segunda-feira, julho 30, 2007

Timor-Leste: o Estado falhando

Diário Económico - 30-07-07
Pedro Rosa Mendes
Delegado da Agência Lusa em Timor

A crise actual em Timor resulta das rivalidades pessoais, insanáveis, de quatro ou cinco homens; é triste que tanto lastro sepulte tanto génio e adie um projecto nacional.

Uma ilha é Sísifo naufragado numa elipse: quanto mais se afasta de um ponto, mais perto está de voltar a esse porto. Este o problema endémico de Timor. Numa geografia virada para dentro, o tempo arrisca-se à sua própria repetição. E a política, por autofagia, faz-se imune à História.

Alguns factos soltos, na semana mais difícil do mandato do Presidente José Ramos-Horta:

1. Em nenhum outro país do mundo as instituições democráticas e a normalidade constitucional estão reféns de um homem com 19 (dezanove) armas automáticas;

2. O major Alfredo Reinado, por uma questão de escala e de capacidade, não é um rebelde, no sentido, por exemplo, em que Jonas Savimbi o foi em Angola, ou que Mokhtada al-Sadr o é no Iraque; Reinado não propõe uma ordem diferente, apenas nunca se adaptou à ordem existente; nesse sentido, é um caso de ordem pública e não um problema de Estado; a confusão entre uma coisa e outra produziu um herói;

3. Um herói, em Timor, é alguém que não morre, porque sempre sobrevive a si próprio; os vivos, aqui, não vivem no seu corpo mas no seu símbolo; Reinado já é imortal - após ter "suicidado" cinco dos seus homens em Same;

4. A nova geração procura heróis da sua idade; os velhos sabem desta ingratidão: a luta alimenta apenas aqueles que a fizeram; os outros pedem pão, paz e emprego;

5. A ossatura de um Estado faz-se de dois pilares: o da segurança e o da justiça; em Timor-Leste, o pilar da segurança ruiu há um ano e ainda convalesce; foi o sistema de justiça que segurou a soberania da jovem nação; é o sistema de justiça que está, agora, a ser bombardeado - pelos órgãos de soberania;

6. Timor-Leste é o país para onde Portugal canaliza mais dinheiro dos seus contribuintes; os sectores estratégicos da Cooperação Portuguesa aqui são a Língua e a justiça; o silêncio português é preocupante e humilhante; exige-se a Lisboa que relacione, depressa, os 'cocktail molotov' lançados contra a GNR no Bairro Pité com a frustração de uma geração integrada, de facto, pelo 'bahasa' indonésio; uma Língua de inclusão é uma aposta de sucesso; uma Língua de exclusão é uma bomba-relógio;

7. "Não devo favores a ninguém", repetiu José Ramos-Horta esta semana; é verdade: nenhum outro político ou partido timorense tem uma legitimidade de 70 por cento do eleitorado desde que, na euforia da independência, Xanana Gusmão foi plebiscitado com mais de 80 por cento dos votos; é surpreendente o receio do Presidente em usar essa legitimidade, agora, sobre aqueles que, `hélas!', a desconseguiram: Xanana Gusmão e Mari Alkatiri;

8. Nenhum outro país lusófono atingiu a independência com um naipe de líderes tão inteligentes, tão honestos e tão carismáticos como Timor-Leste (bispos incluídos); o que eles fizeram disso, porém, demonstra que a soma das partes pode ser muito inferior ao valor individual;

9. As legislativas de há um mês (um mês!) produziram um parlamento mais democrático e equilibrado; a crise actual resulta, apenas, das rivalidades pessoais, insanáveis, de quatro ou cinco homens; é triste que tanto lastro sepulte tanto génio e adie um projecto nacional;

10. Mário Carrascalão, ex-governdador na ocupação, foi o único a sugerir um acto patriótico da geração de '75: "Os novos ao poder" (e eles existem); nada de novo, aliás: aconteceu no próprio PSD com a candidatura presidencial de Lúcia Lobato; aconteceu na Letónia nos anos 90; mas em Timor, o mundo e o passado importam pouco;

11. O país é ingovernável e todos o sabem: a Fretilin tem o poder do bloqueio, a oposição tem o poder da inexperiência;

12. Pior: ambos têm o poder da rua.

2 comentários:

Anónimo disse...

"8. Nenhum outro país lusófono atingiu a independência com um naipe de líderes tão inteligentes, tão honestos e tão carismáticos como Timor-Leste (bispos incluídos)"

ahahahahahahaahahaha A piada é boa! Agora conta aquela do portuga no bar.

Anónimo disse...

Ponto 8
Quando li esta conclusão também me interroguei.
Pelo comentário anterior parece que não estou sozinho.
O jornalista nunca deve ter falado com os lideres Timorenses. Tirando uma ou outra excepção, a falta de formação intelectual e elementaridade raciocínios e de atitudes é uma constante.

Traduções

Todas as traduções de inglês para português (e também de francês para português) são feitas pela Margarida, que conhecemos recentemente, mas que desde sempre nos ajuda.

Obrigado pela solidariedade, Margarida!

Mensagem inicial - 16 de Maio de 2006

"Apesar de frágil, Timor-Leste é uma jovem democracia em que acreditamos. É o país que escolhemos para viver e trabalhar. Desde dia 28 de Abril muito se tem dito sobre a situação em Timor-Leste. Boatos, rumores, alertas, declarações de países estrangeiros, inocentes ou não, têm servido para transmitir um clima de conflito e insegurança que não corresponde ao que vivemos. Vamos tentar transmitir o que se passa aqui. Não o que ouvimos dizer... "
 

Malai Azul. Lives in East Timor/Dili, speaks Portuguese and English.
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