que fez durante esta crise.

RR - Consegue perceber porque é que Alfredo Reinado ainda não foi detido?

LO - As forças australianas cercaram-no em Same mas não o conseguiram apanhar. Espero que apanhem o homem, agora eu não consigo compreender porque é que as tropas australianas ainda não o capturaram.

RR - Para concluir, acredita que estas eleições serão livres e justas?

LO - Penso que sim. O candidato vencedor tem que saber ganhar com dignidade. Com transparência e dignidade. É fundamental. Acredito que as eleições vão decorrer num ambiente de calma, de paz e de tranquilidade.

RAMOS HORTA

Rádio Renascença - Que hipóteses tem de suceder a Xanana Gusmão, como Presidente timorense? Que sinais lhe deu a campanha eleitoral?

José Ramos Horta - A avaliar pela campanha ao longo destas duas semanas, mas também a avaliar pelos últimos meses, em que percorri o país, acredito que tenho uma chance, boa, razoável, de ser eleito Presidente da República. Provavelmente... poderei ser eleito.

RR - Lu-Olo está confiante na eleição dele logo à primeira volta...

JRH - É bom que ele tenha essa confiança. Mal dele se não a tivesse e, claro, se ele for eleito terá o meu apoio incondicional. Procurarei colaborar com ele para que os próximos cinco anos sejam de estabilidade, em que o Presidente da República, o Parlamento, o Governo trabalhem em estreita coordenação para dar comida a quem não a tem, um tecto aos marginalizados e aos pobres.

RR - Mas, para isso, o senhor seria mais eficaz como Primeiro-ministro...

JRH - Não. O Presidente da República tem, não só, o direito mas a obrigação de apresentar os seus pontos de vista, de provocar debate, de lançar ideias sobre a orientação económica deste país e como devemos acudir aos pobres.

RR - O Presidente da República, em Timor, tem poderes reduzidos. Xanana disse-o várias vezes. O cargo é classificado, por alguns, como uma "prateleira dourada". Porque deseja ascender a essa "prateleira"?

JRH - É obvio que a Constituição de 2001, constituição engendrada pelo Dr. Mari Alkatiri, e seus colegas e amigos, foi precisamente para "curto-circuitar" o Presidente da República, Xanana Gusmão, reduzir-lhe os poderes. Ainda assim, interpretando a letra e o espírito da Constituição, acho que o Chefe de Estado deve falar, alto e bom som, em defesa dos pobres. Deve exigir um orçamento adequado para os pobres, para a educação, para os jovens. O Presidente da República não está ali para assinar apenas as leis e as propostas de orçamento que lhe serão enviadas. Eu serei muito pro-activo. Apresentaria propostas de orçamento ao Governo e ao Parlamento naquilo que eu achar que é a minha obrigação enquanto Chefe de Estado e enquanto ser humano.

RR - Defende uma alteração constitucional para reforçar os poderes presidenciais, caso seja eleito?

JRH - Não será uma prioridade para mim. Acho que apesar das limitações da actual Constituição, repito, como cidadão e Chefe de Estado serei o advogado dos pobres.

RR - Em que é que o seu mandato seria diferente do de Xanana Gusmão?

JRH - É difícil, obviamente, comparar-me a Xanana Gusmão. Não esqueçamos que ele foi guerrilheiro, comandante, foi quem ressuscitou a resistência quando esteve quase completamente esmagada em 1979 e 81. É muito difícil comparar-me com ele mas entre as minhas prioridades está o diálogo nacional para sarar as feridas deste conflito. Quero estreitar as relações entre o Governo, a Presidência, o Parlamento e a sociedade civil. Quero, igualmente, estreitar as relações entre o Estado e a Igreja. A Igreja é uma instituição secular e não tem apenas um papel espiritual. Tem, também, um papel educativo, social, cultural, de desenvolvimento. É boa política que o Presidente da República, bem como o governo e o Parlamento, trabalhem em sintonia com a Igreja.

RR - Quando apresentou a candidatura presidencial disse-me que conta com o apoio de Xanana. E Xanana contará com o seu apoio caso deseje ser Primeiro-ministro pelo novo partido, o CNRT?

JRH - Sim, sem dúvida. Terá todo o meu apoio embora, obviamente, se eu for eleito Presidente e a partir do momento da tomada de posse, não me intrometerei na campanha eleitoral. Vou procurar ser o mais neutral possível.

RR - Mas acredita que Xanana Gusmão quer ser Primeiro-ministro?

JRH - Acredito que sim. O CNRT já é uma realidade e Xanana Gusmão será o Primeiro-ministro no caso do CNRT vencer Se as vencer, e conhecendo Xanana Gusmão e a equipa que está com ele, vai convidar os melhores os melhores timorenses, com mais qualificações e experiência, para formar um Governo com ele. Será um Governo muito abrangente e que, podemos dizer, será de unidade nacional. Será um Governo de tecnocratas...mas de tecnocratas com compaixão, sensíveis, à cultura, identidade timorense e à pobreza. Será um governo muito mais abrangente do que foi o governo da FRETILIN.

RR - A segurança é uma prioridade em Timor-Leste. Alfredo Reinado tem sido classificado como factor de instabilidade, porque não foi ainda preso?

JRH - Bom, eu não sei quem o classificou como factor de instabilidade...

RR - E não é?

JRH - Não. Não é, não tem sido. Ele tem que enfrentar a justiça. Ele já disse que a quer enfrentar, e que não tem medo da verdade. Está algures escondido. Este país é "super" montanhoso e não tem sido fácil a sua captura, pelas forças internacionais e pela polícia. O Governo, o Estado, aceitou a possível intervenção da Igreja, no sentido de ele se entregar à Igreja. Essa foi, aliás, uma sugestão dele. Entregando as armas e entregando-se a si próprio, garantimos-lhe a sua total segurança e um tratamento digno. Deve ser respeitado como qualquer preso.

RR - Não acha que há coincidências a mais? Primeiro ninguém o prendia, apesar de se saber onde estava. Foi a GNR a prende-lo mas fugiu inexplicavelmente da prisão. Esteve, depois, cercado pelos australianos em Same mas voltou a escapar. Não acha que tem havido alguma complacência com este homem...tanto por parte dos militares australianos como das próprias autoridades timorenses? Coincidências a mais?

JRH - Rejeito totalmente, como é obvio, qualquer insinuação essa natureza. Essa insinuação parece querer dizer que os australianos e forças internacionais foram a Same e, propositadamente, mataram 5 dos seus elementos mais chegados mas deixaram escapar o Sr. Alfredo Reinado, não é?

RR - Para concluir esta entrevista, estão criadas as necessárias condições de segurança para as presidenciais?

JRH - Sim, estão reunidas. Tem havido as melhores condições possíveis. Tem havido incidentes, mas são diminutos.

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Traduções

Todas as traduções de inglês para português (e também de francês para português) são feitas pela Margarida, que conhecemos recentemente, mas que desde sempre nos ajuda.

Obrigado pela solidariedade, Margarida!

Mensagem inicial - 16 de Maio de 2006

"Apesar de frágil, Timor-Leste é uma jovem democracia em que acreditamos. É o país que escolhemos para viver e trabalhar. Desde dia 28 de Abril muito se tem dito sobre a situação em Timor-Leste. Boatos, rumores, alertas, declarações de países estrangeiros, inocentes ou não, têm servido para transmitir um clima de conflito e insegurança que não corresponde ao que vivemos. Vamos tentar transmitir o que se passa aqui. Não o que ouvimos dizer... "
 

Malai Azul. Lives in East Timor/Dili, speaks Portuguese and English.
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