terça-feira, fevereiro 26, 2008

Recolher obrigatório: cidade morta, país calmo

** José Costa Santos e Pedro Rosa Mendes, da agência Lusa, em Díli **

Díli, 26 Fev (Lusa) - Timor-Leste está em estado de sítio com recolher obrigatório, uma decisão política que tem reflexos visíveis na segurança mas que, indirectamente, provoca o adiamento de decisões e o abrandamento da actividade no país.

O recolher obrigatório vigorou entre as 20:00 e as 06:00, nos primeiros dez dias do estado de sítio, após os ataques de 11 de Fevereiro, e entre as 22:00 e as 06:00, a partir de 23 de Fevereiro, numa extensão de 30 dias do regime de excepção.

"A primeira consequência do estado de sítio não se nota à noite mas durante o dia: desde dia 11 que o Governo está centrado em gerir a situação de crise e a gestão normal estagnou. Tudo o que é importante está parado em cima das secretárias", contou à agência Lusa um assessor financeiro de um banco.

Díli, uma capital de cerca de 150 mil habitantes, não tem, com frequência, outro movimento nocturno digno de registo para além da violência entre grupos rivais de artes marciais ou de bandos juvenis.

Foi a pensar nesses grupos e na sua ligação potencial à violência política que, em primeiro lugar, foi instaurado o estado de sítio, explicaram à agência Lusa algumas fontes envolvidas na discussão das medidas de excepção.

Com toda a população, por igual, fechada em suas casas, há quem tenha de violar o recolher por obrigações funcionais de trabalho, quando o "patrão" não consegue condições para dar guarida aos seus trabalhadores.

As noites de fim-de-semana sofreram uma alteração drástica. As duas discotecas mais conhecidas da capital (onde não há mais nenhum sítio que mereça esse nome) fizeram "lock-in parties", onde os foliões se dispuseram a estar fechados dez horas na mesma pista.

Alguns, aliás, levaram sacos-de-dormir.

Outra população, simplesmente por estar afastada da capital, sente menos os efeitos dos problemas sempre concentrados em Díli.

"Os timorenses sentem menos a diferença do recolher, sobretudo em dias de semana e agora que começa mais tarde. São os estrangeiros em Díli quem mais 'sofre'", contou um responsávvel do Hotel Timor, o maior do país.

"Os clientes da Polícia das Nações Unidas (UNPol) e de outras forças de segurança continuam a vir jantar aqui porque o recolher não os afecta. Quanto ao resto, perdemos os clientes de fora, que jantam em casa, mas ganhámos os hóspedes do hotel, que não saem para jantar", resumiu o mesmo responsável.

À porta do Hotel Timor está um grupo da GNR 24 horas por dia, enquanto durar o estado de sítio, "e não é por lá dentro dormir o Presidente interino", explicou um oficial do Subagrupamento Bravo.

Outras forças, sobretudo da Polícia Nacional (PNTL), em especial da nova Task Force, criada em Dezembro de 2007, patrulham as ruas desertas de Díli, impondo a sua imagem agressiva à população.

A Task Force é o melhor argumento do Estado para fazer cumprir o recolher obrigatório, segundo muitos testemunhos recolhidos pela Lusa.

"Se as crianças estão a brincar à frente de casa, eles passam e mandam-nas para dentro. Se as pessoas estão sentadas no alpendre, mandam-nas para o quintal de trás", explicou um timorense que assistiu a algumas das intervenções da Task Force.

"Esta semana passei por dois taxistas que foram apanhados pela Task Force a 'furar' o recolher em Bidau (centro de Díli). Estavam a 'encher', a fazer flexões. Foi a 'pena' que encontraram para eles", contou um oficial da UNPol.

A capital adormece mais cedo mas Fernanda Azóia, uma professora de português que está há três anos em Timor-Leste, tem ouvido "música depois das 20:00 na igreja de Maubisse", a terra natal de Alfredo Reinado, o major rebelde morto nos ataques que protagonizou contra a residência de Ramos-Horta e contra Xanana Gusmão.

"Na primeira semana sentimos que havia uma maior vigilância, um maior controlo, mas na segunda semana já ouvimos, mesmo depois das 20:00, música na igreja, o que significa que as pessoas nem todas cumprem", explicou num contacto telefónico para Maubisse, cerca de 60 quilómetros a sul de Díli.

Fernanda Azóia disse também que a situação na cidade "é calma" e que está "tudo normal" sem qualquer comentário sobre o que se passou em Díli.

No lado oposto do país, em Lospalos (leste), residentes contactados pela Lusa dão conta de uma situação "calma", com a interrupção total de trânsito durante as horas de recolher, "com a cidade bloqueada à entrada e à saída".

Em Díli, são raras as pessoas que circulam durante a noite, mas aqui e ali mantêm-se os quiosques e vendedores ambulantes onde é possível comprar cigarros ou cartões pré-pagos para o telemóvel.

Quem é obrigado a trabalhar muito tarde ou muito cedo acaba por pernoitar nos locais de emprego, se ficar livre depois da hora de recolher, o que acontece no caso da hotelaria e da restauração, com os responsáveis dos estabelecimentos a terem de garantir dormida aos trabalhadores, embora em número reduzido e apenas para assegurar serviços mínimos.

"Na primeira hora do recolher é frequente encontrar ainda algumas pessoas que regressam a casa do trabalho e apesar de estarem a infringir as normas estabelecidas, a maioria das vezes as pessoas são abordadas, identificadas e deixadas seguir", explicou uma fonte das forças internacionais contactada pela agência Lusa.

A UNPol não tem conhecimento de detidos por desrespeito ao recolher obrigatório mas o comandante da Task Force, Mateus Fernandes, disse a jornalistas australianos terem sido detidas mais de 200 pessoas nos primeiros dias do estado de sítio.

A título não oficial, no entanto, elementos da UNPol dizem conhecer "muitos casos de pessoas apanhadas pela cidade ou até mesmo em suas casas e que passam a noite em detenção, sendo libertadas de manhã sem ninguém saber quem ordenou a sua captura", afirmou à Lusa um oficial internacional.

Todos, timorenses ou estrangeiros, tentam evitar "maus encontros" com as autoridades.

"Agora, com o recolher às 22:00, já se pode jantar, pelo menos. Na primeira semana, uns amigos que tinham conseguido bom polvo, boa lula e bom peixe telefonaram-me ao fim da tarde a desafiar para o jantar", conta um residente de Díli.

"Lá fui. Fizemos a caldeirada, que ficou óptima. Mas tivemos que engoli-la quase a ferver, porque às 20:00 tínhamos que estar de volta a casa".

Lusa/fim

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Mensagem inicial - 16 de Maio de 2006

"Apesar de frágil, Timor-Leste é uma jovem democracia em que acreditamos. É o país que escolhemos para viver e trabalhar. Desde dia 28 de Abril muito se tem dito sobre a situação em Timor-Leste. Boatos, rumores, alertas, declarações de países estrangeiros, inocentes ou não, têm servido para transmitir um clima de conflito e insegurança que não corresponde ao que vivemos. Vamos tentar transmitir o que se passa aqui. Não o que ouvimos dizer... "
 

Malai Azul. Lives in East Timor/Dili, speaks Portuguese and English.
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