sábado, outubro 27, 2007

Timor-Leste: Uma ressurreição anunciada: "Vicente Reis está vivo"

Lusa - 26 de Outubro de 2007, 11:23
Pedro Rosa Mendes (Texto) e António Dasiparu (Fotos) da Agência Lusa

Díli - Vicente Reis, dirigente da resistência timorense, foi morto - e enterrado - em 1979, mas veteranos da rede clandestina anunciam o seu regresso para 27 de Outubro, em Díli.

"O corpo pode morrer, mas a alma não", resumiu Rio da Montanha à Agência Lusa.

Outra frase essencial da longa entrevista com Rio da Montanha, o veterano que garante ter escondido e protegido Vicente Reis durante 28 anos: "O homem não mora aqui. Só o nome mora aqui".

Em Timor-Leste, ao contrário de muitos sítios que não morreram tanto, os mortos resistem na memória escravizada dos vivos.

É neste contexto marcante que a "ressurreição" anunciada de Vicente Reis é, não apenas possível, mas já real: o herói tombado em 1979 está "vivo" em 2007 porque toda a cidade fala do seu regresso.

Nesta altura da história, algumas apresentações são necessárias, levando o leitor pela mão, como se faz nas cerimónias fúnebres timorenses, onde o luto tem um ritual e a homenagem segue um protocolo.

Começando por Vicente Reis: estudante de Engenharia, encontrava-se em Portugal antes do 25 de Abril de 1974, integrado num grupo de jovens timorenses onde pontuava, por exemplo, Abílio Araújo, hoje presidente do Partido Nacionalista Timorense (PNT).

Vicente Reis, fundador da Associação Social Democrata Timorense (ASDT) e, depois, da Frente Revolucionária do Timor-Leste Independente (Fretilin), foi o "braço-direito" de Francisco Xavier do Amaral, líder histórico da ASDT e primeiro Presidente de Timor-Leste (durante nove dias, antes da invasão indonésia).

Vicente Reis foi nomeado Comissário Político Nacional em Outubro de 1977, já com Nicolau Lobato na liderança da Fretilin, da República e das Falintil.

Vicente Reis Bie Ki Sa'he ("apelido" que tomou do avô) escolheu o nome de código Leas Moruk Nagasoro.

Rio da Montanha, nome de código do veterano Júlio Pinto, é o presidente da Caixa desde Janeiro de 1983.

A Caixa era e é - porque "continua activa", garante Rio da Montanha - a rede clandestina de estafetas criada sob a ocupação indonésia.

Foi pela Caixa que Rio da Montanha recebeu a notícia da morte de Vicente Reis, trazida por uma sucessão de estafetas.

Rio da Montanha diz, no entanto, que após o referendo pela independência do território, em 1999, recebeu três bilhetes caligrafados por Vicente Reis.

"Não tenho dúvidas de que foram escritos por ele", explicou à Lusa.

"Em 8 de Março de 2000, Vicente Reis desceu do esconderijo, à noite, e eu andei de carro com ele pela cidade".

"Não sei de onde veio. Hoje, sei onde está. Vamos trazê-lo, mesmo que ele esteja com medo", prometeu Rio da Montanha.

"É por ele ter medo que inventou Manuel Escorial".

Eis mais um personagem: Manuel Escorial aparece em imagens da campanha presidencial de Francisco Xavier do Amaral, em Abril de 2007, captadas em Zumalai (sul) e mostradas há dias por Rio da Montanha como "prova" de que Vicente Reis "está vivo".

Manuel Escorial passou segunda-feira no telejornal da TVTL reclamando a sua identidade, dando filiação e origem familiar em manatuto: "Eu não sou Vicente Reis!"

"É um só homem, com dois nomes. Manuel não existe. É Vicente. Confirmámos isso com Francisco Xavier do Amaral", contrapõe Rio da Montanha.

Não foi possível ouvir o decano da política timorense, que tem prestado declarações contraditórias à imprensa nacional.

A chave do mistério, ou da fraude, pode estar no pé esquerdo de Vicente Reis - morto ou vivo -, porque, segundo confirmou à Lusa um dos seus irmãos, a perna foi cortada pelos indonésios quando encontraram o corpo.

"Dia 27, obrigamos Vicente Reis a descer a Díli, porque existe desentendimento entre o povo e ele tem que aparecer para haver paz", garante Rio da Montanha.

Mais: "A luta continua porque a nação foi libertada, mas o povo não foi", um eco do lema do novo CNRT, o partido do primeiro-ministro Xanana Gusmão.

"Isto é uma conspiração política. Esperamos que a Polícia actue", diz o irmão de Vicente Reis, Marito Reis, membro do actual governo.

Centenas de pessoas chegaram hoje a Díli, provenientes de Baucau, Suai, Same e Aileu, e esperam em tendas, junto da ribeira de Comoro, a ressurreição de Vicente Reis.

Como diz Rio da Montanha, indesmentível: "O povo ainda não o enfrentou porque Vicente ainda não passou à realidade".

A família de Vicente Reis, líder da resistência morto em 1979, considera que o anúncio do seu regresso "é um embuste e uma conspiração política" e promete, se for preciso, mostrar as ossadas.

"Vamos também trazer os restos do Vicente dia 27 de Outubro, para provar que ele morreu mesmo", afirmou à Agência Lusa o irmão do defunto, Marito Reis, secretário de Estado para os Antigos Combatentes da Libertação Nacional.

Um grupo de veteranos, ligados à rede clandestina da resistência e liderados por Rio da Montanha, garante que Vicente Reis ainda está vivo.

Rio da Montanha garantiu à Lusa que Vicente Reis vai "descer" a Díli a 27 de Outubro, "nem que seja à força".

O nome de Vicente Reis desencadeou um combate de morte contra o seu próprio cadáver: a família do herói tombado prometeu responder à ressurreição fraudulenta, usando os retos mortais.

"O Vicente foi emboscado pelos indonésios entre Fatuberliu e Alas (Manufahi, sul do país), de madrugada, no local onde estava acampado com os guerrilheiros", contou Marito Reis à Lusa.

"Ele safou-se da emboscada ileso mas depois voltou atrás para buscar uma pasta".

"Foi aí que os indonésios o atingiram numa perna, numa articulação, numa veia principal", explica o membro do Governo.

Vicente Reis "ficou agravado e caído", segundo o irmão.

"Os guarda-costas dele tentaram atravessar o cerco levando o Vicente às costas, mas não conseguiram e ele ficou cerca de um mês escondido num regato".

Ainda segundo o relato de Marito Reis à Lusa, "o Vicente acabou por morrer devido à hemorragia", no final de Janeiro de 1979.

"O meu irmão foi sepultado numa campa isolada entre bambueiros, na montanha a que chamam Casa dos Morcegos, perto do suco Dotic", no sul do país.

Com Julião e Tomás, os guarda-costas de Vicente Reis, estava António Guterres, irmão do presidente da Fretilin, Francisco Guterres "Lu Olo", ex-presidente do Parlamento Nacional.

Julião e António Guterres conseguiram contactar Marito Reis na área de Ostico (distrito de Baucau, no centro-leste), "a dia e meio a pé", e pedir socorro.

"Eu arranjei umas penicilinas mas a ajuda já não chegou a tempo porque o Julião teve que se render aos indonésios", recorda Marito Reis.

"Os soldados indonésios que encontraram o corpo cortaram-lhe uma perna, para provar ao comandante do VI Batalhão indonésio que tinham morto mesmo o Vicente Reis", contou o irmão.

"O comandante, que esperava no helicóptero, disse-lhes que a perna não servia de nada. Ele precisava da cabeça! Mas foi-se embora da Casa dos Morcegos sem levar nada e a perna do Vicente ficou lá".

Em 2002, quando Marito Reis era administrador de Transição do distrito de Baucau, a família do defunto organizou uma visita à campa na Casa dos Morcegos, com uma dúzia de pessoas, incluindo os irmãos e os sobrinhos.

"Encontrámos a campa ao pé dos bambueiros, cavámos e encontrámos os ossos" - com o pé esquerdo cortado.

"O esqueleto foi tirado e identificado, faltando uma perna", contou também Marito Reis à Lusa.

"Depois da descoberta da campa, limpámos a ossada e colocámos uma lipa nova, com plástico, e deixámos tudo no mesmo sítio".

A família fez outras visitas à campa de Vicente Reis, de difícil acesso, "a última há seis ou sete meses atrás".

"Isto é uma conspiração política", acusa Marito Reis sobre o anúncio de que Vicente Reis está vivo.

"Esperamos que a Polícia actue".

É essa também a opinião de Mari Alkatiri, ex-primeiro-ministro: que os ressuscitadores sejam justiciados.

O Presidente José Ramos-Horta, revelando um humor inexpugnável, é mais conciliatório: "Se Vicente vier, abraço-o", explicou, pois também acredita na ressurreição de Cristo.

Em Beduco e Manleuana, sobre a ribeira seca de Comoro, em Díli, centenas de pessoas, chegadas hoje do leste e do sul do país, esperam, em tendas, o regresso anunciado de Vicente Reis.

Lusa/fim

1 comentário:

Anónimo disse...

Timor: Polícia dispersa multidão que esperava «ressurreição»

Diário Digital / Lusa

27-10-2007 12:01:00

Elementos da polícia timorense (PNTL) e das Nações Unidas (UNPOL) dispersaram a multidão que esperava a «descida» a Díli do líder da resistência Vicente Reis, morto em 1979.

«Os polícias vieram de início para proteger as pessoas mas depois chamaram a UNPol para impedir o programa», declarou à Agência Lusa o veterano Rio da Montanha, que anunciou o regresso de Vicente Reis para 27 de Outubro.

«Vicente Reis fugiu de novo para a montanha com a família, com medo», acrescentou Rio da Montanha, presidente da Caixa, a rede clandestina de mensageiros usada pela resistência sob a ocupação indonésia.

«O povo precisa de Vicente Reis e está a investigar o seu paradeiro», explicou o veterano à Lusa, numa colina sobranceira à ribeira de Comoro, em Beduco, periferia sul de Díli.

Rio da Montanha garantiu que Vicente Reis apareceu em Díli na manhã de 24 de Outubro.

«Esperamos encontrá-lo antes da Polícia», afirmou.

Vicente Reis, Comissário Político Nacional e segunda figura da resistência timorense junto do Presidente Nicolau Lobato desde Outubro de 1977, foi emboscado por tropas indonésias no sul do país, em Janeiro de 1979.

A família de Vicente Reis considera que o anúncio do seu regresso «é um embuste e uma conspiração política» e promete, se for preciso, mostrar as ossadas.

Vicente Reis Bie Ki Sa'he (o nome que tomou do seu avô) está enterrado numa montanha de Manufahi (sul) conhecida por Casa dos Morcegos, explicou à Lusa o seu irmão Marito Reis, secretário de Estado para os Antigos Combatentes da Libertação Nacional.

«A posição da família Reis é política, talvez provocada por pressões políticas», afirmou à Lusa o secretário-geral da Caixa, Norberto Pinto.

«Com todo o respeito pela família e pelo pai de Vicente Reis, que foi um grande combatente da resistência, nunca foi dito que ele tinha morrido», acrescentou.

«Houve alguém que disse à família que a campa era do Vicente Reis e a família aceitou, mas é isso que tem que ser investigado», disse Norberto Pinto.

Cerca de 200 pessoas juntaram-se, na véspera do anunciado regresso, na margem direita da ribeira de Comoro, em Manleuana, defronte de Beduco e da casa dos veteranos da Caixa.

O anúncio de que Vicente Reis estaria vivo foi acompanhado de imagens da campanha presidencial de Francisco Xavier do Amaral, fundador e líder da Associação Social Democrata Timorense (ASDT) e primeiro Presidente da República timorense, em 1975.

As imagens mostram o suposto Vicente Reis mas um homem chamado Manoel Escorial apareceu esta semana na televisão nacional reclamando a sua identidade e denunciando o «embuste».

«As duas famílias, de Vicente Reis e de Manoel Escorial, têm de decidir quem é que é ele», concluiu Rio da Montanha.

Junto à casa da Caixa, alguém deixou um «graffiti» num pequeno quiosque que resume o caso: «Procura-se vivo».

Traduções

Todas as traduções de inglês para português (e também de francês para português) são feitas pela Margarida, que conhecemos recentemente, mas que desde sempre nos ajuda.

Obrigado pela solidariedade, Margarida!

Mensagem inicial - 16 de Maio de 2006

"Apesar de frágil, Timor-Leste é uma jovem democracia em que acreditamos. É o país que escolhemos para viver e trabalhar. Desde dia 28 de Abril muito se tem dito sobre a situação em Timor-Leste. Boatos, rumores, alertas, declarações de países estrangeiros, inocentes ou não, têm servido para transmitir um clima de conflito e insegurança que não corresponde ao que vivemos. Vamos tentar transmitir o que se passa aqui. Não o que ouvimos dizer... "
 

Malai Azul. Lives in East Timor/Dili, speaks Portuguese and English.
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