quarta-feira, janeiro 16, 2008

Um artigo sobre a famosa "carta"...

Editorial, DN, 22/06/06

A carta

Eduardo Dâmaso

A situação política em Timor não pára de surpreender. O novo episódio da crise é epistolar - uma carta de Xanana a Alkatiri a exigir-lhe a demissão com base num programa da televisão australiana em que é afirmado que o primeiro-ministro teria promovido a distribuição de armas a militares da Fretilin.

O assunto da entrega das armas é melindroso e está a ser investigado pelas autoridades judiciais timorenses. Não há ainda nenhuma espécie de conclusão, mas o Presidente da República, que tem a especial obrigação de manter a serenidade e ser o garante das instituições, pôs o país em alvoroço dizendo em papel timbrado e com a solenidade das declarações de Estado o que a sua mulher diz habitualmente na cozinha lá de casa ou em incursões pelos bairros pobres de Díli.

Xanana escreve a carta num tom idêntico ao das declarações recentes da sua mulher, a australiana Kirsty Sword, sobre Alkatiri, em que esta não só disse que o primeiro-ministro devia demitir-se como anunciava que, caso não o fizesse, seria demitido pelo seu marido.

As relações de Estado em Timor já tinham descido ao mais baixo nível de paroquialidade quando se percebeu que em muito dependiam da vida doméstica do Presidente. Agora passaram para a fase mais preocupante: o tom simplório com que têm sido comentadas as relações institucionais saiu mesmo da cozinha do Presidente e entrou nas instituições.

A carta de Xanana - que o DN publica nesta edição - representa a triste paródia a que chegou a política timorense. Um país que está à beira de uma guerra civil é atravessado por ódios mortais ao nível das mais altas figuras do Estado, fomentados por guerras antigas ou por interesses económicos e diplomáticos da Austrália.

Com este comportamento Xanana Gusmão volta a incendiar o clima político em termos que podem ser incontroláveis num país onde há centenas de civis armados, polícias e militares amotinados, rivalidades étnicas, invejas pessoais e que se transformou num palco de obscuras manobras diplomáticas. Com uma liderança que gere ódios o povo só pode mesmo é procurar abrigo do seu próprio medo. O braço-de-ferro entre Xanana e Alkatiri chegou a um ponto de não retorno e pode mesmo acabar num banho de sangue.

E, até aqui, quem se tem esforçado por evitar tal tragédia tem sido Alkatiri e não o Presidente de Timor-Leste.

NOTA DE RODAPÉ:

Pelos vistos, Xanana foi mais longe. Alfredo Reinado confirma-o agora, mais de um ano e meio depois.

E, se me permitem, Alfredo Reinado disse, desde sempre, que só cumpria ordens de Xanana, do seu Comandante Supremo.

Só que Reinado não sabia, e talvez ainda não tenha percebido, que as ordens eram ilegais, contra o Estado de Direito, e por isso contra o próprio povo de Timor-Leste.

Só resta uma saída a Alfredo Reinado. Apresentar-se ao Tribunal, a única entidade que defenderá os seus direitos.

Para os outros, é apenas um alvo a abater.

1 comentário:

Anónimo disse...

"E, se me permitem, Alfredo Reinado disse, desde sempre, que só cumpria ordens de Xanana, do seu Comandante Supremo."

Isso e' o que o Reinado diz e o Reinado diz muitas coisas.

Se ele recebia mesmo ordens de Xanana porque e' que saiu de Ermera para Fatuahi onde entrou em confrontos armados com as F-FDTL quando ele tinha prometido a Xanana e Horta que ficar acantonado em Ermera?
Porque e' que Xanana reagiu fortemente apos os confrontos declarando que Reinado teria que ser capturado? Coisas que nao batem certo para estas teorias de rodape.

Nao acha Malai Azul?

Traduções

Todas as traduções de inglês para português (e também de francês para português) são feitas pela Margarida, que conhecemos recentemente, mas que desde sempre nos ajuda.

Obrigado pela solidariedade, Margarida!

Mensagem inicial - 16 de Maio de 2006

"Apesar de frágil, Timor-Leste é uma jovem democracia em que acreditamos. É o país que escolhemos para viver e trabalhar. Desde dia 28 de Abril muito se tem dito sobre a situação em Timor-Leste. Boatos, rumores, alertas, declarações de países estrangeiros, inocentes ou não, têm servido para transmitir um clima de conflito e insegurança que não corresponde ao que vivemos. Vamos tentar transmitir o que se passa aqui. Não o que ouvimos dizer... "
 

Malai Azul. Lives in East Timor/Dili, speaks Portuguese and English.
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