quinta-feira, julho 05, 2007

Timor-Leste: A incógnita timorense

Visão Online – 4 Jul. 2007

A Fretilin deverá ser confirmada como o partido vencedor das legislativas. Mas será o país governável? Leia aqui a reportagem do Enviado Especial da VISÃO e as primeiras reacções de Xanana Gusmão, num dossiê especial sobre Timor-Leste

Henrique Botequilha


Os principais partidos timorenses clamavam vitória antes das legislativas, em 30 de Junho, mas todos eles terão de se resignar com um resultado abaixo das suas expectativas, a começar pelo CNRT, de Xanana Gusmão, que acreditava na maioria absoluta, e pela histórica Fretilin, que pensava o mesmo.


Na noite de quarta-feira, 4, contados mais de 90% de 426 mil votos nos 13 distritos, faltavam apenas processar cerca de 23 mil boletins em Díli. A essas horas, a Fretilin levava a dianteira com uma curta desvantagem (15 mil votos), que é suficiente para cantar a vitória nestas eleições. Embora com uma maioria simples que se prevê de difícil gestão.


O partido no poder, durante a passada legislatura, conseguiu manter uma distância de segurança para o principal rival, o CNRT, desde que as urnas começaram a ser abertas, no domingo, dia 1. O movimento de Xanana Gusmão confiava que uma votação massiva na Díli compensasse a desvantagem, revelada desde o começo da contagem, nos totais nacionais - muito influenciados por uma vitória esmagadora da Fretilin nos três distritos de Leste, que são suas autênticas praças (Baucau, Lautem e Viqueque), com o bónus do primeiro lugar em Covalima.


De, facto, uma em duas cruzes (ou furos) nos boletins, anunciadas expressivamente pelos chefes de cada mesa de contagem, no superprotegido ginásio de Díli, foi destinada ao CNRT. Até ontem, terça-feira, a tensão na sede do partido de Xanana ia aumentando à medida que os resultados em Díli iam reduzindo a diferença para a Fretilin. «Está a apertar», afirmava um elemento do núcleo duro, vendo a tabela do escrutínio projectada numa parede branca. O calor era insuportável. No andar de cima, o ex-Presidente estava mais consciente quanto à improbabilidade de apanhar o movimento rival. «A esperança é a última a morrer», desabafou à VISÃO (ver Xanana Gusmão: «Não foi uma derrota pessoal»).


Apesar da vitória em cinco distritos (Díli, Bobonaro, Liquiçá, Manatuto e Liquiçá), num total que deverá rondar os 24%, nunca o CNRT conseguiu inverter a desvantagem para a Fretilin. É agora claro que a sua base de apoio fiel a este partido vale 28% a 30%, o resultado já anteriormente demonstrado em ambas as voltas das passadas presidenciais, em Abril e Maio últimos, e que se deverá repetir nestas legislativas. À VISÃO, o secretário-geral desta força política declarou-se «calmo tranquilo» e ironizou: «Não fui eu quem disse que ia ter 80%», referindo-se a uma afirmação anterior de Xanana à VISÃO.


Perdas e ganhos


Mas Alkatiri (ex-primeiro-ministro, no I Governo Constitucional) não pode descansar sobre uma aparente operação bem sucedida de resistência ao desastre anunciado pelo CNRT e restante oposição.

Afinal, ao contrário do CNRT (que facilmente se entenderia com qualquer partido para uma coligação), a Fretilin terá grandes dificuldades para obter o mesmo tipo de acordo: «Connosco, jamais», adiantou Mário Carrascalão, líder dos sociais-democratas, que estão unidos com a Associação Social Democrata de Timor (ASDT), de Xavier do Amaral. Com 15%, esta aliança deverá ser confirmada no terceiro lugar, com vitória em três distritos (Ailéu, Ainaro e Manufahi).


Por seu lado, o Partido Democrático (PD), de Fernando La Sama, (no quarto lugar, com 11%) reuniu hoje, 4, para definir a sua orientação pós-eleitoral. Mas apenas concluiu que deverá ser formado um Governo de unidade nacional, com uma distribuição proporcional de cargos pelos partidos que elegeram deputados nestas eleições.


O partido de La Sama foi a surpresa nas últimas presidenciais (quase ultrapassou Ramos-Horta na primeira volta e esteve muito perto de ser eleito chefe de Estado). Mas, nestas legislativas, foi a principal vítima do aparecimento do CNRT e ganhou apenas um distrito: Ermera. É de prever que os democratas sejam a força política mais apetecida pela Fretilin para formar uma coligação. Mas ainda que isso suceda, não será suficiente para uma maioria parlamentar.


O Parlamento timorense deverá ser formado por 21 deputados da Fretilin, 17 do CNRT, 11 da coligação ASDT/PSD e oito do PD. As restantes cadeiras deverão ser distribuídas pelos outros três partidos elegíveis: PUN, de Fernanda Borges (com apoio da Igreja); Kota, de Manuel Tilman (monárquico); e Undertim (do ex-guerrilheiro L7, pró Xanana).


Ou seja, neste novelo partidário, mesmo que obtenha o apoio do PD e do Kota (a única força que alinhou com a Fretilin na segunda volta das presidenciais), o partido vencedor dificilmente conseguirá um acordo com os demais movimentos que lhe permita obter a maioria das 65 cadeiras do hemiciclo.


Nas mãos de Horta


Mari Alkatiri interpreta o resultado destas eleições como um novo mandato popular para a Fretilin: «O povo quer que continuemos à frente do Governo, mas acha que não devemos fazê-lo sozinhos». Ainda que uma coligação seja insuficiente para formar maioria absoluta no Parlamento, lembra que «a Constituição deixa claro que o Presidente da República [Ramos-Horta] deve convidar o partido mais votado para formar Governo». Algo que este dirigente pretende aceitar, apresentando o seu programa, pelo menos duas vezes. «Se for rejeitado, logo se vê se passamos para a oposição...»


A Constituição também determina que o primeiro-ministro pode ser indigitado pela «aliança de partidos com maioria parlamentar e nomeado pelo Presidente da República». Será que a vencedora Fretilin aceitaria ficar na oposição? Mário Carrascalão, líder do PSD, acredita que a governação «só será viável com uma aliança entre o CNRT e os outros partidos mais votados».


Neste Timor, à beira da ingovernabilidade, Díli fervilha em actividade política. Não é claro se o CNRT aceitará a derrota ou se vai tentar forçar uma maioria parlamentar junto de Ramos-Horta. À VISÃO, Xanana Gusmão diz que «todos os partidos estão a pensar no mesmo [coligações]». O ex-Presidente da República afirma-se pronto para ser deputado, num «Parlamento mais equilibrado, sem margem para um partido impor as suas manhas», mas acha difícil aprovar um programa da Fretilin: «Exigimos uma mudança no sistema governativo... essa é a minha resposta.»

Uma resposta que conduz direitinho ao seu sucessor, na Presidência, Ramos-Horta. Pode ser ele a única chave para uma crise política no horizonte. Após ter dado conta à Igreja do contexto que decorre destas eleições, o chefe de Estado começa amanhã, quinta-feira, as consultas aos partidos e vai tentar usar a sua influência para uma saída de consenso. Conseguirá? «Neste país, e em política», disse em entrevista recente à VISÃO, «tudo pode acontecer».


Caixa que acompanha este artigo:


Xanana Gusmão: «Não é uma derrota pessoal»


O líder do CNRT reage, em primeira mão, aos resultados das legislativas


Para Xanana Gusmão, o segundo lugar do CNRT, nas legislativas timorenses, «não é uma derrota pessoal», afirmou, num curto encontro com a VISÃO, na sede do seu partido, na noite de terça-feira, 3. A essas horas, ainda tinha uma esperança muito reduzida de apanhar a liderança da Fretilin na contagem dos votos. Mas, no íntimo, sabia que tal era já altamente improvável e que lhe restava assumir um discurso optimista.


«É um bom resultado, em termos de processo democrático», adiantou. «Vai haver mais equilíbrio no Parlamento, sem margem para nenhum partido impor as suas manhas.»


O líder do CNRT declarara, antes das eleições, que esperava alcançar a maioria absoluta: «Só tenho medo de ganhar com 80 por cento, porque afectaria, de certa forma, a democracia. Não perco.» Agora que perdeu, Xanana Gusmão justifica aquela declaração com «o calor da campanha» e diz que o cenário actual «é muito diferente» das presidenciais, há cinco anos, altura em que obteve um resultado esmagador. «O Presidente da República representa a unidade nacional, agora sou mais um [candidato] entre muitos.»


Segundo Xanana Gusmão, que deixou o Palácio das Cinzas para formar, em Março último, para fundar o CNRT, o resultado destas legislativas «não afronta em nada a sensibilidade do partido, na medida em que se trata de um partido novo», disse. «Viemos para provocar mudanças e reformas e vamos fazê-lo com qualquer um... sem problemas.»


Xanana Gusmão admite que pondera um entendimento com outros partidos da oposição - «acho que estão todos a pensar no mesmo, incluindo a Fretilin» -, mas não abre o livro em relação à possibilidade de uma aliança com a ASDT/PSD e PD, com vista a uma alternativa de poder a apresentar ao Presidente da República: «Não me posso pronunciar sobre coligações – isto tudo está a gerar muita ginástica na cabeça de todos.»


Em todo o caso, o líder do CNRT vai avisando que não aprovará facilmente um programa de um governo da Fretilin: «Exigimos uma mudança no sistema governativo... essa é a minha resposta.» E adverte para o perigo de o partido no poder persistir na governação com um Parlamento hostil: «Nesse caso, vai abrir uma crise política.»

Sobre a postura do CNRT num cenário de ingovernabilidade, apenas responde: «Na altura própria, responderemos a isso.»

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Traduções

Todas as traduções de inglês para português (e também de francês para português) são feitas pela Margarida, que conhecemos recentemente, mas que desde sempre nos ajuda.

Obrigado pela solidariedade, Margarida!

Mensagem inicial - 16 de Maio de 2006

"Apesar de frágil, Timor-Leste é uma jovem democracia em que acreditamos. É o país que escolhemos para viver e trabalhar. Desde dia 28 de Abril muito se tem dito sobre a situação em Timor-Leste. Boatos, rumores, alertas, declarações de países estrangeiros, inocentes ou não, têm servido para transmitir um clima de conflito e insegurança que não corresponde ao que vivemos. Vamos tentar transmitir o que se passa aqui. Não o que ouvimos dizer... "
 

Malai Azul. Lives in East Timor/Dili, speaks Portuguese and English.
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